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'Temos que desromantizar a família margarina', diz Bruna Mascarenhas

Bruna Mascarenhas defende que família é mais do que aquela com que temos laços de sangue Imagem: Pedro Napolinário/Netflix

De Universa, em São Paulo

06/02/2025 05h30

Bruna Mascarenhas, 30, é formada em teatro e sempre quis ser atriz. Quando se mudou para São Paulo, buscando se dedicar mais à carreira no audiovisual, não achou que conseguiria um papel tão rápido, muito menos como protagonista. Ela dá vida a Rita, na série "Sintonia", da Netflix. A quinta temporada estreou em 5 de fevereiro no streaming.

É meu grande primeiro trabalho. Quando fiz o teste para uma protagonista dei meu melhor, mas não criei expectativas, sabe? Tinha acabado de me mudar e estava trabalhando em um restaurante. E rolou. Foi uma surpresa muito grande, conta .

Dando vida a uma mulher periférica, de família desestruturada, que luta para ascender na vida por cinco temporadas, Mascarenhas defende a importância das amizades.

"Família é quem escolhemos, não só a de sangue. Muitas vezes vivemos situações familiares complicadas, e esse laço não rola", diz com exclusividade para Universa.

Para a reportagem, Bruna contou que após anos vivendo uma realidade diferente da sua na ficção, que quer espalhar educação nas periferias. E já deu até seu primeiro passo.

Universa: A sua vida e a da Rita são muito diferentes. Foi um choque de realidade vivê-la, conhecer esse outro lado da sociedade?
Bruna Mascarenhas:
Não foi um choque, mas me vi em um universo completamente diferente. Rita é paulistana, eu sou carioca. Ela é da periferia e eu de uma família de classe média. É claro que isso impacta as experiências de vida de cada uma de nós. Em seis anos, aprendi muito com a personagem. Nunca me imaginei dando aulas, por exemplo, mas criei um projeto educacional depois de ver a necessidade nas periferias de perto. A Ritinha tem esse lado de querer compartilhar conhecimento e lutar pelo que acredita. É uma inspiração para mim.

De que forma você será uma professora daqui para frente? Como vai partilhar o conhecimento?
Comecei criar alguns projetos que quero que aconteçam dentro das comunidades. Quero passar um pouco do que aprendi durante meus anos de estudos para adolescentes que desejam ser atores.

Ver minha personagem tão envolvida com o estudo inspirou isso em mim. Quero usar minha voz para ajudar a comunidade

Me conta um pouco desses projetos?
A apresentação dele já passou pela Lei Rouanet e agora estamos em busca de patrocínio, a parte mais difícil. Quero dar aula de televisão e cinema. Já estruturei tudo: será um workshop intensivo de três dias. Quero também fazer trabalhos em escolas públicas e municipais, levar os alunos ao cinema e depois conversar sobre o que eles observaram de figurino, roteiro, atuação, direção? Muitas pessoas não têm a possibilidade de ir ao cinema, essa seria uma forma de levá-los para viver a experiência. Sei que não consigo abraçar o mundo inteiro, mas gerar essa transformação será um prazer.

Você já recebeu mensagens de espectadores dizendo que a trajetória da Rita foi a inspiração que eles precisavam para ver que também poderiam ascender na vida?
A personagem vem de uma situação muito difícil e está caminhando rumo a classe média. Na época em que ela começou a frequentar a igreja na trama recebi muitas mensagens, dizendo que aquela também era a realidade de muitos: sair de uma vida mais complexa e buscar abrigo na religião. Agora ela é estudante de Direito.

Quantas mulheres não tiveram a oportunidade estudar só mais tarde na vida? Isso também chegou em mim por mensagem, gente dizendo que resolveu voltar a estudar, que quer se formar.

Outros que dizem ter vontade, mas que a rotina cansativa de trabalho é um empecilho. Muitas mulheres voltam para casa após o expediente para cuidar do lar, dos filhos, de irmãos. São muitas responsabilidades. A Ritinha inspira e é bonito fazer parte de um projeto que reflete tanto na vida do próximo.

Bruna Mascarenhas como Rita, em 'Sintonia', da Netflix Imagem: Divuçgação

Você quer dar aula, está usando a educação como exemplo de inspiração. Acredita que o conhecimento transforma?

Fico até arrepiada de falar nisso. Para mim, a educação transforma muito. A gente ouve relatos de como ela abre porta e cria oportunidades. Sem contar que, para mim, tem o rolê de se sentir pertencente, de querer estar sempre ocupando novos degraus. Melhora a autoestima, impacta sonhos.

Às vezes, devido à rotina, a pessoa não tem nem tempo de sonhar. Nada é muito palpável e todas as vontades parecem inatingíveis. O estudo mostra que você pode ir atrás. Oportunidades para quem largou os estudos são difíceis, o caminho é mais longo e com mais obstáculos.

A série traz uma questão de união e amizade muito forte. Você tem amigos em sua vida que se ligar dizendo 'preciso esconder um corpo' eles respondem com 'vou levar a pá'?

Olha, tenho sim. Com o tempo você percebe quem realmente é seu amigo e faz um filtro nas amizades. Descobre com quais pode realmente contar, com quem pode surtar sem medo que a pessoa vai continuar te amando - e ficar ao seu lado no processo. Tenho poucos amigos, mas acredito que nada substituí as amizades na vida

Acredita que esse tipo de amizade é a chave para sobrevivência em momentos difíceis?
Sim, e acho que é importante desromantizarmos a família. Família é quem escolhemos, não só a de sangue. Muitas vezes vivemos situações familiares complicadas, e esse laço não rola. Não é meu caso, sou muito unida com meus pais e irmãos. Por isso, às vezes, tem quem precise de pessoas ao seu lado que sejam esse abrigo, com quem você vai passar Natal e Ano Novo, que vai confiar para o resto da vida.

Temos que desromantizar a família margarina. Ela não é a realidade para todos.

Bruna Mascarenhas como Rita, em 'Sintonia', da Netflix Imagem: Divulgação

Gravar cinco temporadas em um cenário periférico te fez pensar nas políticas públicas que esses lugares ainda precisam?
A periferia vive um efeito dominó. Mulheres têm filhos, mas não têm como cuidar deles e voltar a trabalhar. Acredito que políticas para mães solo, que é o que mais tem dentro das comunidades, são importantes e precisas. E isso vai se refletindo em outros setores. São necessários lugares para acolher essas crianças após a escola enquanto a mãe ainda trabalha, com atividades, para ele não ficar no ócio depois do período letivo. Assim, elas crescem com acompanhamento.

Por isso acho que políticas públicas relacionadas a maternidade, principalmente solo, a educação e ao esporte, são importantes. Elas impactam muito a vida da garotada.

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