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Ela viveu um trisal: 'Não há fórmula para uma relação a três dar certo'

A sexóloga e escritora cearense Lua Menezes - Julia Vale
A sexóloga e escritora cearense Lua Menezes Imagem: Julia Vale

Júlia Flores

De Universa, em São Paulo

04/06/2022 04h00

Quando Lua Menezes se apaixonou por duas pessoas ao mesmo tempo, não imaginava que aquilo se tornaria um relacionamento sério, vivido a três. Além disso, nem passava pela cabeça da sexóloga cearense que a história, um dia, viraria livro.

"Rio Profano" (Editora Planeta) é a obra de estreia de Lua e foi baseada em uma relação protagonizada pela própria autora. "Eu tenho o hábito de sempre anotar o que acontece comigo e o livro nasceu justamente desses diários. É uma autoficção sobre um trisal que vivi em 2015. Uma história muito intensa", explica a escritora a Universa.

Mas não é de hoje que Lua escreve —e fala— de sexo sem tabus. Com mais de 100 mil seguidores no Instagram, a cearense é tida como referência quando o assunto é sexualidade feminina; além de escritora e influencer, Lua também é terapeuta e ministra dois cursos sobre o tema.

Mel (personagem de "Rio Profano") surge da coragem de Lua de expor, tanto literal quanto metaforicamente, seus desejos mais profundos —ou sua "selvageria", como ela mesma classifica. Ela conta mais detalhes da obra na entrevista a seguir:.

UNIVERSA- Você acha que existe fórmula para um trisal "dar certo"?
LUA MENEZES: O que é 'dar certo' né? Porque minha história com Riana e Davi deu certo, apesar do relacionamento ter acabado: deu certo enquanto estava dando certo. Eu diria que comunicação é um elemento que não pode faltar em nenhuma relação e faltou no nosso caso, porque eu não consegui expressar o que estava sentindo ali.

Comunicação é essencial para um trisal dar certo, conseguir expor as suas vulnerabilidades, seus medos e suas frustrações

Acho que nossa relação chegou ao fim porque eu senti ciúmes dos dois —logo eu que sempre abominei. Como uma defensora do "amor livre" poderia estar sentindo isso? Me calei e aquilo foi se transformando em algo incontrolável.

Sentia muito julgamento externo quando vocês assumiram a relação?
Sim, mas principalmente de gente que eu não conhecia. Na rua, todo mundo olhava se andávamos de mãos dadas. Ou se a gente estava numa festa e, então, nos beijávamos, era um estranhamento coletivo. Porém eu gostava dessa provocação, tinha uma irreverência no modo como a gente nunca deixou de mostrar afeto em público.

Lua Menezes posa com sua primeira obra, o livro "Rio Profano" - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Lua Menezes posa com sua primeira obra, o livro "Rio Profano"
Imagem: Reprodução Instagram

Você acredita que hoje, sete anos depois, essa relação seria melhor recebida por desconhecidos?
Olha... sinceramente não sei. Eu acho que a gente tem visto no Brasil uma onda conservadora surgindo nos últimos anos, né? Mas não dá pra negar que as pessoas se interessam pelo tema 'trisal'.

Elas se interessam justamente porque isso mexe com a fantasia coletiva. Ménage está no topo das fantasias sexuais mais buscadas pelos brasileiros. Eu acho que esse interesse revela um desejo reprimido (ou não).

O ménage está no topo das fantasias, mas muitas vezes as mulheres fazem sexo a três por pressão do parceiro --principalmente em relações heterossexuais, em que o homem coloca duas mulheres na cama para satisfazer o próprio desejo.
Também vejo o mesmo! Por isso acho importante da mulher se autoconhecer e entender quais são seus próprios desejos, para ver se ela está fazendo aquilo por tesão ou para agradar o outro. Eu mesma já recusei de transar a três com parceiros que não me faziam sentir confortável. Claro que a nossa vontade pode ser 'acendida' através do convite do outro, mas precisamos entender o que realmente foi despertado dentro da gente. Não dá pra fazer ménage por pressão.

Mas ter um trisal é muito mais do que sexo a três, imagino...
Sempre bati na tecla que trisal não é só putaria. Mas acho que o interesse parte, sim, de um desejo sexual e depois essa curiosidade se estende a, por exemplo, entender novos formatos de relacionamento. A própria discussão da monogamia é uma pauta que vejo crescendo muito mais do que a do trisal. Foi questionando o meu estilo de relacionamento que me permiti ter uma relação a três.

Quando eu era jovem vivia relações convencionais, com homens muito ciumentos, possessivos, que me sufocavam. Eu sempre tive desejo por outras pessoas, mas achava que estava errada. Vivia em uma confusão, sabe? Foi quando percebi que o problema não era comigo, e sim da maneira como me relacionava.

Lua Menezes hoje é escritora e terapeuta sexual - Ian Rassari - Ian Rassari
Lua Menezes hoje é escritora e terapeuta sexual
Imagem: Ian Rassari

É engraçado você comentar sobre os ciúmes dos seus ex-parceiros, porque no fim aconteceu com você também, né?
Pois é, eu nunca tinha sido a ciumenta da relação. Por isso quando o ciúme apareceu no trisal foi tão corrosivo. Hoje vejo que talvez não precisasse ter sofrido tanto. Mas naquela época era a pior coisa que eu poderia estar sentindo. Me sentia uma fraude, sentia que estava falhando.

E como você acha que poderia ter contornado essa situação? Sentir ciúmes não vai contra a premissa de uma relação livre?
Talvez se eu tivesse falado para eles sobre os meus sentimentos por meio de uma comunicação não-violenta. Ao invés de apontar o que estava errado, poderia ter ido pelo caminho de dar o feedback positivo.

Não dizer o que está desagradando acaba com relações. É o mesmo caso de quando o parceiro não manda bem no sexo oral. A gente tem que falar, mas precisa medir como e o quê. Em vez de dizer 'você não manda bem', você pode usar 'gosto mais quando você faz assim' ou 'será que você poderia fazer assim?', como um convite.

Falando sobre sexo: quando você fazia parte do trisal, sempre transava a três?
Não, às vezes rolava de transar separado. Conto algumas dessas cenas no livro. Eu morava perto do Davi, então acontecia da gente se ver mais.

Lembro de uma vez que estávamos todos na casa dele e fui embora porque não aguentava de ciúmes... Como ninguém sabia o que estava sentindo, eles ficaram me mandando mensagens provocativas, nudes, etc. E eu só chorava. Estava sofrendo com algo que antes era uma delícia.

Como eles ficaram sabendo do livro?
Eu dei o livro, ainda na primeira versão, de presente pro Davi no aniversário dele. Quando leu, ficou doido. Me mandou e-mail perguntando por que a gente não tinha ficado junto. Eles me apoiaram muito, mas claro que também deve mexer em algumas coisas dentro deles.

Eles se sentiram expostos com "Rio Profano"?
Eu acho que a história relatada no livro não é apenas sobre um relacionamento trisal, vai além disso: é a história de uma mulher se descobrindo. Descobrindo a própria liberdade em direção aos seus desejos; o sexo permeia a história, afinal, é uma das formas que ela usa para se conhecer e acho que acontece da mesma maneira na vida real.

Para mim, pelo menos, o sexo sempre foi esse lugar de experimentação, em que estava expondo minha maior nudez. Literal e e metafórica. Expondo meus desejos mais profundos, minha selvageria, enfim... Às vezes, acho que a gente pensa no sexo de uma maneira muito limitada, como se transar fosse só para sentir prazer. Eu acho que a gente também transa pra encontrar partes de nós.