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'Há 3 anos, um estranho me agrediu após cantada. Ainda espero justiça'

Três anos atrás, Helô sofreu uma violenta pancada na cabeça do empresário Otto Resende Vilela Filho.  - arquivo pessoal
Três anos atrás, Helô sofreu uma violenta pancada na cabeça do empresário Otto Resende Vilela Filho. Imagem: arquivo pessoal

Helô Gomes

Colaboração para Universa

18/07/2022 04h00

No dia 15 de setembro de 2019, o empresário Otto Resende Vilela Filho agrediu a influenciadora Helô Gomes em restaurante de São Paulo. O momento em que Heloísa leva um soco na cabeça foi registrado pelas câmeras de segurança do restaurante Ummi Finest Sushi, no bairro do Itaim Bibi.

Heloísa contratou um advogado, fez uma queixa-crime contra o agressor, não aceitou nenhuma oferta do advogado dele para entrar em acordo e ficou esperando o veredicto, que saiu na quinta-feira passada, dia 7: ele foi condenado a pagar dez salários mínimos. "Tudo mudou na minha vida depois do que aconteceu. Na dele, praticamente não mudou nada", diz ela.

A seguir, Heloísa faz um relato exclusivo para Universa sobre os traumas que ficaram após a agressão e se diz " frustrada e furiosa com o resultado" do julgamento.

"Um soco na cabeça interrompeu a minha vida"

"Alegre, otimista, criativa, curiosa, sociável. Estes eram alguns dos adjetivos usados para se referir a mim. De fato eu era tudo isso. Mas essa pessoa parece que ficou no passado. Um evento violento me fez, de certa forma, me perder de mim.

Um soco na cabeça interrompeu a vida de uma garota e uma noite entre amigas num restaurante japonês no Itaim Bibi. Estávamos conversando e rindo quando esse desconhecido de 1,80 m de altura se aproximou. Ele me paquerou, eu disse não. Ele insistiu, inclusive tocando o meu corpo, eu repeti que não estava interessada.

Ele chegou mais uma vez e eu ameacei: se você continuar me importunando fisicamente —ele passava a mão em mim— eu vou jogar esse drink na sua cara. Ele voltou, e eu atirei o líquido na direção dele. O copo nunca saiu da minha mão.

A próxima coisa que senti foi como se uma bigorna tivesse desabado sobre mim, tamanha foi a força que ele empregou de punho fechado contra a minha cabeça. Ninguém se moveu. Ele terminou de comer, pediu a conta, pagou e saiu andando do restaurante como se nada tivesse acontecido.

Numa sala fechada, fiquei diante das imagens de tudo o que havia acontecido. Era —e ainda é— assustador. Ele me bateu, me derrubou da cadeira e foi embora.

Me ver caída no chão, perplexa, chorando, em estado de choque, me fez ter contato pela primeira vez com o que seria, daquele momento em diante, uma grande companheira: a crise de pânico.

A solução que me propuseram foi a seguinte: o responsável pelo restaurante entraria em contato com um delegado conhecido e resolveria tudo internamente. Não aceitei.

"Fiz B.O. na manhã seguinte"

Às 8h do dia seguinte, um domingo, uma grande amiga segurava a minha mão enquanto eu aguardava minha vez na DDM [Delegacia de defesa da Mulher] de São Paulo. A primeira coisa que me pediram para fazer foi reconhecer o rosto de quem havia me machucado.

Pernas trêmulas. Eu nunca o havia visto antes daquela noite e, agora, me deparava pela segunda vez com aquelas feições.

Depois de mais de 12 horas na delegacia, fui surpreendida por mais um assédio: sem nunca ter passado meu número de telefone para esse rapaz, recebi uma mensagem no celular. Era dele. O conteúdo? "Fiquei muito triste pelo que aconteceu. Você me jogou um copo. Por sorte não pegou o olho. Mas, mesmo assim, minha atitude não está certa, foi impensada. Fiquei triste, tenho irmãs, tias, mãe e respeito muito as mulheres."

Uma das explicações dele é que teria me confundido com uma prostituta. Oi? Não entendi. Se eu fosse prostituta ele podia ter me agredido assim?

A delegada pediu para o restaurante enviar as imagens para ela. Eles preferiram, antes disso, exibi-las nas redes sociais, me expondo e procurando uma maneira de me culpar pelo evento.

"Ele seguiu curtindo a vida, e eu fui para o hospital"

No fim de semana seguinte, como acompanhei por suas próprias redes sociais, ele se encontrava no rodeio de Jaguariúna, seguindo sua vida tranquilamente, postando fotos em baladas, restaurantes e na casa de amigos.

Enquanto isso, eu estava na estrada entre São Paulo e Campinas, em direção a um hospital onde ficaria mais perto da minha família. A suspeita era que eu poderia estar com hemorragia cerebral.

