Topo

Chamada de 'demônio', antropóloga denuncia deputada bolsonarista de SC

A antropóloga Simony dos Anjos, da Rede de Mulheres Negras Evangélicas - Reprodução
A antropóloga Simony dos Anjos, da Rede de Mulheres Negras Evangélicas Imagem: Reprodução

De Universa, em São Paulo

13/10/2022 18h02Atualizada em 14/10/2022 11h32

A antropóloga Simony dos Anjos apresentou uma queixa no Ministério Público de São Paulo contra a deputada estadual Ana Campagnolo (PL-SC), reeleita na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina), por incitar seus mais 1,2 milhão de seguidores a promover discurso de ódio contra ela no Instagram.

Simony, que também é secretária executiva da Rede de Mulheres Negras Evangélicas, prepara uma ação cível pedindo reparação por publicações nas quais a deputada diz que a antropóloga é o "demônio". Candidata a deputada federal nas últimas eleições pelo PSOL em São Paulo, Simony quer a publicação de direito de resposta nas próprias redes da deputada catarinense.

No dia 6 de outubro, Ana Campagnolo compartilhou uma entrevista que Simony concedeu ao Portal Catarinas, no contexto de um projeto sobre diversidade cristã, com o comentário "toda feminista é abortista, todo abortista é do demônio. Não existe feminista cristã". Segundo Simony, a parlamentar pediu que seus seguidores reproduzissem o comentário em um post com a entrevista.

A deputada tem um histórico de militância antifeminista. Em seu perfil no Instagram, alega ser "a única mulher conservadora no parlamento catarinense". Ela embasa textos que deturpam o feminismo patrocinados no Google e entrou na Justiça, em 2016, contra uma pesquisadora em estudos de gênero e feminismo da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina).

Publicação de deputada estadual Ana Campagnolo em que incita seus seguidores a atacarem antropóloga - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Publicação de deputada estadual Ana Campagnolo em que incita seus seguidores a atacarem antropóloga
Imagem: Reprodução/Instagram

"Parecia só comentário de haters nas redes sociais, coisa que nunca dei muita bola. Mas isso ganhou outro caráter porque ela é uma deputada eleita, que tem uma estrutura de gabinete, funcionários contratados com dinheiro público, e eu, uma cidadã", diz Simony.

Campagnolo foi reeleita como a parlamentar mais votada do estado, com 196 mil votos. Procurada por Universa, não respondeu ao pedido de entrevista até a publicação deste texto.

"Ao expor minha imagem na rede social ela naturaliza uma onda de ódio contra mim, expõe a mim e a minha família de modo perigoso, com minha foto rodando por aí em grupos conservadores, que podem me reconhecer. É ainda pior agora, em que há um momento político de guerra e disputa religiosa, com pessoas dizendo que alguém é do demônio."

Assim que tomou conhecimento dos ataques, Simony entrou com a denúncia no MP-SP pedindo a investigação em âmbito criminal contra a deputada.

Simony conta que já havia criticado a deputada em um artigo sobre a abertura da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Aborto na Alesc, requerida pela deputada após a Justiça autorizar uma menina de 11 anos a fazer o procedimento de interrupção da gravidez no estado. O requerimento para a criação da CPI foi aprovado em julho. A comissão, que foi instalada nesta terça-feira (11), vai investigar os profissionais da saúde que realizaram o aborto legal da criança.

Em seu texto, Simony afirma que a CPI proposta por Campagnolo configura abuso de poder e promove perseguição. "Não sei se foi essa crítica que gerou esse ataque porque fui a única das personagens do projeto do Portal Catarinas que teve a imagem exposta", diz.

Ela deseja que um inquérito seja instaurado contra Campagnolo. "Existe uma regulamentação mínima da internet. Também pretendo ir à delegacia de crimes cibernéticos oficializar a denúncia. Estamos num estado democrático de direito e precisamos defender as instituições de um aparelhamento das religiões que tem se tornado mais fortes que as próprias instituições. Uma deputada eleita que faz isso tem certeza de que não será punida."

A antropóloga recebeu apoio público de movimentos sociais, do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Universidade de São Paulo) e da Rede de Mulheres Negras Evangélicas.

"Sou tão evangélica quanto ela"

Assim como Campagnolo, Simony é presbiteriana. "Somos da mesma denominação evangélica, mas de igrejas diferentes —ela da Presbiteriana do Brasil, e eu da Presbiteriana Independente— mas somos do mesmo sistema doutrinário. Sou uma pessoa tão evangélica e tenho minha fé como ela, embora tenhamos opiniões diferentes."

Nesta disputa pelo voto evangélico nas eleições presidenciais neste ano, Simony afirma que há muito desconhecimento do tema — inclusive ao homogeneizar os setores religiosos, que podem, também, estar em grupos de esquerda e progressistas.

"Não existe movimento social no Brasil, seja ele sem-terra, sem teto ou qualquer outro, sem cristãos. Quando você tem uma população cristã e religiosa, essa população vai estar dividida em vários espectros políticos. O meio protestante e católico sempre se engajou politicamente", diz.

"O que acontece é que um grupo estruturado de parte de segmentos neopentecostais conseguiu difundir uma narrativa única evangélica, com esse discurso inflamado na defesa da família, temas relacionados à sexualidade, drogas e liberdade religiosa", avalia Simony.

"Mas uma tradição mais progressista sempre existiu para se contrapor a essa unanimidade. "

Para a antropóloga, os ataques têm como objetivo calar uma vertente religiosa progressista.

"Minha vida virou de ponta cabeça, estou com medo e acuada. É uma tática de intimidar as pessoas que pensam diferente, como minha postura declarada em relação ao aborto que, para mim, é questão de saúde pública" Simony dos Anjos, antropóloga

"Como mulher religiosa, acredito que a constituição é laica, matéria do estado e não da igreja e da religião."