Como é adotar um filho? 'Ver foto dele pela 1ª vez foi como ver ultrassom'

A psicóloga Rosane Pafaro e o técnico em eletrônica Dirceu Martareli encontraram na adoção a forma de construir a família que tanto sonharam. Ela, que já havia sido casada e não engravidado, sentia vontade de adotar - mesmo que sozinha. "Eu queria adotar. Disse que se ele quisesse ter filho biológico não seria comigo, mesmo que eu não tivesse nenhum problema", conta Rosane.

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Para sua surpresa, o marido tinha o mesmo desejo, e ambos tinham a adoção como primeira opção para ter filhos. E, em 2020, deram início ao processo logo após o casamento.

No dia 25 de maio a gente fez o preenchimento do pedido para adoção e é como se tivesse sido a data de quando a gente falou um para o outro 'vamos engravidar'. Depois, descobri que é o Dia Nacional da Adoção. Rosane Pafaro, psicóloga e mãe

Processo de adoção: 'É preciso estar preparado'

A jornada incluiu entrevista com assistente social, psicóloga, psiquiatra, e uma certa ansiedade - que surgiu depois de seis meses de espera, e principalmente em Rosane. Por ser seis anos mais velha que Dirceu, ela começou a ter receio de ser mãe muito mais para frente, e queria que seu filho ou filha chegasse logo, o que a fez cogitar aumentar o limite de idade da criança.

No início, o perfil desejado pelo casal era amplo: poderia ser de qualquer estado do Brasil, de até seis anos de idade, e inclusive poderiam ser irmãos (até dois), de qualquer gênero ou cor de pele. Mas, com o passar do tempo e orientações recebidas, Rosane e Dirceu entenderam a complexidade envolvida no processo.

"As crianças vêm com histórias e traumas. Imagine ter duas crianças de uma vez com essa bagagem, é preciso estar preparado para isso", explica. O cuidado, como ela mesma esclarece, não é com o casal em si, mas com as crianças, que merecem o melhor de sua família. Por isso, em 2022, eles ajustaram o perfil para uma única criança, de até oito anos.

Registro de Rosane e Dirceu vendo a foto da criança pela primeira vez em entrevista online
Registro de Rosane e Dirceu vendo a foto da criança pela primeira vez em entrevista online Imagem: Arquivo Pessoal

A espera terminou em 2023, quando receberam a notícia de que R. (cujo nome será preservado na reportagem), de sete anos, estava aguardando uma família.

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Quando vimos a foto dele pela primeira vez, foi como descobrir em um ultrassom que estávamos grávidos de um menino. Rosane Pafaro, psicóloga e mãe

Os encontros iniciais foram cuidadosamente planejados, conforme regras e orientações da Vara da Infância. "Escrevemos uma carta com a nossa foto, do gato e do cachorro, apresentando a família. Quando soubemos que ele gostou, fizemos encontros na própria Vara e dois passeios de meio período no parque."

A cada encontro, um relatório era feito para entender se o casal havia gostado e, especialmente, o que o garoto tinha achado. "Acho muito correto que a ideia não é encontrar uma criança para a família, e sim, uma família para a criança", pontua a mãe.

Para Dirceu, a emoção era grande. "Não conseguia pensar em algo que não fosse estar com ele, na nossa família e no que viria pela frente, como se fosse possível prever isso. A única previsão que bateu é que seríamos uma família maravilhosa, feliz, embasada na verdade, no amor e na comunicação", lembra o pai.

Os primeiros contatos culminaram em um final de semana inesquecível. "Ele adorou, e foi quando percebemos que ele já era parte da nossa família", diz Rosane. Foram três dias chuvosos, almoçando e brincando juntos, da forma mais real possível: a ideia e a recomendação eram fazer coisas que o casal costuma de fato fazer, e não proporcionar algo fantasioso - para que o menino pudesse entender como seria sua vida.

Rotina em família: 'nós três, o gato e o cachorro'

Rosane, Dirceu e R., em um dos momentos juntos - o rosto do menino é preservado por ainda estarem à espera da finalização do processo de adoção
Rosane, Dirceu e R., em um dos momentos juntos - o rosto do menino é preservado por ainda estarem à espera da finalização do processo de adoção Imagem: Arquivo Pessoal
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O dia da chegada do menino foi uma festa particular. "Pensei em comemorar com mais familiares, mas entendemos que era nosso momento e fizemos algo muito mais íntimo para nós três, para ele saber o que era a família dele: nós, o gato e o cachorro."

