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Aluna de rede pública de SP ganha bolsa em faculdade na Coreia do Sul

Fernanda Trajano Bogue, 20, conquistasse a classificação em sete universidades internacionais, sendo cinco nos Estados Unidos e duas na Coreia do Sul.  - arquivo pessoal
Fernanda Trajano Bogue, 20, conquistasse a classificação em sete universidades internacionais, sendo cinco nos Estados Unidos e duas na Coreia do Sul. Imagem: arquivo pessoal

Fernanda Bogue em depoimento a Lorena Pelanda

Colaboração para Universa, de Curitiba

05/07/2022 04h00

Moradora de São Vicente, em São Paulo, e estudante de escola pública a jovem Fernanda Trajano Bogue, 20, está prestes a se tornar a segunda pessoa da sua família a frequentar um curso superior —a mãe, Rosemeire Trajano da Silva Bogue, começou a cursar engenharia da Computação recentemente, aos 50 anos. Mas não é só isso: ela foi classificada em sete universidades internacionais, sendo cinco nos Estados Unidos e duas na Coreia do Sul.

Entre elas está a prestigiada Solbridge International School of Business, em Daejeon, 4ª melhor faculdade da Coreia do Sul e a escolhida pela brasileira. De malas prontas para seguir o seu sonho, ela conta para Universa como foi seu processo de estudo e superação: "Esse é o primeiro passo para eu ter melhores oportunidades de vida", diz.

De malas prontas para a Coreia do Sul

"Toda minha vivência e engajamento dos últimos dois anos, as cartas de recomendação, as entrevistas, as dezenas de redações e uma nota alta no teste de proficiência em inglês, me levaram até onde cheguei hoje.

Estou indo estudar na Coreia do Sul, no curso dos meus sonhos, com uma bolsa de 80%. Meu curso será administração de empresas, e lá posso escolher minha especialização, que provavelmente será empreendedorismo.

A Solbridge foi a faculdade que me ofereceu a melhor oferta, mas também a que me oferecia mais possibilidades de crescimento na carreira, recursos e suporte.

O processo em si exige muito do seu esforço físico e mental, é exaustivo, porque você tem que ser excelente em todas as áreas. Você se compara com todo mundo, se sente atrasado e com um perfil 'fraco', já que a maioria dos jovens que concorrem vem de escolas de elite do Brasil.

Além disso, o processo pode ser bem caro. Mas por comprovar que não tenho condições financeiras, esses custos foram cobertos. Eu tive que fazer o processo sozinha, mas no caminho encontrei pessoas maravilhosas, do Brasil todo e até fora, que acreditaram em mim e me guiaram nesse processo.

Eu sabia que teria que passar por várias rejeições até chegar em um 'sim', mas estava com muito medo de acabar recebendo apenas 'não'. Quando recebi a confirmação da bolsa, senti que meus sonhos não eram grandes demais e que toda a loucura, todos os riscos dos últimos dois anos, foram para um propósito maior.

Eu chorei muito e me senti muito orgulhosa de ter conseguido realizar meu sonho de criança. Esse é o primeiro passo para ter melhores oportunidades de vida.

É possível fazer esse processo mesmo sem o apoio necessário e condições financeiras. Existem diversos caminhos e para todas as idades. Quero estar aqui para poder guiar outras pessoas no processo e provar que é possível.

'Vou com a cara e a coragem para Coreia do Sul', diz Fernanda Bogue - arquivo pessoal - arquivo pessoal
'Vou com a cara e a coragem para Coreia do Sul', diz Fernanda Bogue
Imagem: arquivo pessoal

Eu vou para a Coreia do Sul no dia 22 de agosto. Por enquanto, a minha preparação é mais financeira para que eu não passe nenhum aperto ou dificuldade em outro país. Estou trabalhando como professora de inglês e promovendo uma arrecadação financeira online.

Estou oficialmente matriculada, apenas esperando os documentos do visto chegarem e comprar a passagem.

Vou sozinha, na cara e na coragem, sem saber a língua do país. Vou começar a aprender coreano sozinha e confesso que estou com medo de demorar muito para aprender, já que esta será a língua usada no dia a dia, fora da faculdade.

Meus pais estão muito orgulhosos pela minha conquista. Ninguém da minha família cursou o ensino superior, então imaginar passar em uma faculdade fora do país sempre foi impensável e algo que apenas pessoas muito ricas tinham acesso.

Minha mãe está realizando o sonho dela de cursar faculdade hoje, aos 50 anos. Ela estuda Engenharia da Computação em uma universidade pública e faltam poucos semestres para concluir o curso. Com certeza a força da minha mãe é o mais próximo que tenho de inspiração.

