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Mulheres abandonadas na gravidez: 'Genitor sumiu no quarto mês de gestação'

O pai do filho de Karina Soares, 23 anos, sumiu depois do quatro mês de gestação  - Acervo pessoal
O pai do filho de Karina Soares, 23 anos, sumiu depois do quatro mês de gestação Imagem: Acervo pessoal

De Universa, São Paulo

27/07/2022 04h00

O abandono paterno não é incomum no Brasil. De acordo com o portal da transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), em 2022 o Brasil registrou até o momento (22/7), 1.436.907 nascimentos. Deste número, 95.011 são de pais ausentes. Ou seja, cerca de 6% das crianças nascem sem o reconhecimento do pai em sua certidão.

Universa procurou mulheres que foram abandonadas pelos pais dos seus bebês durante a gestação. O genitor do filho de Karina chegou a questionar a paternidade, sugerindo um teste de DNA, mas não chegou a realizar o exame. O de Gabriele, abriu mão da paternidade logo que ela avisou da gravidez e nunca conheceu a filha. Veja os depoimentos completos a seguir:

"Ele sumiu no quarto mês de gestação"

"Nós não tínhamos um relacionamento tradicional. Nos conhecemos por uma amiga em comum e ficamos algumas vezes. Aconteceu que eu engravidei. No começo, quando ele soube da gestação, disse que ia me dar suporte e ficar comigo. Chegou até a me acompanhar em algumas consultas. Mas quando completei quatro meses, ele sumiu.

Não me mandava mais mensagens, não perguntava como eu estava. Ele desapareceu por dois meses. Cheguei a ficar com depressão por causa da ausência dele. Eu tinha sentimentos por ele, esperava que fossemos ficar juntos. Pelo menos, foi o que ele me garantiu. Senti falta dele nas consultas. Eu tinha ajuda da minha família, mas a dele era primordial. Passar pela maternidade sozinha acabava comigo.

Foi um choque descobrir a gestação, mas como já tinha sofrido um aborto espontâneo, lá no fundo, eu tinha vontade de ser mãe. Só não agora. Mas ser mãe não é um bicho de sete cabeças, o que me complicou foram as reações dele. De resto, nada mais me abalou.

Em meio a tanto sofrimento, meu filho nasceu prematuro, em janeiro, e precisou ficar internado por quatro meses. O pai nunca o viu e nem o conhece. Sequer o registrou. Depois de um certo tempo comecei a entender que meu filho, na verdade, é só meu. Ele até marcou de eu ir na casa dele para levar o bebê para ele conhecer, mas no dia sumiu mais uma vez.

Karina Soares cria seu bebê sozinha e tem mágoa do genitor - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Karina Soares cria seu bebê sozinha e tem mágoa do genitor
Imagem: Acervo pessoal

Quando contei que estava grávida , ele duvidou que o filho era dele. As pessoas começaram a colocar coisas na cabeça dele e ele desconfiou de mim. Me senti muito ofendida com o pedido. Eu conversava até com a mãe dele e me deixou arrasada com essa dúvida.

O combinado era fazer o DNA assim que nascesse, mas ele não fez. Pediu para eu correr atrás disso. O coloquei na justiça para ter o nome dele no registro e conseguir pensão. É um direito do meu filho. Ele não me ajuda em nada e o bebê toma fórmula, que é cara e o vidro não dura uma semana. Sem contar outros gastos.

Esperava pelo menos que fossemos amigos e nos déssemos bem. Mas tenho muita mágoa, não consigo esquecer tudo.", Karina Soares, 23 anos, cabeleireira, Rio de Janeiro

"Me disse que se tivesse descoberto a gravidez com até três meses 'dava para dar um jeito'"

Gabriele Flores, 36 anos, nunca foi contactada pelo pai de sua filha para saber da criança em 14 anos - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Gabriele Flores, 36 anos, nunca foi contactada pelo pai de sua filha para saber da criança em 14 anos
Imagem: Acervo pessoal

Em meados de 2006 tive um relacionamento que ficava indo e voltando. Não tínhamos o compromisso do namoro, mas ficávamos sempre. Passamos todos os finais de semana juntos por um ano e meio: ou ele na minha casa ou eu na dele. Em um final de semana, uma das minhas amigas perdeu o namorado de uma forma horrível, em um assassinato. Disse a ele que não iria à festa porque estava dando apoio a ela. Mas ele iria com os amigos. Estávamos em casa e essa amiga decidiu ir, ela queria desopilar depois do que aconteceu. Ele não sabia que eu iria, e chegando lá, o vi com outra mulher. Ele tentou dizer que não era nada, mas eu já tinha os visto juntos. Então terminamos.

Dois meses e meio após esse encontro, descobri que estava grávida. Vinha sentindo muitas dores nas costas. Meu médico me pediu uma ecografia e foi aí que descobrimos a gestação: eu estava com quase seis meses. Tinha me formado há um mês e nem queria olhar na cara dele, mas tinha que contar da gestação.

Avisei que precisávamos conversar e, no dia que ele foi se matricular na faculdade, que era muito próximo a minha casa, fui lá com meus exames. Quando eu contei, ele me perguntou de quem era. Falei que era dele e ouvi que ele não estava pronto para ser pai, que queria um DNA. Que se eu estivesse até uns três meses dava para dar um jeito. Eu também não estava pronta para ser mãe, mas percebi que estava falando com uma parede.

Falei que teria a Clara, porque o nome já estava definido na minha cabeça, e combinei que ele jamais a procuraria. Ele topou. Minha filha vai fazer 14 anos e ele me mandou dois e-mails nesse período: um quando ela tinha quatro e outro quando ela tinha seis anos, ambos perguntando como eu estava. Não respondi.

A gestação sozinha foi horrível. Eu tive depressão pós-parto e por 50 dias não conseguia nem segurar a minha filha. Eu a amamentava e devolvia para minha mãe. Eu só chorava. Minha família me dava apoio, mas eu nunca nem quis ter filhos e estar sozinha não é o que a gente almeja pra vida nesse momento. Fui entender que a Clara era só minha depois, mas no começo olhava pra ela e via muito dele. Após 50 dias, mudei de 8 para 80. A partir daí, ninguém podia pegá-la e estava com um instinto muito protetor. Ela é o amor da minha vida.", Gabriele Flores, 36 anos, influencer digital, Porto Alegre