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Collabs: o segredo por trás das parcerias entre estilistas e fast fashion

Day Molina para a C&A - Divulgação
Day Molina para a C&A Imagem: Divulgação

Juliana Finardi

Colaboração para Universa, em São Paulo

04/12/2022 04h00

Day Molina é o nome por trás da quase esgotada coleção recheada de estampas típicas da fauna e flora brasileiras nos cabides da fast fashion C&A. Composta por macacão, kimono, tênis, calça, top cropped, chapéu, camiseta, short, cinto, bolsa e vestido, a parceria da rede com a marca Nalimo é uma das mais autênticas e interessantes do momento, já que traz peças de modelagem oversized (mais ampla no corpo), queridinha das fashionistas, ao mesmo tempo em que levanta a discussão de temas como descolonização da moda e sustentabilidade.

Parece contraditório que uma designer indígena conhecida por sua moda política e uma rede fast fashion (que teoricamente se interesse por um padrão de produção através do qual os produtos são fabricados, consumidos e descartados) estabeleçam uma collab, termo que significa parceria ou junção de duas marcas para a criação de um único produto que atinge ambos os públicos.

Mas a incoerência passou longe da parceria, como explica a própria designer em entrevista a Universa. "Mesmo trabalhando com uma grande varejista como a C&A, que produz em larga escala, fizemos quase 80% de toda criação com tecidos que já usávamos no meu ateliê e que são matérias-primas que poluem menos. Então, foi possível ter um olhar artesanal e manual em cada peça. Não que a gente vá solucionar os impactos negativos das fast fashion, mas podemos estabelecer reflexões profundas a respeito do assunto", afirma Day.

Acostumada com um público consumidor conectado a uma moda sustentável, autoral e com propósito, a estilista também diz que a collab facilitou o acesso das pessoas ao seu trabalho. "Acho que a collab me trouxe uma perspectiva de maior alcance nacional, já que as pessoas vão lá, compram a peça e podem parcelar."

Aos consumidores desavisados, os preços das peças das collabs são mesmo mais "salgados" do que os dos produtos comercializados pelas grandes redes. Um vestido longo da Nalimo para C&A, por exemplo, confeccionado em tecido plano com linho e estampa de mulheres indígenas, custa R$ 259.

A mesma estampa, que também está presente em um chapéu no estilo bucket hat (R$ 103,99) e em um tênis cano baixo já esgotado (custava R$ 149,99), foi criada por Day com inspiração nas mulheres mais próximas de seu convívio —avó, irmã, a melhor amiga, um autorretrato e uma mulher andina compõem o design que ela considera a grande aposta da coleção. A "exclusividade" e assinatura das peças pretendem justificar os preços mais elevados.

Por que tão caro?

"Essas coleções acabam tendo um valor agregado maior —um macacão assinado por Isaac Silva, por exemplo, chegou a custar R$ 429,99—, porém, a exclusividade e identificação criadas pela marca fazem com que o consumidor deseje fazer parte desse universo e aproveite as facilidades de pagamento, como o cartão de crédito próprio da loja", explica a consultora de imagem e CEO do Atelier Bella & Ivone, em São Caetano do Sul, no ABC paulista, Maiza França

Maiza refere-se a mais um estilista que compõe a coleção Identidades, lançada pelo Instituto C&A em outubro deste ano e assinada por designers negros e indígenas. Além de Nalimo, o projeto uniu as marcas Dendezeiro, Isaac Silva Brand e KF Branding a quatro afroempreendedores que atuam no ramo de joias e bijuterias e que foram apadrinhados pelos artistas que criaram as coleções de roupas.

A C&A, que se autointitula uma fashion tech, diz que busca uma conexão emocional com o cliente e que, para isso, trabalha para atender aos desejos dos consumidores. "As coleções contam com peças flexíveis, que conversam com todas as gerações de clientes C&A, e a fonte de inspiração para a criação dos produtos vem das ruas, das redes sociais e das tendências capturadas em viagens de pesquisa", informa a rede, por meio de nota.

