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'Cortinas fechadas na alma. Era assim que sentia minha depressão pós-parto'

Quero contar minha história para contextualizar e também já quebrar algumas ideias preconcebidas da depressão pós-parto, que acabam por atrasar diagnósticos e atrapalhar a vida de muitas mulheres por aí.

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Minha terceira filha havia nascido há 5 meses. Um bebê planejado e desejado, em um nascimento maravilhoso, uma vida financeiramente estável, um trabalho que me preenchia, um marido amoroso. Olhando de fora, eu não me encaixava nos conhecidos fatores de risco para a depressão pós-parto que habitualmente ouvimos falar. Ainda assim, desde seu nascimento eu me percebia diferente.

Tinha uma sensibilidade auditiva muito grande, não conseguia ouvir seu choro. Essa sensibilidade também me acompanhou em outras situações: não conseguia mais frequentar ambientes com muita luminosidade, música ou vento. Era como se os nervos estivessem expostos.

Também passei a ter enxaquecas (que já me acompanhavam desde a infância) numa frequência nunca antes vista. Cheguei a ter enxaqueca por vinte dias seguidos. A irritabilidade também apareceu, era como se o pavio tivesse ficado mais curto para uma série de coisas que antes passavam tranquilamente pelo meu dia.

Tudo isso piorou muito depois de uma internação hospitalar da minha filha, na UTI, por bronquiolite. Foram sete dias de terror. Não dormia, os barulhos hospitalares desesperadores, o medo constante de acontecer algo com ela, a angústia a cada procedimento, a solidão? hoje, olhando de forma retrospectiva, percebo que este episódio teve mais impacto na nossa história do que eu consegui dimensionar à época.

Ana Bárbara Jannuzzi, grávida da quarta filha
Ana Bárbara Jannuzzi, grávida da quarta filha Imagem: Arquivo pessoal

O negócio ficou pior durante uma viagem em família. Estávamos em direção a um resort all inclusive no Nordeste e eu tive uma crise de ansiedade dentro do avião. Me lembro de ficar respirando fundo no banheiro, com medo de simplesmente sair correndo. Consegui me acalmar depois de alguns minutos. Nunca tinha passado por isso.

Tive uma questão difícil sobre trabalho, e quando fui colocar minha filha para dormir na soneca, deitei-a na cama e me lembro de olhar pela janela. Lá embaixo, algumas piscinas, calor, música e comida liberada, e eu até hoje me recordo do pensamento: "só não me jogo da janela agora porque não vou morrer. No máximo, vou quebrar a perna". Graças a Deus estávamos hospedados no segundo andar.

Daí em diante, foi ladeira abaixo. Não conseguia mais trabalhar. Comecei a faltar sistematicamente às reuniões de trabalho. Não conseguia mais produzir conteúdo, que é a base do meu trabalho. Era como se uma nuvem tivesse se colocando entre os meus olhos e o resto do mundo. Não via futuro para nada. Não havia vontade, não havia prazer em realizar nada. Qualquer situação me afligia profundamente. Parei de conseguir dormir bem à noite, ainda que ela dormisse bem. Minha energia desapareceu e eu dormia por horas durante o dia. Era como uma anemia. Uma anemia da alma.

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Também desenvolvi um padrão alimentar muito ruim nesta fase: como eu não tinha energia para quase nada, comecei a comer alimentos com mais açúcar e carboidratos simples. Assim, um pedacinho de chocolate me dava energia por 20 minutos. Mas logo depois eu ficava para baixo de novo. E aí, novo chocolate (ou qualquer coisa que o valesse). Era como se os picos de glicose tentassem substituir a motivação que não existia.

Depois, conversando com uma nutricionista (que foi fundamental para que eu conseguisse sair daquela situação), percebi que era algo que ia se retroalimentando: quanto mais eu deixava de me alimentar corretamente, pior me sentiria, pois estes picos de glicose (e queda de glicose) contribuíam - e muito - para a sensação de falta de energia.

Ana Bárbara Jannuzzi e Clarice, quando tinha 3 anos; e Romana, quando tinha 5 meses
Ana Bárbara Jannuzzi e Clarice, quando tinha 3 anos; e Romana, quando tinha 5 meses Imagem: Arquivo pessoal

Como meu gatilho para o início da pior fase dos sintomas foi uma questão de trabalho, ninguém pensava em depressão pós-parto. Nem eu. Todos (psiquiatras, inclusive) negligenciamos o fato de que eu havia parido há cinco meses, e o contexto hormonal e neurofisiológico da cabeça de uma mulher que teve um bebê há tão pouco tempo precisa ser levado em consideração.

Eu consegui driblar essa doença medonha cerca de seis meses depois. Consegui me reconectar com a minha filha. Voltar a amar a vida, ver perspectiva em tudo. Abrir as cortinas.

Neste texto, eu gostaria de contribuir com o que sei - e aprendi na pele - sobre a depressão pós-parto.

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A depressão pós-parto (DPP) acomete cerca de 25% das mulheres que acabaram de dar à luz. Diferente do que muita gente acredita, ela não é uma doença exclusiva dos primeiros meses do puerpério. Na verdade, hoje se sabe que a mulher está sob risco de desenvolver DPP nos primeiros dois anos de vida da criança. E isso sempre precisa ser considerado quando esta mulher é avaliada pela sua rede de cuidados, notadamente dentro da área da saúde. Pediatras que avaliam o bebê, ginecologistas, médicos de família, enfermeiros, agentes de saúde, todos devem estar atentos aos sintomas e ao fato de que é uma doença que pode surgir depois do início da maternidade.

Ela tem alguns fatores de risco conhecidos (ou seja, mulheres nesta situação tem maior risco de desenvolver DPP):

  • Instabilidade econômica;
  • Gestação não planejada | indesejada | dificuldade de aceitar o bebê;
  • Falta de rede de apoio;
  • Falta de apoio de uma parceria;
  • História pessoal ou familiar de depressão ou outros transtornos de humor;
  • Ter sofrido violência obstétrica no nascimento do bebê;
  • Bebê com alguma patologia | necessidade de internação hospitalar.

Para ficar alerta, saiba que os sintomas mais comuns são:

  • Tristeza profunda;
  • Falta de vontade de viver;
  • Dificuldade de fazer planos;
  • Irritabilidade;
  • Dificuldade de se cuidar;
  • Dificuldade de se conectar com o bebê;
  • Medo extremo de sair de casa;
  • Sensação de fazer tudo errado ou de não ser capaz de cuidar do bebê.

*Ana Jannuzzi é médica formada na UFRJ, pós-graduada em Pediatria e Sono na Infância e Adolescência. Fundadora da Jannuzzi Educação, empresa de cursos que já ajudou mais de 40.000 famílias na maternidade e primeiros anos de vida do bebê. Autora dos livros sobre Maternidade O Ano de Ouro, 9 Meses e Travessia.

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