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Modelo sofre assédio em hotel: 'Gravei vídeo porque me senti acuada'

De Universa, em São Paulo

20/07/2022 13h39

No dia 13 de julho, a modelo gaúcha Samen dos Santos, 31 anos, chegou à cidade de Araçatuba, interior de São Paulo, para participar de uma campanha de uma marca local. Hospedada em um hotel tradicional da cidade, o Mariá Plaza, ela foi assediada por outro hóspede, que a abordou diretamente e também por meio de um funcionário.

Em um vídeo que a modelo gravou, é possível ouvir o hóspede dizendo: "Estou louco para fazer amor com você". (veja abaixo).

Samen contou a Universa que estava gravando, naquele momento, um relato ao seu namorado sobre as importunações que vinha sofrendo pelo homem desde que chegou ao hotel —e por isso conseguiu registrar o ocorrido.

"Naquele dia, cheguei no hotel por volta das 12h, fiz check-in e fui correr. Quando voltei da área de cooper, ele gritou para todo mundo ouvir: 'como você é linda'. Como foi a primeira abordagem, só respondi 'obrigada e bom dia'. Mas a partir de então começou uma série de situações bem desagradáveis e explícitas", relatou.

Durante o almoço, o homem tentou contato novamente e pediu que o funcionário abordasse Samen dizendo que ele tinha interesse em conhecer a mulher. "Eu respondi dizendo que eu não tinha interesse, que eu era uma mulher casada e deixei as coisas esclarecidas. Passaram mais uns alguns minutos, o mesmo funcionário perguntou o que eu queria beber ou comer porque ele me pagaria qualquer coisa. Reafirmei que não tinha interesse, e ele respondeu que o hóspede não acreditava que eu era casada."

Depois, o funcionário do hotel voltou a falar com Samen quando ela estava na piscina, dizendo que o homem, ainda não identificado, perguntou quanto ela cobraria para ficar com ele. "Ao mesmo tempo em que o garçom falava comigo, o homem ficava gritando 'oi, oi'. Foi uma situação muito constrangedora."

O funcionário abordou Samen quatro vezes naquele dia para fazer a intermediação. Quando a modelo disse que não queria mais receber este tipo de abordagem, o funcionário informou que o hóspede em questão era influente na cidade. "Ele disse que não poderia deixar de fazer o que o homem estava pedindo porque ele era um bom cliente e estava na suíte presidencial. Eu disse que eu entendia o trabalho dele, mas que eu não poderia ser importunada daquela forma para agradar um hóspede porque eu era tão cliente como ele", afirma.

"O que mais me incomodou foi a liberdade do hóspede de se achar tão poderoso de vir até mim. Parece que é algo que ele já tinha feito antes, porque foi muito tranquilo para ele fazer isso."

Modelo recebeu comentários racistas após vídeo

"Decidi gravar o vídeo porque fiquei com medo. Eu estava sozinha numa cidade que eu não conhecia. Fiquei bem nervosa, me senti boba por não ter sido mais brava porque eu sempre achei que, numa situação dessa, eu reagiria com mais força, seria mais enfática. Mas fiquei tão incrédula que reagi daquela forma do vídeo. Não imaginei que aquela situação me deixaria acuada."

À noite, eu fiquei apavorada. Coloquei até cadeiras na porta do quarto. É um absurdo, uma falta de respeito muito grande. Me senti muito mal, chorei bastante. Me questionei no dia seguinte se eu não estava exagerando.

Samen postou o vídeo no Instagram há três dias. Desde então, ela conta que tem recebido apoio, mas também uma série de ataques, inclusive comentários racistas. "Desde ontem, estou abalada. As pessoas acham que a internet é terra de ninguém: 98% das pessoas estão do meu lado, mas ontem recebi comentários racistas, como 'mais uma neguinha querendo se promover'. Estou evitando a internet neste momento."

"Meu intuito nunca foi ganhar mídia. Não queria minha imagem atrelada a esse tipo de coisa. Postei o vídeo em forma de desabafo, para mostrar que não existe hora, lugar ou idade para o assédio", diz ela, em referência ao fato de o homem aparentar ser idoso.

Hotel informou que está colaborando com investigação

Em resposta a Universa, a gerente do Mariá Plaza Hotel, Cleide Crepaldi, afirmou condenar o assédio sexual e que se sensibiliza e apoia a modelo. Ela informou que o hotel está colaborando com as investigações e informou à polícia nesta quarta-feira (20) a identidade do hóspede, após a repercussão do fato. E afirmou ainda que vai averiguar se houve alguma responsabilidade do funcionário do hotel.

"Esperamos que o hóspede responda criminalmente. Este hóspede não é mais bem-vindo e o cadastro dele está cancelado, ele não entra aqui", disse a gerente.

Segundo ela, "só soubemos dos fatos um dia depois do ocorrido, no dia seguinte, e mandamos o advogado falar com Samen". "Não poderíamos dar informações sobre o hóspede porque isso violaria a lei de proteção de dados. Mas fornecemos hoje à polícia."

Samen diz que não relatou o ocorrido no dia porque se sentiu acuada.

"Havia pessoas do hotel que viram o que ele falou e ninguém fez nada. Como eu ia me sentir segura para relatar essa situação para p hotel?", questiona a modelo. "Ninguém tomou partido por mim. Faltou treinamento e preparo do hotel para lidar com a situação."

Por sua vez, Cleide, a gerente do hotel, afirma que os funcionários são capacitados para lidar com isso. "Estamos há 17 anos no mercado, nunca tivemos problema. Achamos esse tipo de assédio inadmissível e temos muito cuidado com isso porque somos um hotel familiar. Todos os nossos funcionários são treinados para atender da melhor maneira possível. Se ela tivesse falado com a gente na mesma hora, teríamos tomado uma atitude."

Boletim de ocorrência

A advogada da modelo, Andressa Werlang, informa que foi registrado um boletim de ocorrência na terça-feira (19). "As autoridades registraram o caso como constrangimento ilegal. Para ser importunação sexual teria que ter tido um ato libidinoso. Como não houve essa tentativa, não foi possível o enquadramento."

A defesa aguardava obter a identificação da autoria para entrar com responsabilização do homem na esfera criminal. A advogada afirma que também estuda a responsabilização do hotel na esfera cível, por danos morais.

"A gravação só aconteceu porque estava se sentindo constrangida, havia sido abordada quatro vezes. Ela já foi importunada muitas vezes na vida, só que desta vez foi tão gritante porque o hotel coadunou com isso, deixou o garçom ir lá falar com ela várias vezes. O hotel não teria responsabilidade se o hóspede tivesse entrado em contato com ela, mas a atitude do garçom legitimou o assédio. Ela não recebeu nenhum tipo de proteção."