'Lucrando com nossos corpos': mulheres cis fingem ser trans nas redes

Mulheres cisgênero têm fingido ser transsexuais em plataformas de conteúdo — a maioria adulto — para lucrar. Esta prática é definida como uma forma de transfishing — o termo vem de "catfishing", que é o ato de se passar por alguém que não é, especialmente em aplicativos e plataformas de relacionamento.

A denúncia foi feita em 2024 pela colunista do jornal Metro britânico, Ugla Stefanía Kristjönudóttir Jónsdóttir, que diz ter identificado em plataformas como o X (antigo Twitter) e o OnlyFans a tendência crescente de criadoras que inserem dildos na lingerie para mimetizar a aparência de uma mulher trans com pênis. Em alguns casos, de acordo com Ugla, as usuárias utilizam bandeiras trans em seus perfis, sinalizando a identidade de gênero.

"Vou ser honesta, minha primeira reação foi de uma confusão, como sei por experiência própria a quantidade de abuso que mulheres trans sofrem online. Apesar de saber que criadores de conteúdo trans existem, sei que eles também recebem muito ódio. Não conseguiria imaginar que um vídeo [de pessoas realmente trans] dançando em suas calcinhas com uma protuberância visível geraria tantos comentários gentis", escreveu.

O debate em torno da questão ganhou força no último ano depois que a influenciadora @manic.pixietransgirl se apresentou aos seus 32,7 mil seguidores como mulher cis e trans em diferentes publicações. Sua resposta, após um artigo da revista semanal britânica The Spectator que a acusava de transfishing, foi ainda mais vaga.

Sou cis ou tudo isso é uma piada? Vou deixar nas mãos do público. A imaginação é uma coisa muito espetacular e quero deixar aberta a interpretação, e você pode construir sua própria narrativa. @manic.pixietransgirl

Já Ugla ainda aponta que, além de não estarem expostas ao mesmo tipo de discurso violento a que mulheres trans geralmente estão nas redes, as mulheres cis que praticam o transfishing não ganham apenas influência, mas capitalizam em cima da controvérsia que estas publicações geram, seja indiretamente através do crescimento do perfil ou diretamente através da venda do conteúdo.

Acontece que, engajamento vindo daqueles que estão interessados em pornô trans ou conteúdo erótico é muito mais popular do que as pessoas podem imaginar — em 2022, um relatório do PornHub mostrou que as pesquisas por pornô trans haviam aumentado 75%. É por isso que é incrivelmente desrespeitoso e frustrante vê-las lucrando com os nossos corpos e vidas sem levantar um dedo para realmente nos ajudar e lutar pelos nossos direitos. Ugla Stefanía Kristjönudóttir Jónsdóttir

A colunista ainda acredita que o sucesso financeiro deste tipo de influenciadora pode estar ligado à vergonha que alguns homens sentem de admitirem atração por mulheres trans. "A realidade é que muitos homens fantasiam transar com uma mulher 'com seios e pênis' e, por isso, nos veem como objetos sexuais. Muitas vezes, esses homens nunca seriam vistos conosco em público e até expressam opiniões transfóbicas no seu dia a dia e online", diz.

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"Em uma sociedade que está constantemente pintando pessoas trans como um objeto de nojo e ridículo, para aqueles que se sentem atraídos por pessoas trans, isso pode gerar muita vergonha. E apesar de estarmos vivendo em tempos em que os direitos trans estão sob constante ataque por políticos e movimentos anti-trans, as pessoas trans nunca foram tão procuradas e 'curtidas'. Acho que o transfishing é o resultado direto disso."

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