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Poeta de Instagram vende milhões de livros e usa o riso para superar trauma

A escritora Rupi Kaur: sucesso no Brasil começou com publicações de poemas nas redes sociais - Reprodução
A escritora Rupi Kaur: sucesso no Brasil começou com publicações de poemas nas redes sociais Imagem: Reprodução

De Universa, em São Paulo

20/01/2023 04h00

A poeta indiana Rupi Kaur, 30, já vendeu mais de 10 milhões de livros falando de assuntos difíceis de engolir. Começou publicando rimas curtas nas redes sociais —e ficou conhecida como "poeta do Instagram"—, até que escreveu o primeiro livro, "Outros Jeitos de Usar a Boca" (ed. Planeta), sucesso de vendas.

Com seus poemas, ela desabafa sobre violência sexual, problemas familiares e diversas outras dores. Das páginas para os palcos, ela desembarca em São Paulo para uma apresentação única no Brasil, em 4 de fevereiro, com a turnê mundial, que teve ingressos esgotados nos 13 países pelos quais passou. Ao microfone, faz rir e diverte quem a assiste.

"A coisa mais importante é curtir, pois as situações difíceis nunca vão parar de acontecer. A vida é dura. Por isso temos que aproveitar e aprender a surfar as ondas quando elas chegarem", diz, em entrevista exclusiva a Universa.

UNIVERSA: Você fala das suas dores nos poemas. Se sente confortável para me contar pelo que passou?
Rupi Kaur: Quando comecei a escrever, estava lidando com depressão, ansiedade e passando por um relacionamento abusivo. É sobre isso que escrevo. Meu relacionamento com meus pais, imigrantes da classe trabalhadora, não é do tipo que faz com que eu me sinta segura para desabafar. Escrever era uma forma de terapia acessível, para processar meus problemas. Comecei a me apresentar muito cedo e, nas performances, descobri que o que mais gostava de fazer era me conectar e compartilhar experiências com outras pessoas. Sinto que esse é o meu propósito. A poesia simplesmente é o meio pelo qual compartilho e me conecto.

Apesar dos temas difíceis de seus poemas, sua apresentação é muito bem-humorada. Por que virar essa chave?
A coisa mais importante é se divertir, rir e curtir, pois as situações difíceis nunca vão parar de acontecer. A vida é dura. Por isso temos que aproveitar e aprender a surfar as ondas quando elas chegarem. Comecei a me apresentar aos 13 anos e, quando começaram a me dar um espaço de uma hora, não sabia o que fazer com todo esse tempo. Comecei a experimentar. Não queria subir ao palco só para falar de saúde mental e violência sexual.

Percebi que não sou uma vítima da vida e que mereço alegrias. E assim incorporei o humor às minhas apresentações.

Você se mudou da Índia, um país com pouco respeito aos direitos das mulheres, para o Canadá, aos 4 anos. Como eram as tradições na sua casa?
Venho de um país onde há altas taxas de assassinato de meninas. Quando minha terceira irmã nasceu, eu tinha 6 anos. Vários familiares ligavam na nossa casa tristes por ela ser uma menina. Estavam sofrendo por nós, diziam que meus pais eram azarados. Completamente diferente do que havia acontecido com o meu irmão. Fiquei chocada que, com a chegada da mulher, eles agiam como se alguém tivesse morrido. Por outro lado, tive sorte: meu pai sempre nos incentivou a estudar porque sabia que, com educação, seríamos livres. Caso contrário, estaríamos presas, não teríamos liberdade de navegar pelo mundo da melhor maneira possível. Tive que lutar um pouco contra a cultura sul-asiática, onde as mulheres são colocadas em segundo lugar.

Box com 3 livros de Rupi Kaur

Preço: R$ 72,99

Precisou brigar com os homens da família para ser aceita como uma mulher independente?
De jeito nenhum. Acho que meu pai sempre foi um defensor dos direitos das mulheres. Ele sempre teve um espírito tão revolucionário que surpreendia as pessoas. Muitas vezes me perguntam como meus pais se sentiram quando comecei a escrever sobre tópicos que são tabus. Eles me apoiaram 100%.

