Amor materno é narcísico? Ana Suy diz por que projetamos sonhos nos filhos

"Não há amor que não seja narcísico, em alguma medida," diz Ana Suy, psicanalista e escritora. E está tudo bem se a fala exigir um tempo para ser digerida. "Dizer isso pode ser mais polêmico do que dizer que não existe instinto materno", completa Ana. Ô se pode! Afinal, somos todas narcisistas?

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Não, claro que não. Existe uma diferença entre sentir um amor em certo grau narcísico e ser narcisista. É preciso apenas ter consciência de que o que sentimos pelos nossos filhos é, de alguma forma, construído com base no que desejamos. No que espelhamos neles.

amor materno em certa medida narcísico não é a mesma coisa que ser uma mãe narcisista
amor materno em certa medida narcísico não é a mesma coisa que ser uma mãe narcisista Imagem: skynesher/Getty Images

Como fazer quando seu filho não corresponde àquilo que você esperava -seja em termos de comportamento ou habilidades? Como lidar com o fato de que se sua filha está crescendo e se mostrando tão diferente de você? Como é ter sonhado em colocar algumas roupas nela e ela escolher todas as outras? E o que fazer se seu bebê, que mal anda, já demonstra muito mais afeto pelo pai? Onde entra nosso ego nisso tudo?

Lembre-se de que somos seres desejantes: quase sempre projetamos frustrações, traumas e outras tantas coisas nos filhos. Com isso em mente, olhe com carinho para a relação entre a mãe que você é o o filho que você tem. São duas coisas diferentes.

Freud, o criador da psicanálise, diz que o amor dos pais pela criança é, ao mesmo tempo, narcísico e objetal. É objetal no sentido de que os pais entendem que aquela criança é outra pessoa, mas é narcísico porque ela vai ser herdeira de todos os sonhos já abandonados dos pais.Ana Suy, psicanalista e escritora

Na prática, isso quer dizer simplesmente que um filho não deixa de ser uma forma de amar a si mesma através de um outro ser (seu filho). O tal "incondicional" muitas vezes pode ser condicional, e isso acontece quando esperamos que os pequenos correspondam nossas expectativas.

Percebeu que isso está acontecendo de alguma forma? Repense, entenda de onde vem sua frustração, e recomece. Às vezes, o maior desafio em se conectar com seu filho ou filha vem do fato de não conseguir encontrar nele ou nela seu reflexo.

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A dificuldade em se vincular pode ter a ver com a dificuldade que a mãe tem de colocar alguma coisa de si no bebê. Alguém que teve uma história ruim, que foi abandonada na gravidez, por exemplo, e recebe um bebê é a cara do pai? É pesado, né?Ana Suy, psicanalista e escritora

O segredo é lembrar que esse novo ser não é aquele, e também não é você. Ele vai trazer traços de ambos, herdar gostos, gestos, interesses, mas é um ser humano único, terá vontades próprias e vai merecer ser contemplado pelo que é.

Espelho, espelho meu

Ana Suy fala de outro pensador importante para nos ajudar a entender o tema: Winnicott, pediatra e psicanalista inglês influente no campo das teorias das relações objetais e do desenvolvimento psicológico, que traz a ideia de mãe suficientemente boa. Exatamente porque há aspectos na maternidade que não são tão bons - e, segundo Ana, viver a totalidade da experiência é um trabalho de elaborar o luto; você descobre que a mãe que é, quase sempre, não é a que foi idealizada por você mesma. E, da mesma forma, seu filho também não.

Não há mágica. Cada caso é um caso, mas criar vínculo é encontrar pontos de intersecção entre você e essa nova pessoa. "Se vincular a alguém, inclusive a um filho, é também colocar uma aposta de si nele, é de alguma maneira, mesmo que seja especular, se identificar com o outro", diz Ana.

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Dica? Busque admirar as diferenças também. E respeitá-las. Afinal, se não cuidarmos dessa medida natural de amor narcísico dentro das relações parentais, o tal amor materno que é frequentemente associado a um cuidado incondicional e altruísta, pode assumir características narcisistas em uma maior e nada saudável escala.

