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Ela fez da crise uma oportunidade e criou empresa para gestão de incidentes

A paulistana Ana Flavia Bello, sócia e CEO da CoSafe Latam, hub especializado em gestão de crises - Divulgação
A paulistana Ana Flavia Bello, sócia e CEO da CoSafe Latam, hub especializado em gestão de crises Imagem: Divulgação

Caroline Marino

Colaboração para Universa

17/06/2022 04h00

Antes de se tornar sócia e CEO da CoSafe Latam, hub especializado em gestão de crises, empreender nunca esteve nos planos da paulistana Ana Flavia Bello, 50 anos. Ela construiu uma carreira bem-sucedida em grandes empresas liderando equipes e projetos. "Sempre fui muito bem por esse caminho e achei que seguiria assim. Até que uma mudança organizacional na Coca-Cola Femsa alterou meus planos."

A área em que atuava foi reduzida e a posição de Ana Flavia deixou de existir. Naquele momento, ela recebeu o convite para ser consultora e dar suporte às equipes de gestão de crises na companhia. "Já estava com mais de 40 anos e sabia que essa posição seria boa para minha empregabilidade, já que muitas empresas costumam focar em executivas mais novas. Além disso, o momento casou com a chegada de minha filha —meu marido e eu estávamos na fila da adoção—, e o empreendedorismo me daria mais flexibilidade de horário", diz.

A executiva começou a atender algumas empresas, mas, observando o mercado e as tendências, percebeu que fora do Brasil já existiam ferramentas modernas para a gestão de crise. "Pensei: por que não trabalhar o tema de forma digital por aqui?". Assim, Ana Flavia fundou em 2019 a Alerta de Crise, plataforma digital para gerenciamento e comunicação de incidentes e crises.

Para desenvolver a empresa, ela estudou a fundo o mercado de startups e os principais pilares para a criação de um negócio, como o Produto Mínimo Viável (MVP, do Inglês Minimum Viable Product), no qual o investimento inicial é mais baixo —apenas referente aos recursos necessários para testar o projeto, e o universo de investimentos. Além disso, contratou desenvolvedores para criar a ferramenta.

'Me sentia uma ET nas reuniões de investimentos'

O segundo passo foi ir em busca de aporte. "Participei de algumas reuniões e, no começo, me sentia um ET, pois havia poucas mulheres e a maioria das pessoas era bem jovem. Mas isso não foi um impeditivo; sabia que fazia parte do jogo e do meu amadurecimento como empresária", afirma.

No mundo das startups eu era uma aprendiz. Vi palestras, fiz cursos online e assisti a tutoriais de jovens que tinham a metade da minha idade, mas que sabiam muito mais do que eu sobre aqueles temas.

Mãe depois dos 40

Ana Flavia ressalta, também, que ser mãe mais tarde também ajudou nesse sentido. "Minha vida mudou muito nesse período. De uma hora para outra, depois dos 40, eu estava aprendendo a ser mãe, a não depender de um emprego para ser alguém —o famoso crachá corporativo— , e a trilhar os caminhos das startups", diz.

Ela lembra de, certa vez, falar ao marido: "Não sei aonde tudo isso vai me levar, mas certamente me levará para um lugar bem à frente de onde estou hoje". E a empreendedora não está falando apenas de sucesso, que pode acontecer ou não e, sim, de conhecer pessoas novas, adquirir conhecimento e evoluir como profissional e indivíduo.

Segundo a executiva, o processo foi mais difícil por estar sozinha na empresa, sem uma equipe e com uma carteira grande de clientes. "Os investidores gostavam do negócio e viam potencial, mas questionavam o fato de eu ainda não contar com um time e só ter um cliente", afirma. "Eu precisava mostrar que o negócio era escalável, ou seja, que tinha potencial de crescer rapidamente."

A importância do networking

Mas Ana Flavia ressalta que sabia que os "nãos" eram temporários e, a cada reunião, aprendia mais para crescer. Ela lembra que um investidor chegou a ligar um tempo depois da reunião para perguntar se os clientes tinham aumentado.

Para ganhar mercado, Ana Flavia intensificou o networking. A ideia era tornar a marca e seu trabalho mais conhecido. "Procurei pessoas que eram referência no tema, comecei a produzir conteúdo e a falar mais sobre o assunto em eventos e aulas", diz.

