Ana Canosa: 'Se alguém fica mais confortável quando falo todes, vou falar'
No sétimo episódio da 11ª temporada do "Sexoterapia", podcast de Universa, Bárbara dos Anjos e Ana Canosa receberam a gamer e criadora de conteúdo Bryanna Nasck, para conversar sobre as diferentes identidades de gênero e se a quantidade de definições que as pessoas se dão —ou que são dadas a elas— ajuda ou atrapalha.
Ana Canosa: "Pessoas que se identificam com gênero fluido tem seu espaço, construindo a sua identidade a partir de suas experiências e de de como se percebem (ou se despercebem) a partir das normativas sociais de gênero, tão aprisionadas no binarismo".
"O convite é para pessoas binárias e cisgêneras olharem além do próprio umbigo. Há tanta diversidade no reino animal e no reino vegetal, em que momento achamos que humanos estariam reduzidos a somente dois tipos de corpos, o masculino e o feminino?", questiona a sexóloga.
Ana ainda pontua que para ela, linguagem neutra ainda não está clara. "Mas a língua portuguesa é também a que se fala nas ruas, pois ela está a serviço do povo. Se alguém for se sentir mais confortável e incluído se eu falar todes, então farei um esforço para falar todes. E se me esquecer de falar todes, saibam todes que é por falta de treino."
'Tive muitas saídas do armário'
A gamer contou como foi o seu processo de se descobrir como uma pessoa trans não binária e demissexual.
Bryanna Nasck: "No período em que comecei a me questionar, não tinha acesso a informação como hoje em dia. Para você ter noção, quando eu descobri a denominação não binária, eu pesquisei no Google e não tinha resultado em português".
"Tive muitas saídas do armário. Na primeira vez, eu era um garotinho gay. Desde criança já tinha notado que tinha algo diferente em relação ao desejo. Ninguém falou, mas as pessoas perceberam algo em mim, que eu era o 'viadinho', 'afeminadinho'. Essas denominações me foram dadas desde muito novo. Passei por muita depressão e uma luta muito grande em relação a religião. Como posso existir no mundo onde supostamente o criador dele me odeia por ser quem eu sou?", diz Bryanna.
A gamer lembra que, naquele período, pouco se falava em transexualidade e, por isso, ela não conseguiu se identificar como trans. "Por muito tempo, quando pessoas me perguntavam se eu era menino ou menina porque eu tinha uma aparência andrógina, dizia que era 'viado'. Usei a ofensa como uma identidade fora do padrão que as pessoas entendem como homem e mulher."
Ana Canosa refletiu a respeito das definições cada vez mais abrangentes acrescentadas à sigla LGBTQIA+.
Ana Canosa: "Todo grande movimento gera uma expansão e, quando vamos expandindo, os seres vivos vão buscando contornos para se sentirem pertencentes. Tenho uma sensação que vamos continuar assim até que, quem sabe lá na frente, a gente não precise mais trazer tanta discussão das nomenclaturas e possamos entender como algo plural, de diversidade. Por enquanto, é necessário pela expansão do movimento".
Bryanna Nasck: "Nomenclaturas e grupos são muito importantes pra gente mostrar as possibilidades. A gente está tendo essa explosão de possibilidades porque as pessoas estão descobrindo que suas vidas pertencem a si mesmas".
Além de conversarem sobre identidades de gênero, as três também analisaram casos enviados por ouvintes.
No primeiro, uma mulher diz ter fantasias sexuais com homens e conta que esse tem sido o motivo de brigas com sua namorada. Fala que a ama, mas que não quer reprimir seu desejo.
No segundo, a ouvinte diz estar insegura na relação com um homem não binário e bissexual. Acredita que pode não ser suficiente para ele e pede a opinião do "Sexoterapia".
Veja os relatos abaixo.
