Como lidar com o medo da perda após aborto ou tratamento para engravidar

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Não é fácil lidar com uma perda gestacional ou com o medo dela. No entanto, o aborto espontâneo é algo mais comum na vida das mulheres do que parece, por isso é preciso falar sobre ele. Com ele também é comum que surja o medo de uma nova perda, acompanhada pela ansiedade e outras emoções.
E talvez você não tenha sofrido um aborto, mas tenha enfrentado um longo e árduo caminho para gestar - com auxílio de tratamentos - e o receio de perder algo que tanto deseja esteja ganhando proporções desconfortáveis, então temos que debater essa fantasma que assombra a cabeça de tantas tentantes e gestantes.
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Dizer que não está sozinha seria, no mínimo, redundante, mas pode ser acolhedor. Para se ter uma ideia, a cada minuto, 44 mulheres perdem seus bebês, a maioria no início da gestação e, muitas vezes, nenhuma causa é encontrada. Estimativas publicadas na revista médica The Lancet, em 2021, mostram que, a cada ano, cerca de 23 milhões de gestações terminam em aborto espontâneo, uma taxa de 15% do total.
Não é pouco. E o número real de casos provavelmente é maior, já que muitos abortos acontecem em casa, não são notificados, alguns nem mesmo detectados. É importante entender que não se trata de um fenômeno raro.
Mas também é fundamental compreender que abortos recorrentes são muito menos comuns: cerca de 2% das mulheres chegam a sofrer duas perdas, e menos de 1% chegam a três ou mais, segundo pesquisas.
Haja suporte emocional nas semanas da gravidez
A ansiedade é comum diante de um projeto de gravidez e, se no percurso até aqui houve uma perda ou grande dificuldade, o suporte emocional pode ser fundamental para que haja o acolhimento de sua própria história e a compreensão da maneira como vivencia a perda ou como sente a possibilidade da tão sonhada gestação.Arielle Rocha Nascimento, psicóloga, especializada em gravidez, parto, puerpério, infertilidade e reprodução assistida.
Segundo Arielle, se a mulher está amparada emocionalmente, ela poderá elaborar a perda (quando esta ocorreu anteriormente) ou a possibilidade do negativo em um ciclo de tratamento. E, assim, sentir confiança para apostar no sonho com maior chance dessa experiência ter menor impacto emocional. "Nem toda gestação culmina com o nascimento", lembra a especialista. Não que faça doer menos.
Internalize: a probabilidade de sofrer uma nova perda é baixa, aqui é preciso apoio psicológico, exames para confirmar o quadro de saúde e um pouco de otimismo para conseguir manter a esperança. Se você teve um aborto espontâneo, há chances de que sua próxima ou atual gravidez seja bem-sucedida.
Mas e se for medo da perda após tratamento de reprodução?
Mesmo que não tenha sofrido uma perda anterior, o receio de dar algo errado pode sim existir. Porém, há números que também ajudam a minimizar essa preocupação.
Os tratamentos atuais, recomendados para solucionar a maioria dos problemas de infertilidade, podem ir de IIU (Inseminação Intrauterina) à FIV (Fertilização In Vitro). Essa última técnica é a mais conhecida, talvez pelo alto índice de sucesso: até os 35 anos de idade, a taxa média de gravidez chega a 25% por tentativa com IIU e de 50 a 60% com FIV.
Como em uma gestação comum, quanto maior a idade, menor o índice de gravidez. Mas nem é isso que costuma preocupar as mulheres que embarcam na jornada da fertilização, e sim, o medo da falha na primeira tentativa. E, depois, na segunda...
O procedimento, que consiste em realizar o encontro do óvulo com o espermatozoide em ambiente laboratorial, formando embriões que serão transferidos ao útero da mulher, pode de fato falhar na primeira vez. Mas, estudos mostram uma taxa cumulativa de gravidez de até 80% ao fim de 3 tentativas.
Como se apegar a isso e não à angústia de passar por tudo de novo? De acordo com Arielle Rocha Nascimento, quando o casal inicia as tentativas para engravidar e a concepção não se realiza - naturalmente ou em um primeiro ciclo de FIV - as expectativas podem se transformar em um momento desafiador. O ideal é trabalhar todas as possibilidades com carinho, com ajuda profissional em boa parte dos casos.
"Acolher a própria trajetória reprodutiva quando ela passa por frustrações de repetidos negativos, diagnósticos, até mesmo perdas gestacionais é um trabalho importante. Isso só acontece quando se topa rasgar-se de tantos ideais que se tinha até então, como gestação natural, fertilidade, o planejamento prévio de quando teria filho e tantos outros", analisa.
Confira três dicas para lidar com a fase tentante ou recém-gestante:
Aposte no suporte especializado;
O acompanhamento psicológico especializado durante tratamento ou tentativas para engravidar é essencial para acolher o casal ou a mãe solo, inclusive diante dos possíveis insucessos. Além de escolher uma equipe médica que acompanhe seu corpo durante a tentativa de gestar, escolha um profissional apto a ajudar na jornada emocional que você percorrerá em paralelo.
