'Medo da violência': trans vence plano na Justiça pra fazer cirurgia facial
Ler resumo da notícia

Uma servidora pública de Goiás, que não quis se identificar, ganhou na Justiça o direito de fazer uma cirurgia de feminização facial pelo convênio médico. Na metade de abril, o TJ-GO (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás) decidiu que a Ipasgo Saúde, plano de assistência médica da mulher, deveria custear os procedimentos da paciente. A empresa ainda pode recorrer.
No processo, ao qual Universa teve acesso, o Tribunal entendeu que os procedimentos solicitados pela paciente não eram apenas estéticos, mas reparadores e funcionais, como parte complementar da cirurgia de redesignação sexual, procedimento cirúrgico realizado no homem e na mulher trans a fim de tornar o órgão genital o mais parecido possível com o órgão típico do gênero identificado.
"Sob esse contexto, tem-se que a negativa de cobertura das despesas relacionadas à feminilização facial equivaleria à frustração da conclusão do processo de redesignação sexual, considerando que aquele procedimento é intrínseco a este", afirmou o relator do caso, o juiz Ricardo Prata, no processo. Em nota, a Ipasgo Saúde disse que a decisão "não é terminativa" e que está avaliando "as alternativas técnicas e jurídicas".
Há mais de um ano, com o processo aberto na Justiça, a servidora pública conta a Universa por que decidiu ir atrás da cirurgia. Leia o relato abaixo:
'Não basta me sentir mulher apenas para mim mesma'
"Sou uma mulher trans de 39 anos e, perto dos meus 20 anos, fiz todo meu processo de transição de gênero. Para mim, era importante passar pela redesignação sexual — mas é importante falar que nem todas as mulheres trans desejam isso.
Fiz outras intervenções no meu corpo depois, como colocar próteses mamárias, além de retificar todos os meus documentos. Mas o fato é que não basta eu me sentir mulher apenas para mim mesma — é claro que isso deve ser o motivo número um, mas a gente coexiste no mundo.
A gente se relaciona com as outras pessoas, a gente trabalha e estuda. E como as outras pessoas nos veem é muito importante nesse processo. Aliás, no trabalho, isso já foi um fator impeditivo, por mais que tivesse capacidade e habilidade para exercê-lo.

Quando coloco desta forma, fica parecendo que é uma questão apenas estética. Mas isso vai além, é uma questão também estrutural. Tenho um conjunto de características físicas que me colocam em lugar de estereótipo, que pode me trazer situações de violências.
Hoje, isso pode ter diminuído um pouco, mas, por exemplo, quando vou em um banheiro público, tenho medo de sofrer violência, de não ter o direito de usar esse espaço. Várias oportunidades de trabalho já me foram negadas pela minha identidade de gênero. E tem ainda as relações de afeto, para além da família. Uma pessoa que se relaciona com um homem ou mulher trans pode sentir essa violência também.
Então, o que me motivou a fazer a cirurgia vem deste lugar, de como eu sou vista socialmente. Não basta só eu me reconhecer neste lugar de mulher, repito. Preciso que as pessoas também me reconheçam como tal.
'Só quero me proteger da violência'

Por isso que falamos que a 'passabilidade', que é quando uma pessoa trans 'se passa' por uma pessoa cis [que se identifica com o próprio gênero], dizemos que é 'bom', entre muitas aspas. Ser lido como cis evita desconfiança de outras pessoas. Você sai e entra de qualquer ambiente tranquilamente, sem correr riscos.
Por outro lado, você esconde quem é você, e eu tenho muito orgulho da minha história. Eu não quero esconder isso de ninguém. Só quero me proteger da violência que sofro todo dia e de todas as formas que acontecem — tanto as que são veladas, indiretas.
Sou super resolvida comigo mesma, mas preciso coexistir, porque não estou sozinha no mundo. Já tive muitas perdas na minha vida enquanto mulher trans.
Não quero ter mais perdas, se posso evitá-las. E veja: não é algo que vá mudar a minha identidade — é algo que vai favorecer que eu a viva com mais plenitude".
Entenda cirurgia de feminização facial
É um conjunto de procedimentos para suavizar as características faciais de mulheres trans. Técnicas podem projetar as maçãs do rosto e os lábios, suavizar o contorno da testa e das têmporas, alterar a projeção e o contorno do nariz, até a reduzir o pomo de adão —cartilagem tireóidea acentuada—, no caso das mulheres trans que desejam suavizar os contornos masculinos.
Para feminização, existem diversas cirurgias disponíveis. Lista envolve reconstrução fronto-orbitária (mudança na testa, aplainamento ósseo, com placas e parafusos de titânio), recontorno mandibular (apagamento do ângulo mandibular), mentoplastia (redução ou avanço do queixo); redução do pomo de adão e rinoplastia.
No caso de cirurgia de masculinização, ou seja, para homens trans, há outros procedimentos. É possível fazer alargamento do ângulo mandibular, aumento de maçãs do rosto, alinhado com o ângulo mandibular; mentoplastia (avanço ou redução com o queixo largo entre 3,5 cm a 4,5 cm), microtransplante capilar, rinoplastia, entre outros.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.