Rosane age como qualquer outra mulher que sonhou em ter filhos; preocupada e carinhosa. "Para mim ele sempre foi meu filho. Penso nele o tempo todo. Se estou no mercado penso no que ele quer comer, se estou trabalhando penso nele. Hoje tem festa do sorvete na escola, penso se ele está aproveitando", detalha.

Outro dia, a professora pediu que as crianças levassem fotos de quando eram bebês, de aniversários e outros momentos especiais em família, para um projeto de cápsula do tempo - e Rosane não só ficou estarrecida, como deu um jeito de que seu filho não se sentisse mal. "Fiquei muito brava, não sabia o que ia fazer, mas consegui algumas fotos para ele ter", lembra.

Dirceu conta que tem sido maravilhoso ser pai, e também muito desafiador. "Nosso filho é incrível, amoroso, educado, e tem ensinado muito também, até me ajudado a lidar com traumas da minha infância que eu nem imaginava que existiam."

Ele tem meu jeito, é sarrista como eu, imita as pessoas, faz caras e bocas. Ele tinha dificuldade de falar quando chegou, mas encontrou sua família e se identifica com a gente. Me sinto tão empoderada sendo mãe, é muito louco. Rosane Páfaro, psicóloga e mãe

Construções importantes na adoção

"Algo que eu não gosto muito de falar, mas acho uma pontuação importante é que, quando a gente entrou no processo de adoção, nosso filho estava no processo de destituição, o que é comum. Mas o genitor surgiu do nada e recorreu. Outro processo que você precisa se preparar", explica Rosane, que ficou extremamente abalada com a notícia. "Eu tenho todo um respaldo psicológico, nosso filho também faz terapia, mas como fica a cabeça dos pais e filhos adotivos que não têm?"

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Em outro campo, o pequeno R. apresentava atrasos educacionais e emocionais logo que chegou, além de ter sido diagnosticado com a síndrome alcoólica fetal. Mas o casal não poupa esforços para oferecer o melhor acompanhamento.

"Temos uma equipe incrível: uma neuropediatra, uma psicopedagoga e uma psicóloga que trabalham com ele. Ele está no terceiro ano da escola e tem evoluído muito, mas é um investimento alto, porque o plano de saúde não cobre nada disso," explica Rosane. "Não é só sobre ter um quarto bonito. É sobre estar preparado para lidar com a bagagem da criança e oferecer suporte em todas as áreas."

O primeiro desfile de Natal da família unida
O primeiro desfile de Natal da família unida Imagem: Arquivo Pessoal

Rosane reforça a importância de entender que a adoção não é um processo simples. "É preciso apoio psicológico, financeiro e muita paciência. Mas, acima de tudo, é gratificante ver a evolução da criança e o amor que floresce." Para ela, adotar foi a melhor decisão de sua vida. "Cada sorriso, cada conquista dele é uma vitória nossa. Ele também nos ensinou o que realmente significa ser família."

Apoio e informação para afastar a ansiedade

O casal procurou acolhimento e informação desde que iniciaram o processo em grupos de apoio à adoção, mas Rosane diz que sentiu falta de um apoio psicológico maior, para trabalhar expectativas e ansiedade. "Ali são pais falando da experiência com seus filhos, o que é interessante, mas me gerava uma angústia também, porque eu ainda não tinha a convivência com ele."

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Rosane Pafaro e família em desenho criado por ela no celular
Rosane Pafaro e família em desenho criado por ela no celular Imagem: Arquivo Pessoal

Apesar de aguardarem a finalização oficial do processo de adoção, Rosane, Dirceu e R. já são uma família. "Ele é encantador e não carrega só o nosso sobrenome, carrega o nosso coração."

Quando futuros pais adotivos recebem a habilitação para adoção, podem acessar o Sistema Nacional de Adoção (SNA), que é como se fosse um aplicativo de relacionamento, onde tem a foto e a história da criança, mas R. Não estava lá ainda. "Você acessa, bota um coraçãozinho nas crianças que gosta e ela vai para os seus favoritos", explica a mãe.

Mas, no caso de R., quando a juíza solicitou que as técnicas da Vara da Infância procurassem uma família para ele, o casal era o primeiro da fila, então foram logo chamados e nenhum dos lados precisou esperar mais.

"Se ele tivesse sido destituído da família de origem antes, teria sido adotado com quatro ou cinco anos, quando tem muito mais chances. Mas, nada é por acaso, ele tinha que ser nosso, estava nos esperando", diz Rosane, que se sente realizada e entrou na fila novamente. "Acreditamos que é possível ter uma irmã menor, e nosso filho deseja. Então, se for para ser, em breve teremos uma princesa."

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