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Influencer trans de beleza com 1 milhão de seguidores: 'Me sinto acolhida'

Gabriela se maquia na internet desde os 14 anos, antes mesmo de fazer a transição  - Acervo pessoal
Gabriela se maquia na internet desde os 14 anos, antes mesmo de fazer a transição Imagem: Acervo pessoal

De Universa, São Paulo

05/05/2022 04h00

Em um mundo de tantos preconceitos, mulheres transsexuais ainda lutam para conseguir um espaço para se expressarem sem que sejam vítimas de comentários de ódio. Mas a história da Gabriela Ádie, de 19 anos, influencer de beleza com um milhão de seguidores no TikTok, começou bem antes de sua transição. Quem a segue há cerca de cinco anos viu a transformação acontecer vídeo a vídeo, post a post.

"Comecei a me maquiar quando tinha por volta de 14 ou 15 anos. Nessa época, nem pensava em transicionar. Eu era uma pessoa bem artística, dançava balé e gostava de me expressar com a maquiagem. Comecei a postar meus vídeos no Instagram antes da transição", diz Gabriela. Como era um menino de maquiagem nas publicações, os conteúdos geravam curiosidade. "Algumas pessoas que me procuravam para entender como era ter essa relação desconstruída, saindo do estereótipo de que homem não se maquia", conta Gabriela.

Quanto mais conteúdos ela postava, mais o interesse do público crescia - bem como seus números nas redes sociais. E foram esses seguidores que começaram a questionar Gabriela sobre seu gênero. "Falavam que eu tinha uma aparência feminina, mas eu tinha certeza que não queria transacionar. Eu negava. Para mim, era apenas uma questão de gostar de maquiagem", conta. Foi a puberdade, e as mudanças que foi vendo em seu corpo, que fez com que ela percebesse que seu caminho não seria continuar como um menino.

"Quando cheguei aos 16 anos vi que era algo diferente do que eu imaginava e comecei a sentir desconforto. Não me identificava com meu próprio corpo. Entrei em uma fase depressiva e comecei a fazer acompanhamento. Foi aí que me descobri", conta.

Por isso, sua transição foi toda documentada na internet, desde sua primeira maquiagem até quando assumiu. Quem a seguia, viu tudo de forma muito aberta.

Enfrentando a mudança

A internet via tudo, mas a conversa com a família veio apenas quando ela resolveu se assumir - e não foi tão simples quanto clicar em "publicar".

"Aos 16 anos, me assumi para minha família. Falei que não estava mais confortável com meu corpo e que queria buscar terapia hormonal e ajuda médica para fazer a transição completa. De início foi um baque e bem difícil. Precisei ser resiliente mentalmente para entender o lado dos meus pais"

Sua mãe a acompanhou em todas as consultas. E apesar do entendimento não ter sido do dia para noite, ele veio. "A primeira coisa que veio à cabeça deles foi o julgamento do mundo, de como as pessoas iam me ver, mas com o tempo, eles foram entendendo", conta Gabriela.

Gabriela Ádie tem 19 anos e mais de um milhão de seguidores em sua conta no TikTok, onde faz maquiagens e fala sobre sua vida como mulher trans - Acervo Pessoal  - Acervo Pessoal
Gabriela Ádie tem 19 anos e mais de um milhão de seguidores em sua conta no TikTok, onde faz maquiagens e fala sobre sua vida como mulher trans
Imagem: Acervo Pessoal

Ela tem três irmãos meninos e todo mundo morava junto na mesma casa. Mas com eles, foi bem mais fácil a aceitação. "Eles são pessoas incríveis. Desde o mais novo, que tem cinco anos, ao mais velho, que tem 15. Na escola, uns colegas perguntavam e tinha dúvida, isso também os afetou um pouco. Mas foi tranquilo com eles. Amo demais meus irmãos. Eles sempre buscavam me entender da forma mais natural possível", conta.

Aos 17 anos, Gabriela começou a fazer terapia hormonal. "Foi o pontapé inicial que eu precisava para me sentir confortável com quem sou", diz.

