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Não importa contexto: ato sexual com menor de 14 anos é estupro; entenda

Imagem: iStock

Rute Pina

De Universa, em São Paulo

24/06/2022 15h53Atualizada em 24/06/2022 20h05

De acordo com documento judicial obtido por Universa, que faz parte do processo envolvendo o caso de estupro contra a menina de 11 anos em Santa Catarina, o suspeito de ter cometido o abuso é um adolescente de 13 anos. Por ser menor de 18, se tornaria inimputável. Mas especialistas esclarecem que a criança não deixou de ser uma vítima de um estupro de vulnerável por isso, já que qualquer ato sexual —não importa o contexto, a autoria ou se houve ou não consentimento— com menores de 14 anos entra nessa classificação.

Em consequência disso, essa faixa de idade tem garantido o acesso ao aborto legal, uma vez que a lei estabelece que vítimas de violência sexual podem fazer o procedimento.

A advogada Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana, explica que o Código Penal brasileiro é bastante claro em relação à presunção de estupro de vulnerável sempre que envolve menor de 14 anos.

"Crianças grávidas, com até 14 anos, deveriam ter o acesso ainda mais facilitado ao aborto legal porque o estupro de vulnerável já está presumido em lei. Mesmo se o caso envolver uma outra criança, o aborto continua sendo um direito garantido porque a condição da menina enquanto vítima de estupro não se desconstitui", afirma a especialista.

"Uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afastou a culpabilidade de um adolescente, numa relação entre namorados, menores de 18 anos, que tinham idade muito próxima e estavam iniciando a vida sexual juntos. Mas, via de regra, é considerado estupro."

A advogada Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, que combate a exploração sexual infantil, explica que a lei que definiu estupro de vulnerável é de 2009 e foi estabelecida para afastar subjetividades nas análises dos casos.

"Antes dessa lei, existia uma subjetividade ao analisar o que era consentimento e o que não era, se era estupro ou se não era. Esta lei veio para acabar com essa subjetividade. Não importa qual foi a situação, tem um dado objetivo na lei que define o que é estupro de vulnerável", diz.

Além disso, ela lembra, a legislação também determina que vítimas de estupro têm acesso ao aborto legal (o procedimento no país também está autorizado para mulheres em risco por causa da gestação e para caso de feto com anencefalia). "São duas leis claras e objetivas que não comportam qualquer outra interpretação: ato sexual envolvendo menor é estupro, e o aborto é permitido em caso de estupro."

Mônica Brito, secretária executiva do Cedeca (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) Glória de Ivone, no Tocantins, afirma que não existe a ideia de "consentimento" para relações sexuais com menores de 14 anos.

"Nessa idade, não existe discernimento próprio para decidir sobre aquele ato, sobre relação de afetividade. A criança ainda não tem esse domínio. Estamos falando de uma condição peculiar de crescimento e desenvolvimento, em um período que ela ainda não teve acesso à educação sexual —inclusive não temos, no Brasil, uma educação sexual sem tabu, sem preconceito, sem criminalização e sem o envolvimento da questão religiosa e moral", diz a especialista.

"Uma criança de 10 anos não sabe ainda o que é menstruação, quais são cuidados básicos envolvidos com o ato sexual, como o uso de preservativos, quais implicações de ter uma gravidez. Como pode a gente pode dizer que foi consentido?" - Mônica Brito, secretária executiva do Cedeca (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) Glória de Ivone.

"Ou seja, independentemente da ideia de consentimento ou não, nessa idade ela não tem discernimento para afirmar que aquele tipo de relação pode ou não a prejudicar, do ponto de vista da saúde e psicológico."

Para a especialista, comentários que dizem que a menina não teria acesso ao aborto legal por ter tido a relação com menor de 13 anos são equivocados e revelam uma visão "adultocêntrica" e "violadora dos direitos humanos", além de culpabilizar a criança. "O que está por trás dessas falas é preconceito com o aborto", diz.

Menino poderia responder por ato infracional e ter medidas socioeducativas

No caso de envolver um adolescente, um menino de 13 anos, existe inimputabilidade de crime já que se trata de menor de 18 anos. Mas pode haver responsabilização na esfera da Justiça Juvenil, explica Ana Claudia Cifali, e a conduta é considerada um ato infracional.

"Como envolve um adolescente menor de 18 anos, estamos falando em um ato infracional e não de um crime —pode ter um processo na Justiça Juvenil, especializada, e ser aplicado uma medida socioeducativa, inclusive com privação de liberdade. Ou seja, existe a imputabilidade de crime, mas isso não significa que ele não possa ser responsabilizado", explica a advogada.

Luciana Temer também afirma que é importante separar as duas discussões: "Pode ser analisado se houve um ato infracional. Mas não deve se olhar para essa circunstância para definir o acesso ao aborto".

Temer afirma que as duas discussões, no entanto, apontam para uma realidade: a falta de educação sexual no país.

"Estamos vendo essas situações se repetirem. Nossa sociedade precisa discutir sexualidade saudável com nossas crianças e adolescentes, se não isso vai continuar acontecendo", diz. "Se a gente não falar, a pornografia vai. Precisamos falar das torturas e ilegalidades institucionais que essa menina sofreu, mas também precisamos falar sobre prevenção, que é ter essa conversa nas escolas públicas e privadas."

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