- Não perca de vista o motivo do percurso;
A caminhada para engravidar não é linear, pelo contrário, costuma ser permeada por um campo de incertezas e variações. O desejo frustrado de ter um filho de forma natural ou no tempo que planejou é estressante para o casal e o diálogo pode aumentar o grau de companheirismo e cumplicidade tão necessários para levar o tratamento adiante.
- Se prepare para mais de uma tentativa.
É importante lembrar que talvez o sonho de ter um filho não se realize na primeira tentativa, seja ela por métodos convencionais ou com ajuda da ciência. Segundo a Sociedade Europeia de Reprodução Humana, metade dos pacientes desiste quando a primeira tentativa de tratamento falha. Com apoio psicológico, o casal poderá trabalhar formas de lidar com essa imprevisibilidade do tratamento e da vida.
Entre números e cromossomos
A essa altura, você já entendeu que os números são coordenadas para nos ajudar a chegar no destino final; a gravidez de 40 semanas e o nascimento saudável do seu bebê. Mas, como usá-los a seu favor? Entendendo que tudo é probabilidade e não uma certeza. Em seguida, percebendo que a realidade que eles mostram é muito mais tranquilizadora do que ameaçadora - especialmente quando falamos de tratamentos de reprodução assistida. Lidar com tudo isso é quase um treino para a maternidade.
Quando a paciente pode percorrer esse caminho de elaboração de sua própria história e das incertezas incontornáveis dentro dos tratamentos de reprodução assistida, tem nas mãos oportunidade de se preparar para lidar com todo o porvir, caso venha a gestação e a chegada de bebê, já que essas vivências também trazem certa imprevisibilidade. Arielle Rocha Nascimento
Não se assuste, por exemplo, caso se, depois de uma segunda tentativa falha de FIV, dúvidas e discussões crescerem. Pode ser necessária uma investigação do endométrio ou um estudo genético inclusive. E isso não quer dizer que há algo errado. É apenas parte do processo para minimizar o risco de uma terceira tentativa não dar certo.
Se seu médico desejar avaliar a parte imunológica, a cavidade uterina, realizar uma investigação nutricional mais profunda ou indicar a biópsia do embrião para saber se ele é geneticamente normal antes de implantá-lo, nada de pânico também. É o trajeto esperado. No Brasil, isso só é recomendado a partir dos 40 anos, mas é possível que seu médico peça antes; na Europa já estão indicando o estudo genético pré-implantacional a partir dos 37 anos. Tudo porque, de fato, engravidar e perder o bebê nos primeiros meses é bastante frustrante para o casal. E ninguém quer que você passe por isso, especialmente mais de uma vez.
É bom saber que, no Brasil, muito provavelmente você estará em boas mãos, e que há muitas clínicas e profissionais aptos a te guiar da melhor forma. Segundo a Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDLARA), o Brasil é o líder da América Latina em procedimentos de fertilização in vitro, inseminação artificial e transferência de embriões: 40% dos centros de reprodução assistida latino-americanos ficam em solo brasileiro e o país lidera o ranking de nascimentos por meio destes tratamentos.
Em 25 anos, 83 mil bebês brasileiros nasceram com ajuda da ciência. Na Argentina, segundo lugar do ranking, foram 39.366 nascidos e, no México, 31.903. E tudo tende a ficar cada vez mais assertivo.
Uma nova pesquisa, realizada no Departamento de Ciências Biológicas da Unesp (campus de Assis) está buscando desenvolver recursos de inteligência artificial para apoiar o trabalho dos embriologistas, ou seja, para auxiliar na seleção dos embriões com mais chances para uma gestação de sucesso.
Em artigo recente, publicado no jornal Fertility & Sterility, os pesquisadores relatam bons resultados obtidos pelo treinamento de dois sistemas de inteligência artificial, na identificação dos blastocistos humanos com melhores chances de promover a gestação e o nascimento.
O único porém é que, infelizmente, quando falamos de tratamentos de reprodução, falamos também de algo que não está acessível para todas as mulheres. O Fundo da Organização das Nações Unidas (ONU) para a População, também conhecido como Unfpa, lançou recentemente a publicação "Reprodução Assistida e direitos: panorama, desafios e recomendações para políticas públicas no Brasil" - identificando as principais dificuldades para as brasileiras que sonham em ter filhos.
Os obstáculos consistem na baixa renda e na distância de grandes centros, já que 77% das clínicas especializadas ficam nas regiões Sul e Sudeste, e apenas 6% delas são públicas. Dos 11 serviços públicos, cinco estão no Sudeste, quatro deles no estado de São Paulo, sendo três na capital. E quanto custa bancar um tratamento, afinal? O custo de um ciclo completo de FIV variava, em 2023, entre R$15 mil a R$100 mil, dependendo do número de tentativas, procedimentos e da localidade da clínica.
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