Modelo é assediada por homem durante viagem: 'Dormi e sofri assédio sexual'
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Uma viagem de ônibus entre São Paulo e Rio de Janeiro, na noite da última terça-feira, se tornou pesadelo para a modelo e estudante de psicologia Raquel Possu, 25, que realiza o trajeto frequentemente a trabalho. Ela foi assediada sexualmente pelo passageiro sentado ao lado.
"Acabei cometendo o erro de cair no sono e sofri assédio sexual. Acordei com ele pegando na minha perna. Quando abri os olhos, assustada, ele estava com o pênis todo de fora e depois colocou dentro da calça", relata Raquel em vídeo publicado nas redes sociais. A postagem viralizou.
O ônibus, da empresa Nova Itapemirim, estava a aproximadamente duas horas e meia do destino final, ainda no estado de São Paulo, quando Raquel foi importunada sexualmente por um homem de 33 anos. Ela não gritou. Assustada e em choque, deixou o assento e se direcionou à saída do ônibus, que estava prestes a estacionar em um ponto de parada. A modelo procurou o motorista e relatou o que aconteceu. A esperança era que fosse tomada alguma atitude, mas sem sucesso.
Parecia que ele (o motorista) estava o tempo todo preocupado em se livrar do problema, e chegar no horário dele em casa, do que realmente me ajudar. Ele não demonstrou nenhuma preocupação. Me deu duas alternativas, torcendo para que eu só dissesse que queria mudar de lugar. Primeiro falou: 'Tem banco vazio embaixo', e, depois, pela minha expressão, perguntou se queria fazer a denúncia, mas essa não era a primeira opção para ele.
Raquel Possu, modelo e estudante de psicologia
O motorista a orientou a comunicar a ocorrência ao gerente do estabelecimento comercial, no ponto de parada. O funcionário do lugar apontou para policiais que estavam no local. A modelo relatou aos agentes o ocorrido.
"Eles falaram para indicar o cara, e eu falei que sentaria no mesmo lugar para eles saberem quem era. Falaram para eu dispersar para que o cara não soubesse que eu tinha falado com a polícia. Voltei e sentei no mesmo assento que estava, e o cara lá, confortavelmente, sem nenhum constrangimento", disse Raquel.
Minutos depois, o motorista se aproxima do assento da passageira e pede para ela descer. "Me chamou discretamente, achei que era para não me constranger, que me mudaria de lugar e que os policiais estavam subindo. Quando já estava lá embaixo, ele falou que os policiais tiveram outra emergência e que eles não iriam vir. Detalhe, ainda virou para mim e disse: ele tem cara de pervertido mesmo".
A modelo insiste com o motorista que quer ter acesso às imagens das câmeras do ônibus, mas sem retorno. A viagem continua, mas Raquel segue impotente e invisível.
A menina que estava sentada ao lado falou que eu não deveria ter escolhido a cadeira da janela. Será que realmente o que tenho que pensar agora é o que tinha que fazer diferente, enquanto um assediador está seguindo viagem com a gente aqui?.
Ônibus interceptado
Raquel decide buscar auxílio externo. Entra em contato com um amigo e pede apoio para interceptar o ônibus assim que o coletivo chegasse ao Rio, por volta das 23h30.
"Pedi para ele ligar para a polícia ou tentar ir direto para a rodoviária buscar algum policial lá para interceptar o ônibus assim que chegássemos. Ele, com alguma dificuldade, conseguiu que os policiais se disponibilizassem para ir com a viatura lá", relata.
Enquanto isso, no ônibus, Raquel tentava se comunicar com o motorista, via interfone, que estava quebrado. "Eu queria ser a primeira a descer para ver todos e identificar o assediador para entregar à polícia, mas não consegui contato. Fiquei sentada na porta até que fosse aberta".
Ao chegar ao Rio, Raquel disse que o ônibus foi interceptado e os policiais conduziram o assediador para a 4ª Delegacia de Polícia, no Centro. Ela e o amigo seguiram com um carro de aplicativo.
