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Pesquisa: Evangélicas admiram Michelle e rejeitam politização de igrejas

 Michelle Bolsonaro: ao lado do marido, ela é vista como "enviada de Deus" pela maioria das mulheres entrevistadas -  O Antagonista
Michelle Bolsonaro: ao lado do marido, ela é vista como "enviada de Deus" pela maioria das mulheres entrevistadas Imagem: O Antagonista

Julianna Granjeia

Colaboração para Universa, em São Paulo

30/09/2022 13h58

Pesquisa inédita do Iser (Instituto de Estudos da Religião) sobre mulheres evangélicas, política e cotidiano mostra que a relação entre religião e política partidária é vista de forma negativa, comício em púlpito afasta fiéis e o voto é decidido por elas próprias, depois de ouvir sugestões e pesquisar.

As evangélicas que declararam voto ao presidente Jair Bolsonaro (PL) ouvidas pela pesquisa consideram "sinceridade" e "honestidade" como as principais qualidades atribuídas a ele, assim como a doméstica Juçara Braz da Silva Fernandes, 40, de Antônio Carlos (SC), ouvida por Universa.

"Gosto que ele sempre foi sincero e não tem medo de ser verdadeiro. Ele paga um preço alto por isso. Para mim, foi Deus que botou ele ali, pelas atitudes dele. Porque Deus é bom e misericordioso e ele coloca as pessoas onde elas devem estar na hora certa", diz Juçara.

O estudo qualitativo foi realizado durante os meses de maio a julho de 2022 com 45 mulheres entre 16 e 65 anos, de todas as regiões do Brasil, de diferentes faixas etárias, raça e classes sociais e divulgado nesta sexta-feira (30).

"O ideal de família unida tem um apelo muito grande na sociedade brasileira e esse peso recai, especialmente, nas mulheres. Isso foi muito bem trabalhado por Jair Bolsonaro desde 2018 e está sendo ainda mais explorado neste ano, com o envolvimento de Michelle Bolsonaro na campanha do marido", analisa Magali Cunha, doutora em ciências da comunicação e pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião).

Michelle é vista como exemplo a ser seguido entre as entrevistadas. As imagens de mãe, esposa, crente, mulher que nasceu em região periférica, de família desajustada, que engravidou e teve que enfrentar sozinha a criação da primeira filha, causou identificação em algumas dessas mulheres entrevistadas, segundo a pesquisa. E é também a opinião de Deurany Rita de Oliveira Lima, de Valparaíso de Goiás, 55, que acha que a esposa do presidente será a próxima Michelle Obama.

"Acho que ela ajuda a podar ele um pouquinho. Às vezes ele fala demais, né? Uns palavrões. Não gosto de baixaria, então, admiro a postura dela", afirma

"Michelle é a esposa que tem problemas na família, que é virtuosa por aguentar tudo, os filhos do casamento anterior, o marido grosseiro, mas que sustenta tudo e apoia", explica Magali. "Isso cola demais. Mas há também aquelas que acham que família não é só a questão moral, é cuidar das necessidades, da sobrevivência."

Esse é o caso da jornalista Eduarda Porfírio Costa, 23, de Fortaleza, negra, filha de pais com problemas com drogas e criada pelos avós na periferia da capital cearense.

"Vai ser bom para o Brasil ter alguém que advoga sobre família mas ataca pessoas LGTBQIA+? Para qual família ele está advogando? Qual é a família tradicional que eles falam? Eu, por exemplo, não sou. Nasci de uma mãe adolescente, tenho um pai viciado em drogas e sou criada pelos meus avós", diz Eduarda.


Diversidade é forte entre devangélicas

Evangélicos, geralmente, são descritos como um bloco único e coeso. As evangélicas, como mulheres submissas, e suas igrejas, como instituições que promovem apenas valores patriarcais.

Essa visão monolítica foi construída a partir dos anos 2000 por um olhar de uma sociedade majoritariamente católica.

"Na verdade, a diversidade é a principal característica desse grupo religioso desde que ele nasceu, na Reforma Protestante, no século 16. Ali já existiam várias vertentes e justamente por isso houve o desligamento da Igreja Católica. O catolicismo, sim, tem um porta-voz único. Tem o papa, tem a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). E a imprensa caiu nessa armadilha de buscar um porta-voz único nos grupos evangélicos, que não são centralizados", explica Magali Cunha, do Iser.

Pastores de grandes igrejas que, segundo Magali, instrumentalizam a fé para fazer política em busca de ganhos econômicos e de poder se aproveitam dessa visão. "Um exemplo forte é Silas Malafaia que se deu a função de ser porta-voz do evangélicos usando da estratégia de fazer crer que há uma homogeneidade que não existe", afirma a pesquisadora.

A igreja da funcionária pública aposentada Eliana Baraçal Lopes, 67, de Santos (SP), chamada 100% Vida, por exemplo, foi fundada por pastores suecos e está presente apenas na Baixada Santista.

"A igreja para mim é o corpo de Deus, por isso não me decepciono. É formada por homens, que são falhos. Minha igreja sempre foi mais moderna, quando eu aceitei Jesus, falei ao meu pastor que não ia deixar de usar calça comprida e que eu achava que isso não tinha nada a ver. Ele concordou comigo e disse que Deus vê o coração e não a roupa", conta Eliana.

Jacqueline Teixeira, professora do Departamento de Sociologia da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora do Iser, que coordenou o estudo sobre mulheres evangélicas, explica ainda que as lideranças masculinas de grandes igrejas possuem muita visibilidade por estarem ligadas a canais de televisão e presentes no cenário político. No entanto, eles não são unanimidade na comunidade evangélica.

"A grande maioria das mulheres que se declara evangélica no Brasil pertence às chamadas 'igrejas garagens', que são as pequenas que existem aos montes nos territórios periféricos em todo o país. E essas costumam ser lideradas por mulheres e não possuem ligação direta com políticos" Jacqueline Teixeira, professora do Departamento de Sociologia da UnB e pesquisadora do Iser, que coordenou o estudo sobre mulheres evangélicas

"A atividade política dessas comunidades é, de certa forma, suprir a ausência do Estado e garantir uma rede de sobrevivência nessas regiões", explica a pesquisadora da USP.

A pesquisa do ISER revelou, ainda, que maioria das mulheres evangélicas se informam sobre política pelas mídias sociais, em especial os grupos de família do WhatsApp, além de Facebook, Youtube e Instagram.

A propaganda eleitoral não foi citada como meio de informação e apenas mulheres mais velhas declararam assistir a debates eleitorais. E estas criticaram o formato e os políticos participantes.