De cama, dopada de remédios, recebi uma outra mensagem, dessa vez de um amigo dele, dizendo que queria entender melhor essa história e "apaziguar". Dizia que conhecia o meu agressor há muito tempo, que ele era gente boa, que tudo aquilo não passara de um acidente de balada entre duas pessoas que tinham bebido.

Eu gostaria de saber com que autoridade as pessoas se sentem no direito de enviar esse tipo de mensagem, fazendo suposições etílicas e incitando o silêncio diante de uma violência física. Quantas vezes mais a culpa teria de ser em parte minha?

Logo depois, recebi ainda outra mensagem, dessa vez de uma colunista social, dizendo que o agressor era afilhado dela e que, "pelo que ela tinha ouvido", a reação dele foi resposta a uma "copada na cara".

Foi com esse tipo de situação que eu tive de lidar enquanto fazia compressa de água gelada na cabeça e tentava respirar entre soluços de choro: aquilo era o inferno. Não respondi nenhuma mensagem. Não queria falar nada, com ninguém. Eu precisava entender o assédio seguido de agressão que havia sofrido.

Por não aceitar negociar com ninguém, fui acusada de não querer justiça, de estar buscando mídia e de querer ver o circo pegar fogo. Eu nunca precisei inventar nada para aparecer. Já apareci muito por conta do meu trabalho: fui jornalista de moda, tive um dos principais blogs de moda do Brasil [O Sanduíche de Algodão], que abandonei porque decidi me dedicar a uma pós-graduação na USP. Hoje tenho uma marca de camisetas, a coletivo lírico, onde exerço meu lado criativo e meu conhecimento de moda. Já está mais do que bom de "aparecer na mídia".

Já que não teve conversa, teve ameaça: "Você não vale nada, vou tirar seu último centavo". "Ela é uma psicopata desequilibrada." Tenho prints de tudo isso. Eu continuava firme: queria justiça. Mas a essa altura não tinha sobrado nada da minha vida como era antes. Mudei de cidade, de casa, de estado. Eu precisava ir o mais longe possível daquela história.

"Agressor pagou multa e segue livre"

Passados quase três anos, enfrento fobia social, lido com a depressão e o pânico, tomo remédios, faço tratamento com dois psiquiatras, pinto quadros. Sou triatleta, costumava treinar todo dia. Ficou mais difícil: alguns dias ainda não consigo sair da cama; perdi trabalhos, perdi networking.

Mas o caso estava correndo na Justiça, e eu esperava por uma pena que fosse minimamente condizente com o meu sofrimento. Com meu choque. Com minha desilusão. Mais uma decepção.

O promotor do caso fez um parecer propondo a 'transação penal' (uma multa, por assim dizer), já que a agressão que sofri foi considerada 'crime de pequena potência ofensiva'. Ou seja: esse evento que mudou a minha vida não passou de uma 'pequena causa'.

A transação penal, uma vez paga, encerra o julgamento: sem culpa, sem inocência. Você quita com o Estado a dívida que tem com a vítima. O valor estabelecido foi de R$ 30 mil.

Uma semana antes da audiência, os advogados dele ainda ligaram para a minha família propondo um acordo. Dissemos não, explicando gentilmente: não é uma questão de dinheiro. A resposta desse julgamento não é só para ela, é para todas as mulheres do Brasil.

Aos poucos, com a ajuda de bons amigos e de minha família, venho juntando os cacos do que restou. A vida é totalmente diferente para mim. Para ele? Estou sem entender. Me parece que ele tem de pagar uma multa e seguir vivendo como sempre viveu. Nada mudou para ele desde o ataque, nada vai mudar depois da sentença.

Ele vai seguir fazendo tudo como sempre fez. Veja só: nesse processo, eu soube que meu agressor já teve outras denúncias de violência contra mulheres.

E tem um outro caso andando na Justiça: um soco dele resultou num pino no maxilar de um rapaz que hoje lida com crises depressivas e pensamentos suicidas. Mais uma vez, foi proposta a transação penal, com multa estabelecida de R$ 6.000. Ele está recorrendo da decisão na terceira instância.

Eu não me sinto segura para voltar a São Paulo. Não sinto que consegui proteger outras mulheres de sofrerem a mesma agressão que eu. Por mais que sinta o gosto da vitória por ele ter recebido uma punição, ela não me privilegia, nem financeiramente nem socialmente nem culturalmente.

Fica a pergunta: qual seria a punição real para um homem que comete um crime de agressão física contra uma mulher? Multa? Sem a aprovação da vítima, que já deixou claro que não quer acordo? E esse valor ainda pode ser recorrido pelos advogados? E o agressor continua em plena e total liberdade? Mesmo já tendo cometido exatamente o mesmo crime contra outra pessoa? Gostaria que alguém me explicasse de modo a que tudo isso venha um dia fazer algum sentido para mim."

OUTRO LADO

Procurado por Universa Otto Resende Vilela Filho respondeu, por meio de seu advogado José Luis Oliveira Lima que "respeita a justiça, o sigilo do processo e as partes e sempre buscará o judiciário para demonstrar e comprovar a sua inocência".