'Já precisei abrir rímel com os dentes': com AME, ela posta vídeos de make

Marina Melo, 21, podia ser só mais uma dos milhares de influenciadores de beleza na internet, mas ela tem um diferencial. Ela tem AME (atrofia muscular espinhal) e o ato de se maquiar é desafiador por causa da fraqueza nas mãos e do movimento limitado dos braços. A AME é uma doença rara, genética e sem cura que afeta os neurônios motores.

"Passei minha infância e adolescência vendo vídeos de maquiagem no YouTube. Brincava que era uma das blogueiras com uma câmera emprestada da minha mãe. Nunca fingi ser médica ou professora", conta a Universa. Foi só durante a pandemia, em 2021, que Mari se colocou em frente ao celular pela primeira vez.

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Na internet, ela começou a ver mais pessoas PCDs vivendo experiências que não imaginava ser possível. "Eu pensava: 'Nossa, existem pessoas como eu. Tem uma moça de 24 anos trabalhando, outra menina ali morando sozinha. Sou a única pessoa com deficiência do meu ciclo, então cresci com uma mentalidade de quem não tem deficiência. Foi uma descoberta", explicou.

Com olhos abertos para uma nova realidade, ela escolheu um nicho: a maquiagem.

Oportunidades (não!) iguais

Para Mari, o grande desafio do mundo da beleza são as embalagens
Para Mari, o grande desafio do mundo da beleza são as embalagens Imagem: Acervo pessoal

Mari chamou atenção com suas habilidades. Já começou craque e não à toa: estava colocando em prática tudo o que tinha aprendido no YouTube. "Prestei muita atenção. Chegava a dormir assistindo os criadores de conteúdo de maquiagem. Acho que absorvi o conhecimento dessa forma", conta.

Mas existia uma limitação: as embalagens. "Durante o processo, percebi que não conseguia usar muita coisa."

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Devido a AME, que causa fraqueza muscular, ela não conseguia manusear algumas embalagens. Bisnagas moles, aplicadores sem textura que ajudam na hora no manuseio, embalagens com pump: tudo poderia ser um problema. Foi por isso que, além de dar dicas de makes, Mari passou a comentar sobre a acessibilidade dos produtos.

Percebi que alguns eu não conseguia usar porque eram difíceis de abrir. Às vezes, minha avó e minha tia me ajudavam. Fiquei com isso na cabeça. Comprava e descobria que as outras influencers conseguiam usar, eu não. Marina Melo

Luta por inclusão

Para entender o quanto de força Marina tem nas mãos, ela pede que a gente simule abrir qualquer embalagem usando apenas a pontinhas dos dedos. "Começou a me incomodar ter que escolher qual marca eu poderia usar por causa dos aplicadores. Nem sabia se funcionaria em mim", afirma.

Ela via os influenciadores falarem, comprava e se frustrava. "Não sabia que não era acessível. Fui aprendendo aos poucos a identificar o que conseguia usar, o que fez muita diferença", diz. Ao ser convidada para ser jurada de um prêmio de beleza, em que teve contato com centenas de produtos, esse conhecimento aumentou.

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Marina Melo se tornou uma referência no mundo da beleza
Marina Melo se tornou uma referência no mundo da beleza Imagem: Acervo pessoal

"Decidi colocar a acessibilidade como critério." Conversando com outras pessoas com deficiência, ela mesma começou a desenvolver um estudo que avaliava a maneira com que os cosméticos são apresentados. Não demorou muito começou a prestar consultoria para marcas. "Falei o que ninguém tinha coragem".

Para a influencer, o item mais difícil de usar é a base, que são em bisnaga ou pump. "Consigo apertar poucas bisnagas, porque o plástico é muito mole. Outras, muito duro", diz. Além disso, o movimento que o produto exige das mãos para ser aplicado também é complicado para Marina.

"Uso pincel e, às vezes, é difícil achar um que alcance todo o meu rosto. Sem contar que os movimentos são grandes, me cansa muito."

A Make B, de O Boticário, tem uma linha de pincéis que são articulados e acessíveis, o que ajudou Mari na aplicação da base.

"Uso o modelo de pincel de base até para fazer skincare. Foi a primeira vez na minha vida que consegui passar os meus produtos de rosto sozinha. Esse é o tamanho do impacto de algo simples, como um pincel que é articulado, na vida de quem tem deficiência", fala ao mostrar sua coleção.

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Entre os produtos que acredita ser mais fácil de aplicar esta a máscara para cílios. "Mas já viralizou vídeo meu puxando com os dentes o aplicador porque estava duro demais", conta.

Hoje, com 350 mil seguidores nas redes Mari se tornou uma inspiração.

Sei que o que estou fazendo gera impacto, mas se tivermos mais mulheres, isso será ainda maior. Fui uma das primeiras criadoras de conteúdo no Brasil nessa luta, mas quero que o número seja incontável de mulheres PCDs falando de maquiagem. Marina Melo

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