Teve imagens íntimas vazadas? Saiba como agir e se proteger

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O vazamento de imagens íntimas sem consentimento —prática conhecida como "pornografia de vingança", ou revenge porn— é violação grave da privacidade e pode trazer sérios danos emocionais, sociais e profissionais para as vítimas.
Apesar dos avanços legais, muitas pessoas ainda não sabem como agir ao descobrir que suas fotos ou vídeos foram expostos. Para ajudar quem enfrenta essa situação, reunimos orientações sobre como se proteger, quais medidas tomar, se é necessário procurar a delegacia, e o que a lei prevê para punir os responsáveis.
O que fazer se suas imagens íntimas forem vazadas?
Passo inicial é registrar provas da divulgação do conteúdo. Antes de solicitar a exclusão do material, é importante fazer capturas de tela (prints) de todo o conteúdo publicado, além de registrar os links (urls), mesmo que posteriormente esses conteúdos sejam removidos. "Esses registros serão fundamentais para apresentar evidências caso a vítima queira acionar a Justiça", diz Bianca Orrico, psicóloga e responsável pelo atendimento do Canal de Ajuda da SaferNet Brasil.
Depois, procure apoio jurídico. Um advogado especializado ou entidades como SaferNet e Anvint (Associação Nacional das Vítimas de Internet) poderão orientar sobre as melhores medidas a serem tomadas. Outro ponto é buscar apoio psicológico, já que as consequências emocionais costumam ser severas.
Em seguida, é necessário entrar em contato com a plataforma onde o conteúdo foi publicado e solicitar a remoção. Em caso de imagens íntimas divulgadas, o Marco Civil da Internet garante o direito de quem teve imagens de nudez e sexo expostas sem consentimento de contatar a empresa onde o conteúdo foi disponibilizado para solicitar sua retirada, sob pena da plataforma ser responsabilizada subsidiariamente. Conteúdos como esses violam as diretrizes das plataformas e podem ser denunciados diretamente pelos usuários.

Vale a pena ir à delegacia?
Segundo especialistas, a ida à delegacia é um direito e uma etapa importante, mas ainda precisa ser feita com proteção. Muitas mulheres chegam para denunciar uma violência e saem de lá violentadas novamente, por perguntas invasivas, julgamentos morais ou negligência.
Atendimento deveria ser qualificado e humanizado. É como determina a lei nº 14.550/2023, que alterou a Lei Maria da Penha para exigir capacitação das autoridades públicas no atendimento a mulheres em situação de violência. Mas isso ainda é a exceção, não a regra.
Minha recomendação é: não vá [até a delegacia] sozinha, se puder evitar. Leve uma advogada, uma amiga, uma rede de apoio. E mais: exija o seu direito de ser atendida por uma agente policial mulher, garantido pelo artigo 10-A. Se houver descaso, deboche ou qualquer forma de desrespeito, denuncie. Mariana Tripode, advogada especialista em Gênero e Direito e fundadora da EBDM (Escola Brasileira de Direitos das Mulheres)
Para quem se sente desconfortável com o atendimento presencial, as delegacias eletrônicas representam uma alternativa. Em diversos estados brasileiros é possível registrar o Boletim de Ocorrência online, inclusive em casos de divulgação de conteúdo íntimo. No entanto, vale destacar que alguns estados ainda não permitem o registro eletrônico para esse tipo de crime, como é o caso de Pará, Mato Grosso do Sul, Goiás, Ceará, Paraíba, Minas Gerais e Paraná, o que exige o comparecimento presencial a uma delegacia.
Embora, infelizmente, como algumas histórias que se tornaram públicas não foram favoráveis às mulheres, devido a uma cultura historicamente machista e de muitas exigências injustas recaindo sobre elas, a tendência é pensar que é um caso sem solução, o que não é sempre verdade. Pierro Sellan, sócio da área de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações, Privacidade e Proteção de Dados do Azevedo Sette Advogados