Mas o período de adaptação não foi fácil. Ela precisou se afastar da internet. "Os hormônios afetam a gente mentalmente. Vem uma TPM que eu não estava acostumada. É todo um processo para o corpo se adaptar", conta

Longe das maquiagem, ela sentia que faltava algo. "É quem sou, a forma como me expresso. Eu sentia falta dos makes não porque eles me afirmavam como mulher, e sim, como indivíduo. É algo artístico, vai muito além do gênero; O make transcende", conta.

Sucesso no TikTok

Sua vida na internet chamou a atenção de agência e hoje Gabriela também trabalha como modelo  - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Sua vida na internet chamou a atenção de agência e hoje Gabriela também trabalha como modelo
Imagem: Acervo pessoal

Como há quatro anos ainda não tínhamos o TikTok. Gabi usava o Instagram para dividir suas inspirações em maquiagem. Ela, inclusive, relutou um pouco em entrar no aplicativo das dancinhas e fez seu primeiro vídeo por lá só no final de 2020. "O primeiro vídeo meu que viralizou foi um que eu contava sobre meu alistamento no exército. Eu achei a situação engraçada, não foi algo constrangedor. Tenho o privilégio da passabilidade, que no mundo trans, significa que eu sou percebida socialmente como uma pessoa cis. Foi ali que percebi que a rede tinha potencial. Muitas pessoas compartilharam suas experiências, milhões de visualizações e curtidas? O público é mais amplo e vi ali uma oportunidade de postar minhas maquiagens e sobre a minha transição", conta.

E deu certo: em pouco mais de um ano, Gabriela passou a acumular mais de um milhão de seguidores no TikTok. "Tenho uma base sólida de seguidores, que são fiéis e estão ali porque gostam de mim e da pessoa que sou. Acho incrível", conta.

E, como é inevitável, os haters também acham o caminho dos comentários. E quando falaram de sua voz, dos tutoriais que ela narrava, ela se sentiu um pouco afetada, mas sempre tentou levar na esportiva. As respostas, certamente, vêm com classe. Em vez de replicar de forma grosseira, da mesma maneira com a qual ela é tratada, ela deixa o comentário em destaque enquanto se maquia. "Isso me fez crescer. Eu simplesmente sirvo beleza e talento com maquiagem com aquele comentário", diz.

Em contrapartida, também tem um lado bom. Gabriela recebe diversas mensagens de pessoas que se inspiram em sua coragem e a tratam como uma referência. "Me sinto amada e acolhida. É muito legal encontrar seguidores. Tudo é muito novo para mim e esse mundo é diferente daquilo que eu estava acostumada. Minha vida mudou completamente", conta. Ela saiu da casa dos pais em Governador Valadares (MG) e se mudou para São Paulo devido aos trabalhos que sua vida na internet começou a proporcionar.

Vida de modelo

O crescimento online levou a carreira da Gabriela para fora das telas. Ela foi notada por uma agência, a Changa, que conheceu seu trabalho na internet, gostaram do conteúdo e a convidou para fechar contrato.

"Fiquei extremamente feliz. Foi o marco inicial para eu me sentir uma influencer profissional. Não é hobby o que eu faço, é trabalho. Não me vejo fazendo outra coisa que não o que faço hoje. Está tudo muito interligado, a moda e a beleza. É quase inseparável", conta Gabriela.

No final de 2020, ela procurou uma agência, porque sempre gostou de modelar. O "não" ela já tinha. Faltava arriscar. "Sempre tive uma consciência facial e corporal muito boa. Sem contar a altura para ser modelo fashion. Pensei em arriscar, mas estava insegura de mandar minhas fotos", conta. Preocupação em vão: ela foi aprovada de primeira e teve muita química com seu booker desde o início. O que impedia os trabalhos era a força da pandemia naquele momento. De mudança para São Paulo, ela encontrou uma outra agência de modelo aqui para representá-la. "A moda é muito recente na minha vida. Estou engatinhando. Tenho uma jornada muito grande pela frente. Já fiz alguns trabalhos, mas quero crescer ainda mais porque é uma paixão muito grande. Estudo e trabalho para isso", diz.