"Gostava de estudar, mas não gostava de ir para a escola"

"No Ensino Fundamental fui bolsista de uma escola particular em São Vicente. Tentei dar todo meu melhor, pois estava ciente que essa era chance única que meus pais estavam me dando e que nunca iriam ter condições de pagar o valor total.

Apesar de gostar de estudar, eu não gostava de ir para a escola. Era como se limitasse minha criatividade, era considerada nerd e antissocial. Eu não tinha muitos amigos, mas gostava muito de ler livros e escrever - poesias, pequenos contos e histórias soltas. Aos 11 anos escrevi o meu primeiro livro de fantasia. Com 15 anos escrevi um melhor, com 580 páginas. Eram mitologias de outros países como Brasil e Rússia.

No Ensino Médio, me mudei para escola pública onde, apesar de serem ensinos mais rígidos e puxados, continuei dando o meu melhor.

Fernanda Trajano Bogue, 20, conquistasse a classificação em sete universidades internacionais, sendo cinco nos Estados Unidos e duas na Coreia do Sul. *  - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Fernanda Trajano Bogue, 20, conquistasse a classificação em sete universidades internacionais, sendo cinco nos Estados Unidos e duas na Coreia do Sul.
Imagem: arquivo pessoal

A mudança de ambiente me fez muito bem, consegui encontrar pessoas com quem me identificava, um espaço mais diverso e acolhedor.

Aos poucos ir para escola era algo que fazia por prazer, não apenas por gostar de estudar, mas para ver meus amigos e me engajar em atividades. Me graduei em 9 do ranking de 88 alunos, sendo reconhecida duas vezes como a melhor aluna do bimestre.

Apenas após o Ensino Médio descobri como a educação pode ser libertadora, um meio de você crescer, se expressar como você é e criar um caminho para um futuro melhor.

Estudar fora do país sempre foi um sonho

A ideia sempre esteve na minha cabeça desde criança, sempre pesquisava no Google 'faculdades nos Estados Unidos' e via aqueles lugares grandes e bonitos.

Conforme fui crescendo, a ideia foi amadurecendo e focando mais na qualidade de educação, recursos, investimento e imersão cultural. Sempre soube o que queria. Só que eu não conhecia bolsas acadêmicas, apenas de atletas, então sempre foi um sonho meio adormecido.

Quando terminei o Ensino Médio, o sonho aflorou e aí encontrei através de um site de intercâmbios a oportunidade de estudar fora com bolsas de até 100%. Foi a partir desse momento que decidi concorrer a uma vaga e a faísca se acendeu.

Comecei a correr contra o tempo e sozinha. Mesmo descobrindo tarde, eu não quis desistir. A falta de acesso a essas informações e preparação desde cedo não iriam me impedir de conquistar meu sonho.

Projetos sociais como preparação

Me apaixonei pela educação a partir do meu envolvimento com as atividades extracurriculares em 2020. Comecei com a Fly Educação, uma ONG que ensina educação socio emocional para jovens da periferia de São Paulo.

Conheci histórias de jovens incríveis que tiveram seus sonhos realizados por conta da Fly, que os ajudou a montar um caminho e fazê-lo acontecer. Trabalhei em outras ONGs como Asplande e Aliar Tocantins, tudo online por conta da pandemia, mas me dedicava 10 horas por dia no voluntariado por ser algo que eu gostava.

Por fim, decidi criar o Projeto Educalizando para promover a acessibilidade, a literatura e oportunidades extracurriculares para jovens de baixa renda e escolas públicas. Começamos com o nosso projeto de arrecadações de livros, doando cinco mil livros em três estados do Brasil (Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo) e 11 cidades do Brasil.

Em 2021 me inscrevi no programa do ex-presidente Bill Clinton, o Clinton Global Initiative. Mesmo sendo extremamente competitivo, fui selecionada para representar o Brasil. Entrevistei a Chelsea Clinton para falar sobre como incentivar jovens a se tornarem líderes de mudanças em suas comunidades.

Além disso, fui aceita em programas competitivos internacionais, todos com bolsas altas de estudo.

Ásia é o futuro

Por mais que a Coreia do Sul seja um país incrivelmente inovador, com tecnologia de ponta, segurança e uma cultura muito rica, vou sentir falta de várias coisas do Brasil: o clima, as pessoas amigáveis, o pão de queijo, minha família, meu cachorro e a sensação de estar em casa.

Estudar na Ásia, a nova potência econômica global, será uma fonte incrível de conhecimento, em especial a Coreia do Sul que é o país mais inovador do mundo, líder em tecnologia e educação. O mundo olha apenas para Estados Unidos e Europa e assim não percebem que a Ásia é o futuro." Fernanda Bogue, 20 anos, estudante de São Vicente (SP)