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Juíza alerta sobre respeito à mulher e advogado rebate: 'Mundo está chato'

Juíza relatou caso em ata de audiência, em detalhes, inclusive resposta de advogado - Reprodução
Juíza relatou caso em ata de audiência, em detalhes, inclusive resposta de advogado Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

16/08/2022 21h45Atualizada em 18/08/2022 09h33

Um advogado foi repreendido por uma juíza, que teria percebido nos gestos e entonação do profissional uma certa agressividade e desrespeito às mulheres. Após a advertência durante uma audiência na 4ª Vara do Trabalho de Goiânia, o homem rebateu a colocação dizendo que o "mundo está muito chato".

Em relatório obtido pelo UOL, a magistrada Jeovana Cunha de Faria, apontou um comportamento "aparentemente misógino" [de ódio às mulheres] no Tribunal, com "tom de voz alterado e as gesticulações excessivas e agressivas", no dia 5 de julho — e registrou todo o ato e resposta em ata oficial.

De acordo com a advogada Lara Nogueira, que estava representando a outra parte na audiência, a situação começou após ela pedir para ouvir uma testemunha que ele tinha levado. "Ele se opôs. Disse que [a testemunha] era dele. Eu então afirmei que só a juíza poderia responder. Nesse momento ele começou a mexer no celular e pedi para que ele não fizesse isso", contou ela ao UOL.

Após o pedido, o advogado se exaltou, segundo Lara. "A juíza chamou atenção dele, pediu para ele mexer no celular apenas se fosse essencial. Então, ele começou a gesticular, falar alto."

No relatório, a magistrada afirma que ele "alterou o tom de voz, começou a gesticular de forma agressiva e passou a se dirigir à sua colega pelo nome, sem a aposição da palavra doutora, e afirmou que ela estava insinuando que ele estava fazendo algo de errado enquanto mexia no celular."

A juíza interveio, pontuando que a advogada estava apenas cumprindo seu papel e falando com educação. "Quando alertado por esta Magistrada acerca do conteúdo aparentemente misógino de seu comportamento, afirmou: 'o mundo está muito chato mesmo'", relatou juíza em documento.

"Foi uma maneira realmente agressiva de se portar. Nós duas estávamos falando baixo com ele, que tentava se impor a todo momento", relembra a advogada Lara.

Na ata da audiência, a magistrada classificou que a afirmação do advogado "reverbera o desrespeito que grassa na sociedade em relação às mulheres e ao direito das minorias", citando ainda uma reflexão da também advogada Gabriela Prioli:

"É mimimi reclamar de racismo estrutural num país em que os negros estão sobrerrepresentados entre os que vivem abaixo da linha da pobreza, os jovens negros são as vítimas preferenciais da polícia e, no ano passado, as mulheres negras receberam 44,4% do salário dos homens brancos. Aliás, é mimimi discorrer sobre dados de violência contra a mulher no Brasil", diz trecho escolhido pela magistrada.

Jeovana também determinou que "comportamentos congêneres não serão tolerados por este juízo" e que seriam "tomadas todas as providências legais cabíveis à espécie."

A audiência seguiu e, ao final, o advogado pediu desculpas para Lara e Jeovana, que considerou suficiente a advertência realizada por ela na audiência.

Lara conta que, depois do episódio, não conversou novamente com o advogado. Hà 7 anos atuando como advogada, ela diz que, depois do ocorrido, começou a refletir sobre outras situações semelhantes. "A gente abre o olho para o que passamos por todos os dias. Não é apenas com colegas advogados, mas também com clientes."

Ela diz que, recentemente, percebeu um assédio de um cliente por mensagem de texto. "Eu nunca vi ele na vida e ele começou a me escrever dizendo que estava com saudades, me chamando de 'meu bem'. Eu sequer converso com a pessoa", relata.

Para ela, o fato de ser mulher interfere no tratamento que recebe profissionalmente. "Penso que é porque é uma sociedade que nos vê de forma mais inferior ainda. Espero que ao menos essa situação sirva para que a gente perceba que não podemos tolerar isso mesmo", finaliza.

O UOL tentou contato por ligação telefônica com o advogado mencionado, mas não teve as ligações atendidas. A reportagem também entrou em contato por mensagem de texto com o escritório que ele representa, mas, até o momento, não obteve resposta. O profissional não foi localizado nas redes sociais. O espaço segue aberto para eventuais manifestações de sua defesa.