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'Erotismo sem conteúdo e machista': sexólogas criticam trilogia '365 Dias'

"365 Dias Finais" marca o fim da trilogia - Divulgação/Netflix
"365 Dias Finais" marca o fim da trilogia Imagem: Divulgação/Netflix

De Universa, em São Paulo

19/08/2022 18h35

A trilogia "365 Dias", lançada pela Netflix em 2020, ganhou, nesta sexta-feira (19)seu terceiro e último filme da franquia: "365 Dias Finais". Os filmes anteriores obtiveram sucesso de audiência e ficaram por semanas no top 10 da plataforma em diversos países - inclusive no Brasil. A continuação, chamada "365 Dias: Hoje", chegou à Netflix em abril.

A produção polonesa, de baixo orçamento, conta a história de Laura (Anna-Maria Sieklucka), sequestrada por Massimo (Michele Morrone) para que ela se apaixone por ele — uma relação construída a partir do abuso e do não consentimento. No terceiro filme, Laura está indecisa em relação a seus sentimentos a Massimo e Nacho (Simone Susinna).

O sucesso da franquia pode ser explicado por suas cenas de sexo e fetiches, mostrando a popularização de filmes eróticos, principalmente voltados a um público feminino. Mas o enredo é criticado por sexólogas que assistiram ao filme a convite de Universa. Elas dizem que a história estigmatiza práticas e também criticam o viés machista da produção — pontos que elas dizem não terem melhorado com o último filme da franquia.

A crítica, fique claro, não é pelo gênero. A sexóloga Lelah Monteiro diz que a popularização de filmes eróticos é importante e fundamental para criação de fetiches saudáveis e discussão sobre sexualidade.

"Precisamos também ter filmes eróticos disponíveis a um grande público em plataformas como o Netflix. Mas, do ponto de vista do conteúdo, eu acho bastante complexo o modo como a sexualidade da mulher e a prática BDSM [conjunto de práticas sexuais consensuais envolvendo bondage e disciplina, dominação e submissão, sadomasoquismo] são retratadas", diz a sexóloga. "Existe, nos filmes, um lugar de um subjugamento da mulher, tem um lugar ainda de uma submissão e de uma idealização, de uma romantização."

Para ela, tem como falar da franquia sem citar outro sucesso do gênero, "Cinquenta Tons de Cinza". "São produções diferentes, mas que conversam bem. Ainda vemos retratado o sonho da Cinderela, o homem muito rico, aquela pessoa que quase não conversa, mas que tem pegada, novamente a história de uma gravidez, achando que a pessoa vai mudar, então acho um enredo pobre, com uma finalização pobre", diz Lelah.

Cena de "365 Dias Finais" - Netflix - Netflix
365 dias finais
Imagem: Netflix

O novo lançamento da produção polonesa foca, desta vez, no triângulo amoroso. Mas sem debater questões interessantes que podem surgir da confusão de sentimentos da protagonista, como o poliamor. É o que pontua a séxologa Cissa Aguiar.

"Será que só podemos amar uma pessoa? Ou podemos amar mais de uma pessoa, porém de forma diferente? A base do poliamor é esta, que mostra que conseguimos sim amar mais de uma pessoa, porém de forma diferente. No contexto vivido por Laura isso nunca seria possível e ela precisaria escolher", diz.

Para Cissa, o novo filme da trilogia decepciona ao focar no erotismo sem conteúdo. "O filme segue a mesma linha dos anteriores, com pouca história e muita sedução, com cenas tórridas de sexo, com fetiches sadomasoquistas, mostrados na cena em que Massimo tenta fazer sexo com uma mulher, mas não consegue por se lembrar de Laura — o que mostra que ele realmente tem sentimentos por ela, apesar de não demonstrar de forma romântica e sim tóxica", analisa a sexóloga.

"O sexo com ambos é intenso e prazeroso. Com Massimo ela tem uma relação de sedução, poder, brigas e reconciliações e um sexo mais animalesco, tórrido. Ela se sente controlada por ele. Já com Nacho o sexo é mais romântico, carinhoso, com palavras doces, mas com muito prazer também e uma liberdade que a encanta, o que a deixa em uma encruzilhada sem saber o caminho a seguir", completa.

"Nacho é um homem que ela se sente protegida, cuidada, livre para viver e ainda tem um sexo prazeroso com amor, carinho e romance, diga-se de passagem, o que a maioria das mulheres quer, por mais que hoje as mulheres tenham liberdade, independência", diz.

Mesmo tendo que fazer uma escolha aparentemente difícil entre um relacionamento tóxico e outro aparentemente mais saudável, o filme termina com um enredo aberto. "O filme da trilogia que deveria ser o final decepciona por terminar sem um final, deixando no ar a sensação de que vem por aí uma parte quatro", diz.

Para ela, assim como "Cinquenta Tons de Cinza", o filme instiga a imaginação e causa excitação a quem assiste. "Sou a favor de filmes eróticos ao invés de pornográficos, pois tem um enredo, uma história e cenas quentes de sexo que ajudam a despertar a fantasia, desejo e a excitação", diz. Mas peca no senso comum e na estigmatização da sexualidade feminina, diz.