Ela criou grupo para achar acusado de matar sua filha: '47 dias sem dormir'

A maternidade chegou ainda na adolescência, aos 18 anos. Primeiro veio o menino e, sete anos depois, a menina. Casada há pouco mais de duas décadas, a cabeleireira Elisângela da Silva, 52, moradora de Guarujá (SP), recorda o início da vida junto ao marido e aos filhos.

"Fui mãe nova e batalhei para ter emprego. Fiz o curso de cabeleireira e resolvi seguir minha profissão. Sempre trabalhei para outras pessoas, mas há 25 anos montei meu próprio salão", conta.

A vida seguia tranquila, em meio à correria do dia a dia, até que, em novembro do ano passado, uma tragédia reduziu a família de Elisângela. A filha caçula, Brenda Bulhões, de 26 anos, foi morta a tiros.

Nunca imaginei que isso pudesse acontecer, era muito longe da minha realidade. Eu via na televisão e ficava chocada, horrorizada. Nunca pensei que fosse acontecer dentro da minha família, pois ela nunca foi o tipo de mulher de ficar com alguém por dependência emocional.
Elisângela da Silva, 52, mãe de Brenda

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A mãe lembra com carinho da filha caçula, que, segunda ela, foi uma criança brincalhona, vaidosa e que gostava muito de dançar. "Uma menina que carregava bolsas para lá e para cá. A gente ria muito disso. Quase todo aniversário dávamos uma bolsa para ela. Já na adolescência, ela andava de skate com as amigas, até conhecer o primeiro amor da vida, o pai da filha dela".

Assim como Elisângela, Brenda engravidou na adolescência, aos 17 anos. Com o nascimento da criança, se aproximou ainda mais da mãe.

"Ela foi trabalhar comigo, porque tentou em outros lugares, mas ficava complicado por causa da menina. Éramos muito próximas. Trabalhamos juntas durante oito anos, mas tive um problema na lombar e fui me ausentado. Cuidava da neta de manhã e só ia ao salão à tarde. Ela foi tomando conta do salão e pegando gosto pela profissão, falava que era a vida dela. Foi empreendendo com marketing na internet. Ela fazia cabelos lindos e postava, e assim nós fomos aumentando", lembra.

Relacionamentos e agressões

Elisângela conta que Brenda terminou o relacionamento com o pai da filha, quando a menina tinha três anos. Ambos chegaram a morar juntos, mas não deu certo. Outros relacionamentos vieram.

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"Ela teve uns dois ou três namorados firmes, até que veio esse, que era muito ciumento. Já não gostava dele desde o começo, porque ele não olhava nos nossos olhos, um cara que eu achava difícil de confiar", disse Elisângela.

Bruno dos Santos Campos, 35, e Brenda se relacionaram por cerca de um ano. Elisângela lembra da relação conturbada dos dois. "Teve uma primeira briga, que ele deu uns puxões nela, mas ela não falou muita coisa. Eu soube pelas amigas dela e pela filha dela, porque foi na frente da menina. Eu já não queria mais os dois juntos".

Segundo a mãe, Brenda terminou o relacionamento com o então namorado no dia 22 de setembro de 2024. Bruno tentou voltar, mas, sem sucesso, teria ameaçado a jovem.

Morta em frente ao salão

Elisângela costumava tomar café da manhã com a filha diariamente, mas no dia 29 de novembro foi diferente.

"Naquele dia a gente não se falou. Eu tive insônia e vim para a mesa cedo. Quando saí da mesa, ela veio, era umas sete horas da manhã. Desci e olhei para ela, mas ela estava com a agenda na mão e não me viu. A última cena que lembro da minha filha é ela no portão saindo com a moto. Depois disso, veio a notícia que tinha acontecido um acidente", conta.

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Após receber a informação de que algo teria acontecido com Brenda, Elisângela saiu apressadamente de casa rumo ao salão. Em frente ao local, a motocicleta estacionada e a filha deitada, de bruços, no chão.

Cheguei lá junto com o resgate, ela ainda estava viva. Vi tudo, mas não entendi o que estava acontecendo. Falaram que era acidente, mas a moto estava de pé e ela tinha dois furos.

Câmeras de monitoramento registraram a chegada de Brenda, que estaciona a motocicleta em frente ao salão. Por volta das 8h20, um homem se aproxima e atira diversas vezes contra ela. A jovem foi morta sete dias antes de completar 27 anos. O ex-namorado Bruno é apontado como o principal suspeito de efetuar os disparos.

"Parecia que éramos uma só", diz Elisângela
"Parecia que éramos uma só", diz Elisângela Imagem: Arquivo Pessoal

Corrida para prender suspeito

Suspeito do crime, Bruno fugiu. Familiares e amigos de Brenda iniciaram uma busca pelo suspeito, com campanhas nas redes sociais e na mídia. No dia 15 de janeiro deste ano, 47 dias após a morte da jovem, ele foi capturado pela polícia no município de Ponta Porã, no estado do Mato Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai. A transferência para o Guarujá ocorreu no dia 27 do mesmo mês.

