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'Tirei o nome do meu pai da certidão após abandono'; o que a lei permite

Elisabete Da Mata foi adotada pelo padrasto, Manoel, e retirou o nome do pai biológico da certidão de nascimento - Arquivo pessoal
Elisabete Da Mata foi adotada pelo padrasto, Manoel, e retirou o nome do pai biológico da certidão de nascimento Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa, do Rio de Janeiro

01/08/2022 04h00

Grávida após dois encontros com o pai de sua filha caçula, a empresária Olíbia Copque, de 37 anos, ouviu do homem que não tinha amor pela menina, hoje com 10. Ele chegou a propor de fazer um exame de DNA para comprovar a paternidade, mas desistiu ao se ver na criança, e a registrou. Mas nunca mais apareceu e teve seu sobrenome retirado da certidão de nascimento da menina. Depois disso, ela ganhou o nome do atual marido de Olíbia.

"Após um ano morando com meu atual marido, com quem estou há dez, ele disse que queria adotar a minha filha, mas para isso eu precisava de permissão do genitor. Escrevi então um e-mail explicando a situação e em dez minutos ele respondeu autorizando a adoção, dizendo que não tinha amor pela filha. Por mim, retirava era seu nome de vez", conta Olíbia, mãe também de um adolescente de 17 anos.

Muitas mulheres que passam por essa situação de abandono paterno tem procurado a Justiça para retirar o sobrenome do pai biológico dos documentos da criança. E é esse o caminho: entrar com ação alegando abandono afetivo.

No mesmo processo o genitor pode também perder o seu poder familiar, como, por exemplo, não ter o direito de conceder ou negar permissão para a criança viajar ao exterior, ou brigar pela guarda, conforme explica o coordenador da infância e juventude da Defensora Pública do Rio de Janeiro, Rodrigo Azambuja. "O poder/dever de criação e educação é extinto, não a filiação", Azambuja descreve. Ou seja: esse filho continuará tendo direito à pensão e à herança, por exemplo.

No caso de Olíbia, a certidão de sua caçula consta dois nomes: do pai biológico e o do socioafetivo. E o sobrenome da criança é o mesmo de seu atual marido.

"Ela sempre o chamou de pai e nem gostava de ter o outro sobrenome. Meu marido cuida dos meus filhos com tanto amor que até meu mais velho queria ser adotado também, mas ele tem contato com o pai biológico, com quem fui casada, e achamos melhor não mexer nisso", explica.

Elisabete Da Mata também incluiu o nome dos pais de Manoel na certidão de nascimento - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elisabete Da Mata foi adotada pelo padrasto, Manoel, e retirou o nome do pai biológico da certidão de nascimento
Imagem: Arquivo pessoal

"Até a filiação foi trocada"

Dentro do Código Civil há outras hipóteses para mudança de nome, como no caso de o pai ou a mãe cometer crime hediondo (estupro ou feminicídio), para evitar constrangimento à criança.

É possível também retirar totalmente a filiação da certidão. Uma das hipóteses seria no caso de a pessoa que registrou não ser o pai biológico nem ter vínculo socioafetivo com ela. Ele foi apenas um pai registral. É o que explica a advogada especialista em direito da família Mariana Régis.

Ela explica que é bastante procurada por mães e filhas afirmando sofrimento ao ter que lembrar o nome de um pai ausente. "O registro do nome deste pai que abandonou traz lembranças ruins tanto para a mãe quanto para o filho na hora de preencher um documento", diz.

Outra forma possível de retirar da certidão o nome do pai biológico com quem nunca se estabeleceu relação é quando acontece a adoção unilateral pelo novo companheiro da mãe, contando que haja uma relação socioafetiva entre eles.

Mas o código civil determina que essa adoção tenha consentimento dos pais ou do representante do adotante, salvo quando são desconhecidos ou tiverem sido destituídos do poder familiar. Quando o adotante for maior de 12 anos, ele também precisa aceitar. Mas Mariana ressalva que a Justiça analisa cada contexto individualmente.

Foi o que aconteceu com a dona de casa Elisabete da Mata, de 49 anos. Seu pai biológico saiu de casa após uma discussão com a mãe dela, na época grávida de nove meses do quinto filho.

A Universa, a moradora de São Caetano, na Grande São Paulo, conta que o homem era alcoólatra, e na ocasião em que foi embora estava bêbado. Elisabete tinha 5 anos.

Quando ela completou 11, sua mãe conheceu o padrasto, com quem oficializou a união em 2005. Há três anos, ele entrou com pedido de adoção de maior, resultando na retirada do nome do pai e dos avós paternos biológicos da certidão dela e dos irmãos. Ela incluiu o nome dos pais dele também.

"Meu padrasto nos criou com dificuldades, mas muito amor e carinho, e todos queríamos o nome dele na certidão. Começamos o processo há seis anos, contratamos advogados e conseguimos. Ele não mede esforços para nos ver felizes até hoje."

Elisabete conta que seu pai biológico morreu há alguns anos, deixando uma outra família em Fortaleza. "Eu não lembro dele. Para mim e meus irmãos foi uma alegria imensa retirar seu nome."

Saúde mental

Recentemente, a advogada Gabriella Guevara explicou para suas seguidoras no Instagram, Direito Mais Elas, como prosseguir com as mudanças, e foi surpreendida com uma leva de mensagens de mulheres interessadas em cortar o vínculo paterno. Ela diz que além do abandono, há a preocupação com a saúde mental dos filhos caso eles continuem carregando o nome de uma pessoa praticamente desconhecida.

"Há um medo contínuo de o pai sumir por anos e depois aparecer e querer se aproximar da criança. Isso pode provocar uma bagunça na rotina e também psicológica na vida da criança", Gabriella exemplifica.