Quando você percebeu que seu alcance tinha rompido a internet?
No começo de 2016, quando publiquei meu primeiro livro, "Outros Jeitos de Usar a Boca" (ed. Planeta), fiz meu primeiro evento com autógrafos em uma livraria em São Francisco, nos Estados Unidos. Quando estávamos chegando ao local, comecei a ver uma fila enorme, por vários quarteirões. Paramos em um sinal vermelho e começaram a me dar tchauzinho. Fiquei confusa com o que estava acontecendo porque eu não conhecia aquelas pessoas. Meu amigo falou que elas estavam ali para o evento, mas não acreditei. Aí vi que a fila ia até a livraria. Quando cheguei, os funcionários me puxaram para dentro. Naquela noite, fiz dois shows e duas sessões de autógrafos para conseguir atender a todos. Foi aí que eu soube que meus poemas tinham deixado de estar só na internet.

Me conta um episódio em que você se sentiu orgulhosa com o seu trabalho como poeta?
No início deste ano, eu estava em Paris autografando livros após um show. Uma menina veio até mim, perguntei quantos anos ela tinha. Quando me disse 14, bateu um pouco de tristeza porque sei das coisas sobre as quais escrevo e me entristece saber que alguém tão jovem consegue se identificar com elas. Não havia espaço para autografar os livros porque ela havia preenchido cada página e cada canto com pequenas anotações, analisando os poemas. Ela tinha vindo da Itália e estava com a mãe. Na hora de ir embora, ela olhou pra trás, voltou correndo e me abraçou.

Você já vendeu mais de 10 milhões de cópias, em 40 idiomas. Qual te surpreendeu mais?
Com certeza o português. Por exemplo, na França, muitas leitoras preferem ler em inglês. Então, quando saiu a edição em português e a editora Planeta me enviou mensagem dizendo que estávamos em primeiro lugar nos mais vendidos, ficamos impressionados. As edições para a Alemanha e para a Holanda também me surpreenderam. Mas o Brasil mais.

Já teve alguma leitora que te procurou para falar que foi vítima de violência? Como age em uma situação como essa?
Tenho muitas leitoras que me disseram que são sobreviventes de agressão sexual ou violência doméstica. Nesses momentos só as abraço e digo como são resilientes e fortes. Sei que há muitos dias difíceis, mas elas estão aqui, de pé. Estamos conectadas, juntas, e podemos fazer isso. É difícil colocar em palavras, mas falo pelo abraço.

Qual foi o "não" mais doloroso que você já ouviu?
Certamente os que recebi em relação ao meu especial de poesia, atualmente na Amazon Prime. Comecei a produzir sozinha. Como já tinha vendido 10 milhões de livros, feito diversas coisas e provado com meus shows e turnês esgotadas que as pessoas estão interessadas em poesia, pensei que seria fácil. Mas não, e foi muito difícil de engolir. Pensei que, se eu vendesse livros suficientes e desse provas suficientes de que as pessoas estavam interessadas no meu trabalho, ouviria um 'sim'. Lembro que, como não conseguíamos encontrar um distribuidor para o especial, voltei para minhas origens, de autopublicação, e acabei disponibilizando o conteúdo online. Até a Amazon Prime aparecer e querer lançar o especial na sua plataforma.

É sua primeira vez no Brasil?
Sim e estou muito animada! Faz tempo que quero ir ao Brasil. Não costumo sonhar com os próximos shows, mas estou sonhando com as apresentações que vou fazer aí. Minhas leitoras brasileiras estão lotando as minhas DMs no Instagram com dicas, me ensinando palavras em português, me dizendo onde comer, o que fazer... É ótimo. Elas são as mais engajadas em todo o mundo. Eu amo!

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