'Duas horas de violência': ela diz ter perdido audição após agressão do ex

A professora Livia Alves Branquinho, 42, vivia um relacionamento comum com um professor de jiu-jítsu em Goiânia. Tudo mudou na madrugada do dia 10 de novembro de 2024, quando, segundo ela, acordou sendo espancada pelo namorado.

Agora, Lívia luta contra as sequelas físicas e emocionais. A Polícia Civil de Goiás informou que um procedimento de investigação foi instaurado e está em andamento na Deaem (Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher) de Goiânia.

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O ex diz que está à disposição da polícia para esclarecer os fatos.

'Fui acordada apanhando'

O namoro de Lívia já se estendia por dois anos, entre idas e vindas —um relacionamento "normal", como ela mesma descreve.

"Nesses dois anos que a gente se relacionou, até então eu não havia percebido nada além dos ciúmes normais de um relacionamento. E as nossas discussões eram normais, de casal. Nunca tinha ido até agressão física."

A agressão física que Lívia menciona ocorreu em novembro de 2024, mas só agora se tornou pública. Ela e o então namorado passavam o fim de semana juntos, como era costume do casal.

Até o momento em que eu fui dormir, a nossa relação estava normal. Inclusive, cheguei a conversar com ele antes de dormir sobre a medicação que eu tomava. Brinquei que eu tinha de diminuir a medicação e ele até chegou a me aconselhar que eu tinha de praticar mais atividade física, porque assim eu ia diminuir os remédios. E assim eu fui dormir com ele, normal. Às três da manhã, eu fui acordada apanhando.

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Segundo Lívia, mensagens em seu celular despertaram ciúme no namorado.

"Ele tinha pegado o meu telefone e desbloqueado, não sei se com a minha digital ou com a minha senha, que ele sabia. Ele tinha lido mensagens de forma geral nas minhas redes sociais, e leu situações que ele interpretou que eram erradas."

'Duas horas de violência em casa'

Lívia conta que o namorado partiu diretamente para a agressão. "Ele não chegou nem a sentar comigo para me mostrar e discutir sobre, ele já me acordou me batendo. Nisso, foram duas horas de violência em casa."

Eu estava deitada na cama e na cama eu apanhei. Ele quebrou o telefone. Eu pedi para ver [as mensagens] e ele amassou o telefone igual papel na minha frente e jogou na parede. Eu tinha um outro aparelho, para o qual estava migrando, e fui pegar esse aparelho, para poder acessar e ver. Ele tirou da minha mão de novo, também amassou e jogou fora.

Além das agressões físicas, o quarto de Lívia também foi destruído, segundo ela conta. "Arrancou o ventilador de teto, puxou ele com a mão e jogou em cima da cama. E me batendo, falando sobre o que ele tinha lido. Eu perguntava por que ele estava fazendo isso e ele continuava batendo sem me explicar."

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Lívia teve o celular quebrado pelo ex-namorado
Lívia teve o celular quebrado pelo ex-namorado Imagem: Arquivo pessoal

As agressões seguiram até o dia amanhecer. Lívia tentou deixar o apartamento, mas conta que foi impedida —seu rosto estava muito machucado e, se alguém a visse, "iria denunciá-lo e ele seria preso".

A partir daí, começaram as ameaças, segundo ela. "Ele disse que, na hora que saísse da cadeia, ia matar a minha família inteira e, por último, eu. Todo mundo ia morrer primeiro."

Ela só conseguiu sair de casa quando ele saiu também, na manhã de domingo. Foi direto fazer o boletim de ocorrência —"mesmo com medo", conta— e pediu uma medida protetiva, que saiu no mesmo dia. Assombrada pela agressão, ela deixou a cidade por uma semana.

A professora Lívia Alves Branquinho antes (esq.) e depois (dir.) das agressões
A professora Lívia Alves Branquinho antes (esq.) e depois (dir.) das agressões Imagem: Arquivo pessoal

'Fiquei sensível a barulho'

Passado o susto da agressão, Lívia foi cuidar dos ferimentos e tentar se recompor. "Eu tive esse tempo para desinflamar toda a agressão, fazer exames, procurar tratamento para depois eu conseguir falar sobre isso."

