Topo

Agressão a mulher trans em SP não foi registrada como transfobia: por quê?

Vídeo nas redes sociais mostra um homem agredindo Priscyla no Planalto Paulista, zona sul de São Paulo - Arquivo Pessoal
Vídeo nas redes sociais mostra um homem agredindo Priscyla no Planalto Paulista, zona sul de São Paulo Imagem: Arquivo Pessoal

De Universa, em São Paulo

11/06/2022 15h09

Priscyla Rodrigues Jonson, a mulher agredida por um homem desconhecido na última quinta-feira (9), em São Paulo, não conseguiu registrar a ocorrência como transfobia —prática considerada crime há três anos, pelo STF (Supremo Tribunal Federal)— nem ter seu nome social respeitado no boletim feito na delegacia.

"Senti que não queriam me atender. Não tinha mais ninguém, e a gente lá, tomando chá de cadeira. Você sabe que somos chacota entre eles [os policiais]. Mas ficamos até o fim", disse, em entrevista concedida a Universa, neste sábado (11), dois dias depois do ocorrido. Por conta da violência, ela perdeu um dente e ficou com hematomas e escoriações pelo corpo.

A dificuldade de Priscyla em conseguir registrar o boletim de ocorrência do crime por transfobia —e de ter seu nome social respeitado— é mais comum do que parece. Registrar um boletim de ocorrência com a tipificação de homofobia ou transfobia é exceção —na maioria dos casos, vítimas que vão à delegacia prestar queixa saem de lá com um boletim de lesão corporal ou injúria, por exemplo, como se a violência que sofreram fosse crime comum, e não crime de ódio.

Só nos últimos meses, Universa mostrou pelo menos outros dois casos de pessoas LGBTQIA+ que foram vítimas de homofobia ou transfobia, mas não conseguiram ter a prática registrada de forma correta pela polícia: o da jovem agredida na saída de um bar e o da mulher expulsa do banheiro no metrô, ambos em São Paulo.

Para que os casos sejam registrados como homofobia ou transfobia eles precisam ser motivados por intolerância sexual ou de gênero. Se em muitos casos essa motivação é explícita, por que ainda é tão difícil que a polícia registre o caso de forma apropriada?

Segundo a advogada Luanda Pires, que é presidente da Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexo, os principais fatores que explicam essa dificuldade são o atendimento falho e o desconhecimento das autoridades policiais a respeito do tema.

"Para você ter uma ideia, consigo lavrar um boletim de ocorrência de uma agressão simples, por exemplo, em cerca de 40 minutos. Quando é um crime de LGBTfobia, chego a demorar até três horas e meia", contou a advogada, a Universa. Essa diferença de tempo, ela explica, deve-se ao embate que muitas vezes é preciso travar com a autoridade policial para garantir que o boletim de ocorrência seja lavrado de forma apropriada.

"Os agentes públicos não recebem nenhuma capacitação sobre recortes de gênero, raça, sexualidade. Muitas vezes, é preciso dar praticamente uma aula para os servidores —explicar que é crime, mencionar a decisão do STF e demonstrar por que aquele crime específico claramente foi motivado por intolerância, especialmente quando a violência é mascarada, quando não vem acompanhada de injúria explicitamente ligada à sexualidade ou a identidade de gênero."

Homofobia e transfobia são subnotificadas no Brasil

O último Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho do ano passado, mostra que, em 2020, o Brasil registrou em média 4 crimes de LGBTfobia por dia —mas esses dados são extremamente subnotificados, crava Luanda Pires.

O abismo entre realidade e números oficiais acontece justamente porque, se tantos casos deixam de entrar no sistema como homofobia ou transfobia, o Estado não tem dados precisos sobre a violência contra pessoas LGBTQIA+.

Garantir que um crime LGBTfóbico seja registrado da forma correta, para Luanda, é uma forma de o Estado acolher e dar uma resposta à vítima: "É o início de um processo de reparação porque, a partir do boletim de ocorrência, pode ser aberta uma investigação e um processo penal; e, a partir disso, uma ação cível por danos morais".

Como procurar ajuda em casos de violência

O Ligue 190 é o número de emergência indicado para quem estiver presenciando uma situação de agressão. Dessa forma, a polícia poderá agir imediatamente e levar o agressor a uma delegacia.

Também é possível pedir ajuda e se informar pelo número 180, do governo federal, criado para mulheres que estão passando por situações de violência. A Central de Atendimento à Mulher funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita.

O Ligue 180 recebe denúncias, dá orientação de especialistas e encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. Também é possível acionar esse serviço pelo WhatsApp. Nesse caso, acesse o (61) 99656-5008.