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"Para pegar ele, a gente fez um grupo de amigos que investigava tudo. Todos os dias eu dava duas, três entrevistas - a mídia fez muita diferença nesse caso, me ajudaram muito. Até que chegou lá, onde ele estava em Ponta Porã, no dia 14 de janeiro. Eu sabia que estava perto dele ser preso e não dormi a noite toda. Ele foi preso às 8h20, no mesmo horário que matou a minha filha. Não tive sossego até ele ser preso. Fiquei 47 dias sem pregar o olho", afirma Elisângela.

Bruno está preso preventivamente, após a Justiça acatar pedido do Ministério Público, que o denunciou pela prática do crime de feminicídio consumado duplamente majorado. Ele nega o envolvimento no caso, que está em segredo de justiça.

Mãe da neta

A partida precoce e violenta de Brenda deixou marcas na família, que tenta seguir a vida, em meio à revolta e à saudade. A filha da jovem, que completou 10 anos no último dia 5, ficou sob os cuidados de Elisângela, que passou a ser 'mãe da neta'.

"Eu sempre criei ela com a mãe, pois elas moravam comigo. A gente tem uma luta com ela também, com um psicólogo para ajudar. Ela me perguntou o que aconteceu e eu expliquei tudo. Segundo o psicólogo, ela é uma menina emocionalmente com 15/16 anos. Estou tentando voltar que ela seja mais criança", conta.

Elisângela disse que não pretendia comemorar o Dia das Mães, no próximo domingo (11), mas a neta a surpreendeu:

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"Falei para ela que vamos fazer o aniversário dela no dia 11. Ela disse: 'Vovó, a gente vai comemorar o Dia das Mães?'. Eu falei: 'Não, não quero magoar você, você vai ficar triste'. Ela disse: 'Não, vovó, a vida continua. Você não é mãe?'. Então ela me ensina todos os dias a como levar isso pra frente, que a gente tem que seguir, senão a vida atropela a gente".

A cabeleireira faz um desabafo:

Tenho a impressão que eu nunca mais vou ser feliz 100%, mas eu vou tentar ser pelo menos 70%, porque a minha neta precisa de mim, e eu preciso mostrar pra ela que a vida continua mesmo sem a mãe dela. Preciso fazer isso com maestria. Preciso mostrar para ela que nem todo mundo é ruim. Hoje posso dizer que é difícil confiar em alguém, mas tento olhar para mim e não maltratar ninguém, e assim estou vivendo, um dia de cada vez, com muita saudade. A gente não se desgrudava, mesmo quando brigávamos. Estávamos sempre juntas. Era até confuso de saber quem era mãe e filha. Parecia que éramos uma só. Eu pedi muito a Deus para que eu tivesse uma menina, e Deus me 'emprestou' a Brenda e fui muito feliz. Eu pensava que seria só avó, mas agora também tenho que ser a mãe da minha neta. Espero que um dia todas as mulheres possam dizer não sem ter medo de serem mortas.

O que diz a defesa

Procurada, a defesa do suspeito enviou uma nota à reportagem. Leia na íntegra.

"A ida de Bruno ao estado do Mato Grosso não teve qualquer relação com tentativa de fuga ou ocultação de sua localização. Desde o início das investigações, Bruno jamais se esquivou da Justiça e continua plenamente à disposição das autoridades.
A decisão de se ausentar da cidade de Guarujá decorreu de ameaças graves à sua integridade física, que chegaram ao seu conhecimento por meio de terceiros, incluindo rumores de que seria alvo de represália por suposta prática criminosa -- o que jamais se comprovou. Diante desse cenário, optou-se por preservar sua vida e integridade, dentro do direito constitucional à autodefesa, diante de risco concreto e iminente.

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Importa destacar que Bruno jamais se ocultou da Justiça. Ao tomar conhecimento de que havia um mandado de prisão em seu desfavor, procurou este advogado com o objetivo de buscar a melhor forma de se apresentar às autoridades. Inclusive, as conversas com os policiais civis já estavam em andamento para que seu depoimento fosse colhido de forma voluntária, o que só não ocorreu porque, justamente no dia previsto, ele foi surpreendido com sua prisão.

Ressaltamos que não há nos autos qualquer prova de que Bruno tenha cometido o crime de que é acusado. As alegações contra ele são baseadas unicamente em suposições infundadas e interpretações subjetivas, sem qualquer base material que sustente sua autoria. Bruno reafirma sua inocência, mantém plena confiança no Poder Judiciário e reitera seu compromisso em colaborar com o esclarecimento integral dos fatos, como sempre o fez desde o início das investigações."

Violência contra a mulher

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 apontam que, em 2023, 1.467 mulheres foram assassinadas no país por razões de gênero, o maior registro dede que a lei do feminicídio foi tipificada no Brasil, em 2015. São Paulo foi o estado com mais casos, 221 no total.

Ainda de acordo com o anuário, 3.930 mulheres foram vítimas de homicídio no Brasil em 2023.

Em caso de violência, denuncie

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Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie. Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares. Também é possível realizar denúncias pelo número 180 —Central de Atendimento à Mulher— e do Disque 100, que apura violações aos direitos humanos.

Em 2023, o 180 ganhou seu canal de atendimento via WhatsApp, o que pode ser útil para quem teme a ligação, mas precisa ter acesso aos serviços acima. Basta entrar em contato através do número (61) 9610-0180.

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