Assim que cheguei, estava a delegada, o assediador e os três policiais. Ali já me falaram para começar o depoimento, de frente para o assediador, e só depois dele me interromper, notaram o absurdo que era me expor a mais essa situação. Então, colocaram um balcão na recepção a poucos metros de distância do assediador, e sem privacidade ou cuidado com os meus dados pessoais, dei meu depoimento. Mas não deu em nada. Terminei o boletim de ocorrência, voltei com papel para casa e o assediador saiu pela porta da frente.
A modelo reforça que foi alertada na delegacia sobre as falhas no protocolo de atendimento à vítima, por parte do motorista. "Foi no estado de São Paulo, e isso foi uma das coisas que, segundo a delegada, complicava, pois o motorista deveria ter parado no primeiro DP que tivesse achado pelo caminho ou no primeiro posto policial, porque teria sido mais fácil se tivesse sido flagrante ou na cidade onde ocorreu".
Repercussão e acolhimento
Após publicar o relato nas redes sociais, Raquel recebeu a mensagem de uma pessoa que se identificou como representante do setor de marketing da empresa de ônibus Nova Itapemirim. Esse teria sido o único contato feito com a passageira pela companhia, que postou comunicado nas redes sociais, mas logo apagou. A modelo espera que a visibilidade do caso possa dar voz às mulheres vítimas de assédio sexual. Ela tem recebido muitas mensagens de identificação e acolhimento.
Não consigo dizer qual foi a maior violência, se foi o assédio que passei no ônibus ou se foram as negligências. Não esperava que numa situação onde tinham câmeras, outras pessoas, policiais, motorista, onde busquei ajuda, o criminoso estava ali, eu não ter nenhum amparo. Nenhuma mulher deveria ser tão forte para passar por isso sozinha, porque tem um protocolo a ser seguido, tem leis que deveriam nos proteger.
Recebi comentários de mulheres falando que passaram por algo assim e não tiveram reação, que preferiram fingir que nada tinha acontecido. Mas quando a gente denuncia, está protegendo outras mulheres. Me sinto menos sozinha depois de compartilhar minha história. Desejo muita força e coragem para mulheres que venham passar por algo semelhante.
Justiça
A repercussão do caso chamou atenção do advogado criminalista Pedro Henrique Teleforo, que entrou em contato com Raquel e ofereceu apoio. A modelo ingressará com ação contra a empresa de ônibus.
Me causou indignação muito grande não só o ato deplorável sofrido por ela, mas a conduta da empresa com a falta de procedimento adequado e de segurança em relação à vítima. Me solidarizei para prestar todo o meu apoio jurídico, sem custo algum, apenas com fim de ajudar. A sociedade como um todo deve se mover em prol da vítima para fazer com que cesse situações como essa que, infelizmente, se tornaram muito corriqueiras.Pedro
Henrique Teleforo, advogado criminalista
O criminalista detalha os próximos passos do caso. "Infelizmente não houve a prisão em flagrante, mas haverá investigação criminal a fim de apurar os fatos e conseguir a condenação do investigado através do processo criminal. Junto a isso também é necessário apurar a responsabilidade da empresa. Se a Raquel não tivesse tido a atitude inteligentíssima de solicitar ajuda de um amigo para conduzir a polícia até o destino final do ônibus, o assediador sequer teria sido conduzido à delegacia".
Procedimento
Segundo Renata Furbino, advogada e professora de Direito Criminal, não há protocolo legal ou lei que regulamente o que deve ser feito em casos de importunação sexual em transporte coletivo.
"Importante esclarecer que se trata de uma situação em flagrante. O motorista deveria interromper imediatamente a viagem, acionar as autoridades policiais, o 190, ou a guarda civil da cidade e preservar a segurança da vítima, bem como manter o suposto autor do crime no local para que se leve posteriormente à delegacia para atuação do auto de prisão em flagrante delito. É muito importante não desqualificar a palavra da vítima e tão pouco revitimizá-la, principalmente pela gravidade do fato", destaca.
Procurada, a Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que "o caso foi registrado na 4ª DP (Presidente Vargas). Diligências estão em andamento para esclarecer as circunstâncias do fato." Universa também entrou em contato com a assessoria da empresa Nova Itapemirim, mas não obteve retorno até o momento. O espaço segue aberto.
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