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'Validar dor, não culpa': como lidar com aborto espontâneo

Britney Spears agradece carinho dos fãs em postagem no Twitter - Reprodução/Twitter
Britney Spears agradece carinho dos fãs em postagem no Twitter Imagem: Reprodução/Twitter

Rute Pina

De Universa, em São Paulo

15/05/2022 17h52

Neste sábado (14), a cantora Britney Spears, 40 anos, anunciou, em seu perfil no Instagram, que perdeu o bebê que esperava com o ator Sam Asghari. A cantora, que anunciou a gravidez no mês passado, em 11 de abril, afirmou ter tido um aborto espontâneo.

"É com profunda tristeza que nós anunciamos que perdemos nosso bebê milagroso no início da gravidez. Isso é devastador para quaisquer pais", disse na publicação. "Talvez devêssemos ter esperado para anunciar mais adiante, mas estávamos muito animados para compartilhar a boa notícia. Nosso amor um pelo outro é a nossa força".

A ginecologista Érika Mendonça, obstetra especializada em sexualidade humana e Doutora em Obstetrícia e Ginecologia pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade São Paulo), afirma que as causas do abortamento no início da gravidez são difíceis de serem rastreadas, mas são bastante comuns — cerca de 30% das mulheres até a 12ª semana da gestação podem ter um aborto espontâneo.

As causas, diz a médica, podem ir desde a idade dos progenitores, alterações na tireoide, doenças autoimunes, alterações metabólicas, fatores de coagulação possam gerar tromboses ou mesmo problemas uterinos adquiridos ao longo da vida, como presença de miomas ou endometriose.

"É devastador, para a maioria das pessoas. Nos pré-natais, sempre digo que é necessária parcimônia nas expectativas com uma gravidez em menos 12 semanas porque uma 1 a cada 3 mulheres pode ter um abortamento espontâneo", diz a médica.

"Quando estou diante de uma mulher com dor e sangramento na gravidez, eu acalmo, chamo a família, solicito exames de imagens e tento organizar as questões de repouso, saber os batimentos fetais ou se colo está entreaberto, se está aberto ou fechado - se ele está fechado é só uma ameaça e não um abortamento em si."

Hoje, diz Mendonça, há poucas ferramentas disponíveis para lidar com estas causas assim que descobertas precocemente. O pior problema, diz ela, é a falta de acolhimento dessas mulheres. "É preciso apoio para que a mulher não se sinta responsável seja por ter caído, praticado esporte, pela alimentação — a falta de respostas causa feridas e deixa a fantasia muito aguçada", diz.

Validar a dor e organizar o luto

Durante a pandemia, a psicóloga Lígia Dantas, que integra a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, criou o "Entra Na Roda", uma plataforma de apoio psicológico on-line destinado a acolher , informar e conectar mulheres que vivem o luto perinatal ou mulheres que estão tentando engravidar.

A psicóloga chama a atenção para a presença da culpa das mulheres que passam por uma situação de abortamento espontâneo. "Inúmeras fantasias podem vir à tona quando surge o imponderável. Há uma sensação de culpa que vem do feminino, mas quem disse que foi um problema da mulher, quando o embrião do homem também é parte deste material genérico? Mas, como a gestação ocorre no corpo da mulher, é natural buscar essa culpa em si", pontua a psicóloga.

Ela afirma que perdas gestacionais não são validadas como luto socialmente. "Muitos dizem 'estava no comecinho, ainda não era nada, você pode engravidar de novo'. As tendem a subestimar o sentimento da mulher, mas, na verdade, foi a perda de um filho que estava gestando desde do primeiro desejo de gravidez", diz.

Na publicação em seu Facebook, Britney Spears, mãe de de dois adolescentes (Jayden, de 16 anos, e Sean, de 15), disse que pretende engravidar novamente, apesar da perda precoce. "Continuaremos tentando aumentar nossa linda família. Nós agradecemos a todos pelo apoio. Gentilmente pedimos privacidade durante esse momento difícil", finaliza Britney, que recebeu o carinho e apoio dos fãs, nos comentários da publicação.

Dantas recomenda, antes de uma nova tentativa, se organizar internamente para processar o luto. "É necessário recolher os cacos e ver os recursos emocionais, psicológicos e mesmo financeiro que ainda restam, porque há mulheres que podem ter que passar por um novo tratamento para esta nova tentativa. Ou seja, há um investimento libidinal, como falamos."

"Enquanto este luto não foi trabalhado e a mulher perceber que não foi uma falha dela, como mulher, todas essas questões que advém de uma nova investida em gestar podem gerar expectativas fora do comum para a gestação seguinte, o que pode gerar depressão e ansiedade", diz Dantas, que cita a importância de buscar tratamento da psicoterapia, apoio familiar e fortalecimento do casal.

"É importante ter esse apoio para não entrar nesse ciclo de culpa. É preciso validar a dor, mas não a culpa."

A ginecologista Érika Mendonça explica que nem sempre quem teve um primeiro abortamento, terá novamente na próxima gestação. "Os abortos recorrentes são menos comuns, o segundo abortamento em sequência chega 2% dos casos, e um terceiro, 1%", afirma. Mas ela também recomenda um período de seis meses a um ano para uma nova tentativa.

"Haverá uma dificuldade de encontrar qual foi a causa e talvez ela nem saiba. Por isso, é importante passar uma temporada para recuperar e reconhecer seu ciclo menstrual e curar os sintomas emocionais. Apaziguar a dor e estabilizar a saúde geral da mulher."