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Ana Flavia Bello: 'Todo mundo começa pequeno. Isso faz parte e não podemos nos paralisar por causa disso'
Imagem: Divulgação

O período coincidiu com o começo da pandemia no Brasil, o que fez a gestão de crise virar pauta prioritária nas empresas. "Passei a ser convidada para lives e palestras online, e a Alerta de Crise ficou mais conhecida", conta.

Segundo ela, a rede de contatos é fundamental para o sucesso de uma empresa que atua de certa forma nichada, dentro do mercado corporativo (B2B). "Embora a venda seja para companhias, quem está do outro lado são pessoas. E elas não estão comprando apenas uma plataforma, estão comprando quem está por trás da CoSafe. É uma questão de estabelecer confiança e mostrar credibilidade ao mercado", afirma.

União com a concorrência

Foi aí que o caminho de Ana Flavia cruzou o de Alexis Nicou, um dos fundadores da sectech sueca CoSafe, especializada em tecnologia para comunicação e gestão de crises para setores vulneráveis a acidentes e outro tipo de crises, como as indústrias, transportadoras, escolas e universidades, hospitais e companhias aéreas.

"Minha startup era concorrente da CoSafe e a única empresa brasileira que oferecia este serviço. Como estávamos no mesmo nicho, entrei em contato com o então CEO da companhia no Brasil, que me apresentou os sócios do negócio para troca de impressões sobre o mercado", diz. Quando o executivo decidiu deixar o comando da empresa brasileira, Ana Flavia foi convidada para conduzir o negócio na América Latina.

Foi o casamento perfeito. Ana Flavia entrou com toda expertise em gestão de crise e consultoria, e a CoSafe com uma plataforma moderna e já testada, e uma equipe completa. A companhia investiu cerca de R$ 1,5 milhão para iniciar sua operação no Brasil e, hoje, oferece serviços de ponta a ponta para organizações, incluindo consultoria, treinamentos e uma plataforma digital para comunicação em situações críticas. Entre os clientes estão organizações como Gerdau e Banco BV.

Agora, eles estão desenvolvendo uma versão 3.0 da plataforma —mais moderna e amigável— para que qualquer pessoa consiga mexer. São mais de 100 mil usuários no mundo e, no primeiro ano de atuação efetiva no Brasil, o número saltou 400%. Para suportar a demanda na América Latina, a organização também investiu na contratação de novos colaboradores e dobrou a equipe no início deste ano.

'É preciso resiliência para mudar os planos'

"Fundir não estava nos meus planos, mas ao conhecer a empresa vi que havia muita sinergia entre os negócios e tínhamos objetivos e valores muito parecidos", explica Ana Flavia. De acordo com ela, quem fica muito apegado a um negócio específico e não tem resiliência para, eventualmente, abrir mão de algo já construído para iniciar do zero a construção de algo maior, perde oportunidades.

"Entendi que iríamos mais longe juntos do que cada um tocando seu negócio e sendo concorrentes. Eu precisava de capital e equipe, e eles de liderança e conhecimento do mercado de gestão de crises no Brasil, além de networking, que era justamente o que eu havia construído por meio do Alerta de Crise nos anos anteriores."

Ela ressalta, além da sinergia de propósitos, ter afinidade pessoal entre os parceiros como ponto crucial para uma fusão. "Para um fundador, ter alguém do outro lado do mundo cuidando do seu 'filho' exige uma escolha rigorosa. É fundamental confiar na pessoa, em seu caráter e em sua capacidade de levar a empresa para frente", diz.

Um pilar essencial para o sucesso da jornada empreendedora de Ana Flavia foi a autoconfiança. "Se não acreditamos em nós e no que estamos criando, quem vai acreditar?", ressalta. "Eu sempre acreditei em mim e na minha capacidade", diz.
O que ajudou nesse sentido foi não deixar de estudar o mercado e ficar de olho nas tendências e oportunidades. "Sabia que a empresa resolvia um problema, pois fui a campo e fiz pesquisas com mais de 30 companhias de todos os portes para checar a atratividade no negócio", diz.

Para ela o primeiro passo é acreditar e mirar lá na frente. "Todo mundo começa pequeno. Isso faz parte e não podemos nos paralisar por causa disso. É necessário planejar e dar um passo de cada vez para chegar aonde queremos."