'Fantasias sexuais com homens prejudicam meu relacionamento'
"Sempre me considerei bissexual. Ao longo da vida, tive relações com pessoas de ambos os gêneros, mas tenho uma tendência de comportamento: namoro mulheres e, quando estou solteira e querendo sexo casual, prefiro homens. Agora, estou num relacionamento com uma mulher há cerca de um ano, e esse meu histórico tem me causado problemas. Primeiro porque ela era minha amiga antes e sabe do meu passado. Segundo porque tenho tido vontade de transar com homens. Por enquanto, esse desejo tem sido satisfeito com masturbação e fantasias sexuais. Mas no dia a dia da relação, tem gerado brigas. Eu amo minha namorada, temos um relacionamento que me faz muito feliz, estou planejando até convidá-la para morarmos juntas. Mas não consigo negar minhas fantasias. Ao mesmo tempo, me sinto uma sacana por estar prejudicando meu relacionamento por isso. Como lidar?"
Ana Canosa: "Ela está assustada porque parece infidelidade. É uma questão. Primeiro, sugeriria pensar sobre isso. Tudo bem precisar da fantasia. Se é infidelidade, tem que avaliar, mas não me parece. Fantasia sexual serve pra estimular o erotismo. Não tem a ver com a qualidade de sua relação".
"Se ela estivesse pensando em outra mulher incomodaria tanto?", questiona a sexóloga.
Bryanna Nasck ressalta a diferença entre orientação sexual e orientação romântica. "Elas não precisam estar entrelaçadas. É importante também pensar sobre o autopunitivismo que vem da monogamia. Essa questão de sentir desejo, vontade, é muito maior que a gente. Você pode amar intensamente uma pessoa e ainda sentir desejo por outra".
Bárbara dos Anjos: "Além de entender nossa complexidade, precisamos entender a do outro".
'Sou suficiente para um cara não binário?'
"Tenho 25 anos e sempre me relacionei com homens cisgênero e heterossexuais. Me atraí mais por caras com um jeito menos machão, homens com a sensibilidade mais aflorada tanto na personalidade quanto no estilo —perdi as contas de quantas vezes meu ex, por exemplo, foi tido com gay mesmo sendo hétero só por estética. Recentemente conheci um cara por aplicativo, e ele tem mexido muito comigo. Logo de cara ele já se identificou como não binário e bissexual, e essas informações mexeram com meus sentimentos. Não quero parecer preconceituosa porque, na verdade, estou insegura. Terei o que esse cara precisa para ficar comigo a longo prazo? Será que ele pode desistir de mim porque sou uma hetero padrão? Me considero demissexual e por isso sei que estou bem apaixonada por ele. Mas estou perdida e em dúvida se esse relacionamento pode acontecer."
Ana Canosa: "Ela já se percebe mais aberta do que a maioria das pessoas, mas tem medo que não seja completa para ele porque, de alguma maneira, ela está em outro polo".
A sexóloga falou ainda sobre a ouvinte se identificar como demissexual. "Ela precisa de conexão emocional para desenvolver uma vontade mais presente de transar, ela se percebe vinculando afeto à atração sexual. Mas e ele?", disse.
Ana apontou, então, que uma das soluções pode ser entender o desejo do parceiro. "Há uma angustia produzida por ela mesma. Precisa entender como é o desejo dele para ficar mais tranquila. Ela está vendo como muito diferente do desejo dela".
Bryanna Nasck: "Senti muito pela mensagem que ela já está gostando dessa pessoa. Vale a pena conversar e deixar as coisas bem nítidas. Pesquisar sobre a bissexualidade, conversar. Não vai ser isso que vai ser um limitador. Acho que é questão de conversar, se abrir, mostrar fragilidade".
Bryanna chamou ainda atenção para o fato de que é importante a sinceridade caso haja um relacionamento com pessoas de outras identidades de gênero por algum tipo de curiosidade.
Bryanna Nasck: "Quer só conhecer e explorar? Seja sincero. Deixa aberto para a pessoa decidir se quer entrar nessa viagem com você porque nem todo mundo é obrigado".
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