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Ex-candidata a Miss, alagoana faz sucesso na Europa como artista plástica

Geovana Cléa em frente a uma de suas obras no Salão do Móvel de Milão, na Itália - Emanuele Scilleri
Geovana Cléa em frente a uma de suas obras no Salão do Móvel de Milão, na Itália Imagem: Emanuele Scilleri

Franceli Stefani

Colaboração para Universa, de Porto Alegre (RS)

10/07/2022 04h00

Radicada na Itália há mais de duas décadas, a artista alagoana Geovana Cléa precisou enfrentar o preconceito e batalhar por seu espaço para, com seu talento, levar o Brasil a importantes eventos internacionais. Aos 44 anos, ela é a única brasileira com peças na Harrods, famosa loja de departamento localizada em Brompton Road, no distrito de Knightsbridge, em Londres e, no mês passado, foi um dos destaques da 60ª edição do Salão do Móvel de Milão, na Itália. Foi a terceira vez que ela participou da mostra, que reúne grandes marcas e profissionais de arquitetura, urbanismo, design, arte e decoração que ditam tendências no mundo todo, com suas obras em que reúne milhares de cristais Swarovski.

Antes de desembarcar em Florença, aos 18 anos, Geovana vivia com a família em Inhapi, no sertão de Alagoas, onde atuou como modelo e participou do Miss Alagoas Brasil. "Eu adorava moda e tinha o sonho de criar uma marca de roupas que se chamaria G.Cley. Desenhava as peças que eu queria que fossem feitas para mim, levava nas costureiras da minha cidade e, de tanto olhar para elas, aprendi a costurar também", conta. "Tive a sorte de ter tido um pai que investiu e sempre acreditou em mim. Ele nunca mediu esforços para me apoiar, mesmo quando eu ainda não sabia que era uma artista", afirma.

A Itália entrou em sua vida depois do concurso de Miss, quando pediu ao pai uma viagem para seguir a carreira de modelo. "Ele permitiu, desde que eu estudasse, mas ele idealizava mais Londres, porque a língua inglesa é universal. No fim, nem a moda nem a língua inglesa: entendi que o universo fashion não era a minha estrada. Amei Florença e decidi estudar arte e aprender italiano."

Hoje Geovana é artista exclusiva da marca italiana de móveis de luxo Giorgio Collection. "Nosso estande no Salão do Móvel era logo na entrada principal, tinha quase 800 m², com obras minhas espalhadas pelo espaço, além de um megatelão que mostrava vídeos com os produtos, minhas obras e eu mesma pintando", comemora.

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Hoje Geovana é artista exclusiva da marca italiana de móveis de luxo Giorgio Collection
Imagem: Emanuele Scilleri

Em 60 anos de Salão do Móvel, a Giorgio Collection esteve presente em todas as edições. "É uma empresa familiar que não me acolheu apenas como artista, mas como uma pessoa da família. O presidente, Fábio Masolo, é uma das pessoas mais sérias e de coração grande que eu poderia ter encontrado."

Sobre a Harrods, ela comenta sentir algo especial ao ver seus conteúdos associados a grandes grifes e restaurantes luxuosos. "Lá há uma galeria de arte e eu já estava conversando sobre me representarem, mas com a parceria com a Giorgio Collection não foi mais preciso. Eles já estão na Harrods há 15 anos —o resto foi automático."

Do preconceito ao reconhecimento, artista foi expulsa de farmácia

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Geovana Cléa foi um dos destaques da 60ª edição do Salão do Móvel de Milão
Imagem: Emanuele Scilleri

Além do preconceito por ser latina, a brasileira também enfrentou desafios pessoais antes do reconhecimento. Seu companheiro, o italiano Eddy Ratti, com quem está há 20 anos, foi um atleta profissional de ciclismo acusado de dopping. "Isso destruiu a carreira dele", diz Geovana. Levou cinco anos para que o caso fosse arquivado por falta de provas legítimas e incongruência no teste laboratorial. "Mas já era tarde. Os amigos da fama voaram, sofremos demais, foi tudo muito traumático. Fiquei ao lado dele e me dediquei ao meu trabalho o quanto pude. Com o tempo, a recompensa foi chegando devagar."

Quando desembarcou em Florença, em 1996, Geovana diz ter sofrido bastante. "Naquela época, cheguei a ser expulsa de uma farmácia por ser uma mulher negra e latina." Ela conta que a maioria das pessoas pensava que ela fosse só uma oportunista. Agora, a realidade é diferente. "A verdadeira essência de um ser humano sempre aparece com o tempo. Tenho construído tudo com honestidade e hoje me sinto em casa aqui. Tive muita paciência e consegui ser respeitada."

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Geovana, 44 anos, é a única brasileira com peças na Harrods, em Londres
Imagem: Emanuele Scilleri

Ela conta que a rigidez cultural que encontrou na Europa a impactou. Dançar, cantar, ser uma pessoa alegre, como ela se caracterizava, era visto como excessivo. "Fiquei dividida entre dois mundos, ia ao Brasil e já não concordava com algumas coisas, tipo ver crianças vendendo flores na praia altas horas da noite, e idem aqui na Itália, achava chata a rigidez", relembra.

Foi a maturidade que a ajudou no processo. "Hoje, já escutei que nem sou italiana, sou mais Suíça. A verdade é que sou muito pontual e perfeccionista, e, com muito orgulho, brasileiríssima", diz a artista, que já expôs na Bienal de Veneza e no Salão Nacional de Belas Artes no Louvre, em Paris. "Cresci vendo pessoas simples, ricas de valores, e isso me influenciou muito. O sertão está na minha essência."

Agora, com a carreira consolidada, ela trabalha para realizar novos sonhos, como assinar exposições individuais pelo mundo: "Amaria ter essa oportunidade no meu país, nunca fiz uma assim. Também desejo continuar com a minha parceira com a Giorgio Collection e a Swarovski. Vou seguir caminhando e criando cada obra como se fosse a melhor."