Pena prevista
Divulgação não autorizada de conteúdo íntimo pode configurar diferentes crimes. O compartilhamento de cena de sexo, nudez ou pornografia sem consentimento, previsto no artigo 218-C do Código Penal, é punido com reclusão de um a cinco anos e multa. Além disso, dependendo da forma como os fatos ocorrem, podem incidir outros crimes, como difamação (detenção de três meses a um ano e multa), injúria (detenção de um a seis meses ou multa) e ameaça (detenção de um a seis meses ou multa).
Quando vazamento é associado a vantagem econômica ou estupro, pena é maior. Em situações em que o vazamento de conteúdo íntimo esteja associado a vantagem econômica, pode se configurar crime de extorsão, cuja pena é de reclusão de quatro a dez anos, além de multa. Caso a divulgação ou a ameaça de divulgação seja utilizada para constranger a vítima a manter relação sexual, pode se caracterizar o crime de estupro, punido com reclusão de seis a dez anos, sem prejuízo de aumento de pena em hipóteses agravadas previstas em lei.
Invasão de dispositivos eletrônicos. Também é possível que o vazamento ocorra mediante invasão de dispositivos eletrônicos, prática tipificada pelo artigo 154-A do Código Penal, com pena de detenção de um a quatro anos, aumentada de um terço a dois terços se houver divulgação dos dados obtidos.
Se o material divulgado envolver crianças ou adolescentes, aplicam-se as normas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). O estatuto prevê pena de reclusão de quatro a oito anos e multa, para quem produz, possui ou divulga imagens de nudez de menores.
A definição da pena aplicável em cada caso exige análise individualizada dos fatos. Isso porque é possível que a conduta do infrator se enquadre em mais de um crime simultaneamente. Em situações de concurso de crimes, as penas podem ser acumuladas, de acordo com as regras estabelecidas no Código Penal, considerando a gravidade e as circunstâncias específicas de cada situação.

E se houver ameaça de divulgação, mas ainda não aconteceu?
Ameaça já configura crime. "Mesmo que o conteúdo ainda não tenha sido divulgado, a ameaça em si já configura crime", enfatiza Daiane Regina Ribeiro, advogada e voluntária jurídica do Me Too Brasil.
Vítima pode buscar apoio de profissionais especializados para entender a melhor forma de agir em sua situação específica. Para evitar novas abordagens, é possível bloquear o agressor em aplicativos, denunciar a importunação nos canais de contato disponíveis, bloquear e-mails do criminoso (seguindo as orientações de cada plataforma) e registrar um Boletim de Ocorrência pelos crimes de ameaça ou extorsão.
Orientações para se proteger
Evite a identificação direta. Sempre que possível, evite registrar o rosto, tatuagens, cicatrizes, objetos pessoais ou locais que permitam fácil reconhecimento.
Proteja os dispositivos eletrônicos. Adote senhas fortes, mantenha os sistemas atualizados, desabilite o armazenamento automático em nuvem para conteúdos sensíveis e utilize aplicativos de segurança que armazenem arquivos em pastas protegidas.
Ative a autenticação de múltiplos fatores. Utilize essa camada adicional de segurança em celulares, e-mails e contas de redes sociais para dificultar ataques cibernéticos.
Previna exposição involuntária. Ao se hospedar em hotéis, pousadas ou similares, verifique o ambiente em busca de dispositivos estranhos ou câmeras ocultas. Um teste simples é apagar as luzes do quarto e observar se algum ponto luminoso suspeito aparece.
Desconfie de relações que apresentam sinais de controle ou manipulação emocional. "Não normalize o medo. Se você já se pergunta 'e se ele vazar?', essa relação já representa um risco", diz Tripode. E reforça: "A responsabilidade nunca foi da mulher por confiar. O que precisamos é de homens que não nos violem e de um sistema que nos proteja."
Fontes: Bianca Orrico, psicóloga e responsável pelo atendimento do Canal de Ajuda da SaferNet Brasil; Daiane Regina Ribeiro, advogada e voluntária jurídica do Me Too Brasil; Mariana Tripode, advogada especialista em gênero e direito e fundadora da EBDM (Escola Brasileira de Direitos das Mulheres); Pierro Sellan, sócia da área de tecnologia, mídia e telecomunicações, privacidade e proteção de dados do Azevedo Sette Advogados.
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