Atriz de Vale Tudo: 'Gastamos tempo falando e sofrendo com envelhecimento'

Conversar com a Malu Galli, 53, é como bater um papo com aquela amiga mais velha. É para prestar atenção e ouvir com tranquilidade suas experiências - e apelo.

A atriz com 35 anos de carreira começou no teatro e construiu uma longa trajetória nos palcos antes de chegar às telas, somente aos 36 anos.

Entre comerciais dirigidos por Walter Salles, Fernando Meirelles e Andrucha Waddington quando era mais jovem, ela casou (está com seu marido, Afonso Tostes, há 25 anos), teve um filho (Luiz, 23) e agora integra o elenco de "Vale Tudo" - sem dar bola para haters e sabendo exatamente do que é capaz.

UNIVERSA: Malu, você deslanchou na TV só depois dos 35 anos. Se considera uma inspiração para aqueles que buscam um destaque na carreira de ator?
Malu Galli:
Parece que, na vida do ator, dar certo é só quando se faz TV. Não acho isso. Eu já tinha 'dado certo' e vivido experiências maravilhosas no teatro e no cinema.

A fama da TV dá a impressão do sucesso. Como artista, você precisa ter vontade de realizar boas obras, não de só estar na televisão.

Malu Galli sobre criação anti-machista: 'Mãe de homem trabalha até morrer'
Malu Galli sobre criação anti-machista: 'Mãe de homem trabalha até morrer' Imagem: Chico Cerchiaro

Você não se considera um exemplo, então?
Bom, eu fico imaginando uma pessoa do interior do país, que não teve acesso a tudo o que eu tinha. Sou privilegiada, nascida na zona sul do Rio de Janeiro, branca, de classe média. Para ser artista é preciso persistência e as histórias são diferentes. Tem aqueles, que só com um teste, conseguem ser protagonistas. Mas é raro. Ser ator é uma construção. Tem quem tem talento, mas não tem vocação para esperar, fazer testes, ficar na fila, ter retornos negativos?

Algumas pessoas podem me considerar um exemplo de persistência, mas não vejo assim. Tem muitas histórias mais difíceis do que a minha.

Quando entrou na TV já não era mais novinha. Tinha a pressão da imagem e do etarismo na época?
Não, essa pressão piorou mais nos últimos tempos. A gente nem falava a palavra colágeno, por exemplo. Aos 36, me achava jovem. Essa preocupação começou só com os 40 e muitos, que é quando começam realmente a aparecer mudanças no rosto.

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Nos tornamos presas fáceis do mercado de cosméticos. Tem mulher que gasta mais de 30% do salário com isso. É impressionante como nós gastamos tempo falando, pensando e sofrendo com o envelhecimento. Precisamos analisar isso em algum momento.

Você é mãe de um homem de 23 anos. Quando começou educá-lo não éramos letrados no anti-machismo, no feminismo, no combate a homofobia. Como foi educar para você?
Tenho muito foco nisso. Desde pequeno o universo masculino é complicado. Na escola, os xingamentos são 'mulherzinha', 'viadinho'. A criança chega em casa reproduzindo e você tem que ter muita atenção e sinalizar todas às vezes que é errado.

É cansativo ficar 'Viadinho é xingamento por quê? Lembra de fulano e beltrano, você não gosta deles? Por que está falando isso?' ou 'Por que mulherzinha é xingamento? Por que estão se chamando assim?'.

E toda vez é preciso explicar. É uma construção. Parece que tudo caminha para que filhos homens sejam machistas, a sociedade trabalha fortemente para isso.

Por mais que a gente converse, o machismo estrutural existe. É um trabalho constante. Meu filho ainda mora comigo e conversamos o tempo todo. Por mais que ache que está sedimentado, às vezes, rola uns comentários que você nem acredita. Mãe de filho homem vai trabalhar até morrer.

Malu, você trabalhou com Walter Salles fazendo um comercial de cigarro em uma época que era legal fumar. Trinta anos depois, ele ganhou um Oscar. Você lembra como foi essa experiência?
Esse trabalho foi fundamental na minha vida. Propaganda de cigarro era o grande lance da época. Quem fazia era visto como descolado entre os atores.

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Quando fiz, o vídeo era dirigido pelo Waltinho, o Andrucha [marido da Fernanda Torres] era o assistente e tinha também a Daniela Thomas. Eles eram expoentes na época da publicidade e depois foram para os cinemas.

O cachê era em dólar. Saí de casa com a grana, porque consegui mobiliar meu apartamento. Vivi 10 anos de fazer comercial, trabalhei com os melhores, como Fernando Meirelles, Murilo Sales, muita gente interessante.

Malu Galli está no elenco de Vale Tudo
Malu Galli está no elenco de Vale Tudo Imagem: Chico Cerchiaro

E tem alguma história de bastidor que te marcou nesse comercial com o Walter Sales?
Eu tinha que fumar durante a gravação. A cada take acendia um novo cigarro. Eu nem sei quantos cigarros fumei, mas foram muitos. Comecei a passar mal e me desesperei, porque não podia dar errado. Não podia parar a gravação. E eu era fumante. Aí consegui me controlar, tomar água e foi passando o mal-estar.

Você está no elenco de "Vale Tudo", que talvez seja o remake de novela mais esperado da TV. Ficou tensa pensando na reação dos fãs?
Acredito que estou em uma posição confortável, porque a minha personagem é muito querida. Acredito que a maioria das críticas sobre os remakes feitas na internet são infundadas. Não quer dizer que estou fazendo um trabalho perfeito, ele tem defeitos, mas é criticável por quem é entendido do assunto. Na internet, tem adolescente de 15 anos querendo ganhar likes e lacrar, fazendo comentários agressivos e desrespeitosos.

Quando você se vê, está derramando lágrimas por conta de um perfil de 10 seguidores. As pessoas perderam o pudor e falam o que vêm à cabeça. Não há mais noção e respeito com o trabalho dos outros. Artistas trabalham - e crescem - com críticas. Quando elas são feitas com respeito.

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Malu, você é praticante do candomblé. A morte do Papa está movimentando o mundo todo, se tornando o centro das notícias. Enquanto a sua religião é sempre marginalizada e vítima de preconceito. Como você vê essa diferença de abordagem?
O catolicismo é uma religião com muitos praticantes no mundo e a igreja católica tem um grande poder político e financeiro. Acho natural essa cobertura. O Papa é um grande líder, tem uma posição geopolítica estratégica. Hoje em dia, não sei até que ponto ele é capaz de transformar a sociedade com seus posicionamentos.

Mas isso já aconteceu. Já a minha religião, que tem matriz africana, é uma luta constante contra a demonização. E isso tem um nome: racismo. É porque é religião de pretos, de escravizados, que mantiveram suas culturas vivas às escondidas. É muito nocivo que outros líderes religiosos preguem o ódio contra nós.

Faço um apelo para os artistas, intelectuais, pessoas com visibilidade, que frequentam essas religiões, que se manifestem a favor delas. É importante sairmos dos guetos. As pessoas têm que entender que essa é uma religião brasileira que tem que ser respeitada, não tolerada.

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