Desde o início das collabs, a marca já lançou cerca de 200 coleções, entre elas com Manu Gavassi, Lulu Novis, Duda Beat e Canal Off.

De olho na concorrência

Riachuelo - Divulgação - Divulgação
Peças assinadas por João Incerti para a Riachuelo
Imagem: Divulgação

Na mesma linha da C&A, a concorrente Riachuelo segue firme na tendência das collabs como forma de atingir novos públicos.

"Ainda na década de 1980, lançamos nossa primeira collab com Ney Galvão, um estilista muito forte na época. Fomos bem pioneiros, não existia no mundo este tipo de colaboração. As collabs são um caminho eficiente e criativo para alcançar novos públicos e aumentar a visibilidade da marca", afirma Thais Castro, head de marketing da Riachuelo.

No início do ano, a rede lançou uma coleção jeans ao lado de Renato Kherlakian. Depois veio a parceria com a Approve, marca nativa digital criada pelo influenciador e empresário Leo Picon. Outro marco da Riachuelo neste ano foi o lançamento do projeto Viva Arte, em setembro, criado para reforçar um dos principais valores da marca, o resgate aos elementos culturais do Brasil.

"A iniciativa conta com a colaboração de diversos talentos do universo artsy, como o designer João Incerti, natural do Rio de Janeiro, o baiano Paulo Mariotti e a artista visual paulistana Verena Smit, além do ilustrador recifense Gabriel Azevedo, que encerrará a temporada de artistas", diz Thais. Para 2023, está prevista uma nova collab do projeto Viva Arte.

A executiva da Riachuelo também afirma que além das metas, como valor e volume de vendas, a marca enxerga as collabs como um método eficiente para traçar objetivos mais qualitativos e de reconhecimento da marca. "O que nos permite ter e oferecer uma visão muito completa de mercado e nos conecta a territórios que fazem parte do dia a dia do nosso público, extrapolando a moda para gerar uma conexão ainda mais genuína com o nosso cliente."

renner - Divulgação - Divulgação
A linha re jeans da Renner foi feita em parceria com a designer Agustina Comas
Imagem: Divulgação

Assim como as demais fast fashion, a Renner lançou em outubro a collab Somos Arte, com a intenção de fomentar o trabalho de artistas nacionais. Outra parceria, com a designer Agustina Comas, possibilitou à marca lançar a primeira coleção re jeans, feita a partir de upcycling, técnica que utiliza sobras e peças jeans em desuso para a criação da coleção.

Por meio da Ashua Curve e Plus Size, marca especializada em manequins do 44 ao 58, a Renner também apresenta uma collab com a influenciadora digital Jessica Oliveira da Mata, que é modelo. Composta por uma gama de 13 peças, a coleção possibilita diversas combinações entre tops e bottoms.

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Coleção Somos Arte para a Renner
Imagem: Divulgação

Moda e valor agregado

Na área de moda, as collabs funcionam bem para agregar valor e propósito para ambas as marcas, como explica Maiza França.
Um exemplo bem conhecido foi a parceria entre a marca de streetwear Supreme com a luxuosa Louis Vuitton. Essa colaboração teve como intuito trazer jovialidade e modernidade para a grife francesa e posicionamento e exclusividade para a Supreme.

"Para as fast fashion, as collabs têm funcionado para descaracterizar esse mercado que por tanto tempo teve a imagem ligada à produção têxtil insustentável. Com os consumidores cada vez mais informados e interessados em quem ou como foram produzidas as peças, as marcas foram obrigadas a se mexer para reestruturar sua imagem", diz a consultora.

Dica de ouro na hora de comprar

Para as fashionistas de plantão, um ponto a ser levado em consideração na hora da compra é a identificação de fato com esse estilo urbano, já que as peças das coleções têm em sua maioria estampas grandes e coloridas ou recortes diferenciados.

"A qualidade e exclusividade estão garantidas, mas nenhuma tendência é boa o bastante se sua roupa ficar parada no armário", ensina Maiza.