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As sequelas do espancamento acompanham Lívia. Hoje ela convive com diplopia, quando os olhos enxergam duas imagens de um mesmo objeto. Um tratamento deve ser iniciado em breve, para tentar reverter o problema.

Ela também conta que teve diminuição bilateral da audição (30% em cada um dos ouvidos), reflexo dos socos que levou perto do ouvido, o que afeta sua compreensão da fala. Essa lesão é permanente, segundo Lívia.

Eu fiquei muito sensível a barulho, a ouvir as pessoas. Eu tenho de trabalhar muito a minha interpretação. Nesse momento eu ainda tenho muita dificuldade, porque para eu interpretar o que eu escuto, eu tenho de ver bem. E eu não estou vendo bem, então estou me esforçando mais do que o normal.

Lívia se preocupa com o impacto das sequelas no seu trabalho. "A minha sorte é que, no momento, a função que eu exerço não está ligada a estar dentro de uma sala, com alunos. Mas a hora em que eu estiver nesse processo, com certeza vou ter de me readaptar."

'Só vira notícia quando a mulher morre'

Agora, ela espera que o ex-namorado seja responsabilizado pela agressão.

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Eu estou pagando em cárcere com isso. Para dormir, tive de ampliar a medicação que eu tomo, porque eu não durmo mais. Mesmo tomando remédio, eu não durmo. Não consigo ouvir qualquer barulho que entro em choque, começo a tremer. Se eu cochilo à noite, se tento dormir e vem o som, eu acordo imediatamente com o pesadelo. O mínimo que a gente espera é que a Justiça pense sobre isso.

Lívia também precisou se afastar das filhas. As duas garotas não estavam com ela em casa no momento das agressões, mas foram levadas pela mãe para outra cidade "por uma questão de prevenção", devido às ameaças.

O ex-namorado é uma realidade no dia a dia de Lívia. Segundo ela, os dois moram no mesmo bairro, o que dificulta uma simples saída de casa.

Quarto ficou destruído, segundo Lívia
Quarto ficou destruído, segundo Lívia Imagem: Arquivo pessoal

"Cada vez que eu tenho de passar na frente de onde ele mora e ver que o carro está na porta da casa, a menos de dois quilômetros da minha, no caminho do supermercado, é muito doloroso", conta.

Segundo ela, o ex segue dando aulas de jiu-jítsu. "Ele é faixa preta, professor. Eu acredito que ele teria de ser a última pessoa a fazer uma situação dessa, principalmente na gravidade que ele causou. Ele sabe que ele causou lesões ali, que ele podia ter matado. Essa é a verdade."

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Apesar do trauma, Lívia acredita que é importante expor a situação para encorajar outras vítimas. "Essa exposição toda em que eu estou me colocando é porque é muito triste a gente ver que isso só vira notícia, na maioria das vezes, quando a mulher já morreu", diz.

Eu sei que, como vítima, é difícil a gente falar sobre isso e se colocar nessa posição de luta, de mostrar que é vítima. Porque a gente é criticada também. Nossa sociedade não acolhe: ela mais critica do que acolhe. Mas é importante que quem sobreviva a isso se posicione, encoraje para que outras mulheres também não se calem. Que elas busquem a justiça, se protejam para não deixar acontecer de no final serem elas lá, com notícia de um crime que já não tem mais reversão.

O que diz a defesa

Universa entrou em contato com Leandro Pereira da Silva, 42, professor de jiu-jítsu e ex-namorado de Lívia. Em nota, a defesa alega que as acusações "já se encontram sendo apuradas pela Delegacia da Mulher competente, onde o acusado se mantém à disposição para qualquer intimação ou esclarecimento necessário".

Na nota, o advogado que representa Leandro afirma também que as ameaças descritas por Lívia "nunca ocorreram, podendo ser comprovada a inexistência de tais por provas a serem apresentadas caso necessário".

Denuncie

Como procurar ajuda: Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia.

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