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Policial acusado de agredir a ex: pode ter homem na Delegacia da Mulher?

O policial civil Marcos André de Oliveira dos Santos - Reprodução/ Redes sociais
O policial civil Marcos André de Oliveira dos Santos Imagem: Reprodução/ Redes sociais

Marcela Lemos

Colaboração para Universa, no Rio

27/07/2022 16h27

Em um trecho das gravações feitas pela ex-companheira do policial civil Marcos André de Oliveira dos Santos, que o acusa de agressão, ela questiona:

Marcos, você prende quem faz isso. Como você está fazendo isso comigo?

Santos era chefe de investigação da Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher), em Jacarepaguá, zona oeste do Rio. Ele se tornou réu no Tribunal de Justiça do Rio pelos crimes de lesão corporal, injúria e ameaça, praticados contra a ex-namorada. Enfrenta, também, um processo administrativo disciplinar na Polícia Civil que pode acarretar em advertência ou até em exoneração.

Procurado, o advogado do policial, Márcio Alexandre dos Santos, informou ontem que "aguarda intimação da suposta denúncia para esclarecer os fatos alegados em juízo" e hoje não quis se manifestar.

Mas pode ter homens trabalhando nas Delegacias de Atendimento à Mulher?

O artigo 10 da Lei Maria da Penha diz que "é direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores —preferencialmente do sexo feminino— previamente capacitados".

No entanto, a lei não exclui o atendimento feito por homens nesses espaços especializados.

Universa apurou com uma fonte da Polícia Civil que a presença masculina é considerada importante nas Delegacias da Mulher, inclusive no que se refere à possibilidade de operações policiais. Além disso, é avaliada como necessária para um ambiente integrado e para mudanças culturais na sociedade no que se refere à mulher.

Especialmente porque as equipes que trabalham nesses espaços não recebem capacitação especial. Ainda de acordo com a fonte ouvida por Universa, os policiais recebem capacitação regular, porém não específica para o caso de atendimento ao público feminino. Treinamentos extras também não são obrigatórios.

Nas gravações em que Santos é ouvido batendo e cuspindo na ex-companheira, ela pergunta: "Então, polícia pode bater em mulher?". Ao que ele responde: "Pode, pô. Se a mulher merecer, pode".

Homenageado na Câmara dos vereadores

Universa apurou que, em abril de 2015, Santos chegou a receber da vereadora Verônica Costa (PL) uma moção de louvor "pelos serviços prestados" -uma das grandes homenagens da Câmara dos Vereadores do Rio.

No documento, a vereadora afirmou que Santos "se destaca pela seriedade, abnegação e carinho [com] que conduz seu trabalho".

Na época, o policial estava lotado na Deam de Campo Grande, na zona oeste do Rio.

"Nosso homenageado rege seus seus afazeres com ética e determinação à frente de seus objetivos profissionais, levando como norte o princípio da cidadania em todas as suas batalhas. [...] Uma pessoa ímpar e de extrema relevância em seu trabalho."

À reportagem, a vereadora não se recordou da homenagem feita há sete anos e explicou que elas ocorrem com base em pessoas que se destacam na mídia com trabalho relevante ou indicação da própria equipe ou amigos em comum.

"É baseado no que a gente acompanha. Eu sempre levei empoderamento às mulheres e não esperava que ele [Santos] fosse se tornar esse monstro. Estou à disposição do que ela [a vítima] precisar, meu mandato está aqui à disposição. Repúdio ao máximo à violência", disse a vereadora.

Segredo de Justiça

Segundo a Polícia Civil, o processo disciplinar que avaliará as denúncias contra Santos está em andamento e sem previsão de conclusão. Na Justiça comum, a ação corre em segredo de Justiça. Se condenado, ele pode ficar preso por cinco anos.

O policial foi denunciado pelo Ministério Público do Rio depois que a mulher procurou a Corregedoria da Polícia Civil para denunciá-lo por agressão. Ela contou que teve o cabelo puxado, chegou a ser imobilizada, xingada e ameaçada pelo agente com quem teve um relacionamento. A vítima gravou os diálogos com o ex para comprovar as violências sofridas.

Em um dos áudios ele pede para a vítima escolher entre "soco na cabeça, spray na garganta ou apneia, que é ficar um pouco sem respirar".

Gravações valem como prova na Justiça?

Neste caso, sim. O professor de direito penal Ozéas Lopes, da UFF (Universidade Federal Fluminense), explica que todas as gravações realizadas por interlocutores são lícitas.

"É legal eu mesmo gravar a minha conversa. Qualquer diálogo pode ser gravado e considerado instrumento de prova. O que não poderia é a gravação realizada por um terceiro."

Por que o caso corre em segredo de Justiça?

O professor de processo penal da PUC-SP Cláudio Langroiva Pereira explica que o segredo de Justiça não tem relação com o fato de o suspeito ser policial civil. Segundo ele, a medida visa a preservação da imagem do réu, que ainda não foi julgado, e também da vítima.

"No que se refere ao réu, a decisão de manter em sigilo tem a ver com o princípio de presunção da inocência e a exposição pública, já que um caso de interesse público pode levar a um julgamento indevido. No tocante à vítima, o segredo é decretado para preservar a imagem e evitar mais uma situação vexatória."