82% dos pais desejam uma licença-paternidade estendida: 'Aprender a cuidar'

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A paternidade tem ganhado novos contornos no cenário atual, à medida que homens assumem o papel que lhes cabe: ativo e conectado no cuidado e na educação dos filhos.
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A pesquisa Radar da Parentalidade 2024, desenvolvida pela consultoria Filhos no Currículo e Talenses Group, em parceria com Movimento Mulher 360, reforça a importância de iniciativas que promovam a paternidade ativa. Essa paternidade que a gente até coloca nomes como 'presente', 'ativa' ou 'conectada', nada mais é do que a paternidade e ponto final.
Segundo o estudo, 82% dos pais desejam uma licença-paternidade estendida, e 91% acreditam que esse benefício os ajudaria a desempenhar um papel mais protagonista na criação dos filhos. Além disso, a licença estendida é um fator relevante na escolha de emprego para 69% dos entrevistados.
"Empresas que promovem políticas parentais igualitárias, como horários flexíveis, trabalho remoto e programas de apoio, não só atraem talentos, mas também criam um ambiente mais inclusivo e saudável para todos os colaboradores", completa Vinícius Bretz, CEO interino da Filhos no Currículo (enquanto a CEO está de licença-maternidade).
"A licença hoje é menor que o carnaval. É um reflexo de como nossa sociedade ainda considera o papel do pai como secundário. Precisamos de políticas que promovam a equidade e incentivem os pais a assumirem responsabilidades de cuidado desde os primeiros dias," completa Marlon Camacho, educador parental.
Somos uma sociedade que naturaliza o abandono paterno, tem uma quantidade imensa de crianças registradas sem o nome do pai na certidão, adolescentes sem contato com o pai mesmo morando na mesma casa, e uma visão de que o pai ajuda, mas não é o responsável. O homem não perde o acesso ao mercado de trabalho e não perde nem relações por ter praticado abandono parental. As mulheres, além de não terem essa opção, são massacradas pela sociedade, para que façam tudo pelas crianças.Marlon Camacho, educador parental
Cuidador principal dos filhos
Marlon Camacho, 40, é pai de Joaquim, 12, e Antônio, 5, e reflete sobre os desafios, aprendizados e mudanças sociais que a paternidade presente representa, tanto em sua vida pessoal quanto na construção de um novo modelo de masculinidade para a sociedade.
Marlon decidiu assumir o papel de 'cuidador principal' de Joaquim enquanto sua parceira enfrentava a rotina exaustiva de residência médica e trabalho. Após o período tradicional de licença-paternidade, ele conseguiu emendar as férias e assumiu como cuidador principal ao fim da licença-maternidade da esposa.
Foi um período de muita solidão e conflito interno. Eu não tinha referências de outros pais que ocupassem essa posição, não tinha coragem de falar sobre isso porque ninguém falava, e enfrentava pensamentos como 'essa não é minha função' ou 'deveria estar focando na carreira'.Marlon, 40, pai de dois e educador parental

O desafio era desconstruir o que havia assistido homens fazendo a vida toda, inclusive seu pai que, mesmo presente, não assumiu o papel de cuidado, e demonstrava afeto de outras formas. Mas, pouco a pouco, Marlon descobriu o poder da paternidade. "Foi um processo de desconstrução e reconexão comigo mesmo, que me levou à terapia e ao entendimento de que a paternidade pode ser uma experiência de crescimento pessoal".
A vivência teve uma mistura de sentimentos que as mulheres bem conhecem: o cansaço pela demanda diurna e noturna constante ao cuidar de uma criança pequena, e a satisfação em sentar no chão para brincar e receber um abraço, um beijo, um carinho.
Eu não estava exercendo nada além do que uma mãe exerce naturalmente cuidando de uma criança. Mas ter uma visão distorcida de papéis gerou um sofrimento em mim. Precisei me adaptar.Marlon Camacho, 40, pai de dois e educador parental
Ele lembra de momentos que viraram a sua chave. "No primeiro momento longe do meu filho chorei cinco dias de saudade e ele ficou com a mãe chorando também. E ali percebi que a função paterna me ganhou por inteiro. Eu amava ser pai, tinha aprendido a cuidar, demonstrar as emoções, desenvolvi essa habilidade", lembra.
Mudança de carreira com a paternidade
Nesse movimento de ocupar o lugar que poucos pais ocupam com tamanha disponibilidade, Marlon sentiu pulsar a vontade de estudar sobre o assunto. Com a chegada do segundo filho, numa situação mais confortável financeiramente, Marlon decidiu desenvolver sua nova carreira. Porém, algo era inegociável: a nova ocupação viria com horários flexíveis e atuação remota, para que conseguisse conciliar o trabalho e a presença no dia a dia das crianças.
Depois de algumas formações, hoje o pai de Joaquim e Antônio atua como educador parental e palestrante, pela Filhos no Currículo, consultoria de transformação cultural em favor da ideia de que filhos são potência na vida profissional de mães e pais. Entre os tópicos trabalhados por ele estão a presença de figuras masculinas em atividades de cuidado, desenvolvimento de estratégias e ferramentas para educar crianças de forma gentil, e também sobre como a ideia atual do que é ser homem influência em como cada um deles lida consigo mesmo, com suas famílias, e com o trabalho.
Ferramenta de transformação social

A experiência de Marlon ilustra a discrepância nas expectativas e oportunidades entre pais e mães. "Há um tratamento diferenciado. A figura paterna, ao assumir a responsabilidade básica, é enaltecida, enquanto as mães são constantemente criticadas, massacradas, mesmo quando fazem muito mais", analisa.
Marlon acredita que a paternidade é uma oportunidade única para mudar o conceito de masculinidade e criar uma sociedade mais justa e saudável. "Quanto mais homens assumirem um papel ativo no cuidado, mais vamos desconstruir a ideia de que essa é uma habilidade feminina. Isso não só melhora a relação dos pais com os filhos, mas também impacta positivamente as mulheres, que podem investir em suas carreiras sem carregar sozinhas a responsabilidade", defende.
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