Como seria isso? Imagine uma rotina familiar onde as necessidades emocionais da mãe, da figura parental principal ou do pai, prevalecem sobre as do filho. Essa dinâmica passa do nível "esperado" (que é possível de se lidar e não traz consequências sérias) para um nível patológico, que traz consequências no desenvolvimento emocional e psicológico da criança.

É preciso respeitar a individualidade do seu filho
É preciso respeitar a individualidade do seu filho Imagem: iStock

A psicanalista qu explica constantemente em suas redes sociais que "instinto materno não existe", se baseia em uma ideia já trazida há décadas pela teoria psicanalítica e por pensadores como Freud e Winnicott, e ela é simples: Não há instinto na vida humana que vá garantir alguma coisa, e sim pulsões - que são o equivalente.

Isto é, se na vida animal os animais fazem o que for preciso para sobreviver (sem reflexão, angústia ou ambivalência), na vida humana isso não acontece, nós pensamos, refletimos, escrevemos livros, para entender nossas ações.

Partindo dessa ideia, é de se esperar que precisamos refletir, pensar, dialogar, fazer terapia ou buscar formas de lidar com as projeções que lançamos sobre nossas crianças.

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Veja como fazer para evitar os efeitos negativos da projeção nos filhos:

  • Autorreflexão: reconheça e compreenda as próprias expectativas e emoções, separando em sua mente o que é seu desejo e o que é do seu filho;
  • Individualidade: agora é hora de respeitar e aceitar os interesses, habilidades e desejos do seu filho, que precisa desenvolver a própria identidade;
  • Comunicação: a criança vai crescendo e o diálogo ganhando espaço - tenha conversas honestas e empáticas, encorajando seu filho a expressar sentimentos e opiniões sem medo;
  • Flexibilidade: estar disposta(o) a ajustar expectativas para apoiar seu filho nas escolhas dele, mesmo que sejam opostas aos desejos dos pais.

Será mesmo que estou sendo narcisista?

Quem pode responder isso é você - quase sempre, com ajuda de terapia. É possível se auto observar, com ajuda dos tópicos acima. Recapitulando que uma mãe com traços narcisistas tende a ver o filho como uma extensão de si, como alguém que veio para satisfazer suas próprias necessidades emocionais.

Pense que o amor narcísico é uma forma de amar em que o indivíduo se apaixona por sua própria imagem idealizada, ou seja, por aquilo que ele é, foi, gostaria de ser. Está difícil desassociar o comportamento do seu filho do que você enxerga no pai e não gosta? Sente-se frustrada além do que pode suportar ao ver sua filha gostar de coisas completamente diferentes do que você gosta? Busque ajuda profissional. Afinal, o narcisismo é um transtorno de personalidade.

Mas sem pânico, pois há grandes chances de você ser uma mãe como outra qualquer, que experimenta o amor em certa dose narcísico - como falado no começo dessa reportagem. "Não é por acaso que a gente se realiza tanto pelas realizações dos filhos, ou ama as pessoas que amam nossos filhos, é a parte do nosso narcisismo que fica exposto fora do corpo", explica Ana Suy.

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Veja agora alguns comportamentos que podem te ajudar a perceber se passou do limite:

  • É difícil sentir empatia, reconhecer ou responder às necessidades e sentimentos do filho. É como se as suas emoções fossem mais importantes que as dele, e você tende a lutar por elas.
  • Já se pegou usando táticas como chantagem emocional para controlar o comportamento do seu filho? Fazendo ele se sentir culpado por algo que na verdade é apenas o seu desejo?
  • Costuma sentir uma certa competitividade com a criança, quase vendo ela como um rival, especialmente em áreas onde ele possa se destacar? Isso te leva a desvalorizar o que ela faz?

É importante ter consciência de que crescer sob a influência de uma mãe narcisista pode gerar diversas dificuldades emocionais e relacionais na criança. Entre elas, baixa autoestima, sentimento de inadequação, confusão em entender e aceitar a própria identidade, dificuldade em validar seus próprios desejos e necessidades, problemas para estabelecer vínculos saudáveis.

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