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Susana Naspolini e a luta contra o câncer: 'O que for preciso para viver'

A jornalista Susana Naspolini voltou a fazer sessões de quimioterapia recentemente - Reprodução / Internet
A jornalista Susana Naspolini voltou a fazer sessões de quimioterapia recentemente Imagem: Reprodução / Internet

Luiza Souto

De Universa, do Rio de Janeiro

25/04/2022 04h00

Na luta contra o câncer desde os 18 anos, quando teve um linfoma, a jornalista Susana Naspolini, 49, conta com a fé e as orações de amigos e companheiros de trabalho na Globo, onde atua há 20 anos, para sua recuperação.

No fim de março ela foi ao Instagram comunicar que começou um novo tratamento contra uma metástase nos ossos, e numa conversa inspiradora com Universa, por telefone, ela explica de onde tira forças para conseguir falar sobre o assunto com tanta leveza.

"Se preciso for fico careca, faço 50 quimioterapias, tiro a outra mama, fico um mês internada. E farei com muita gratidão, porque meu objetivo é ver a Júlia crescer", ela se emociona ao citar a filha de 15 anos, de seu casamento com o jornalista Maurício Torres. Ele morreu em 2014, vítima de uma infecção pulmonar.

Autora dos livros "Terapia com Deus" e "Eu escolho ser feliz", a jornalista é uma espécie de patrimônio público do RJ1, o jornal local da cidade. A catarinense de Criciúma ficou famosa quando, após atuar na GloboNews, assumiu o quadro "RJ Móvel", em 2011, onde denuncia o descaso do poder público com a população carioca de um jeito irreverente: ela sobe em árvore, desce uma passarela em cima de uma bicicletinha de criança, escala muro...

E é com esse mesmo humor que ela mostra de uma forma centrada e confiante como trabalha a saúde mental para não só enfrentar a doença, mas se olhar com afeto mesmo após tirar um dos seios e ficar sem os cabelos, algo tão simbólico para as mulheres. "O estar careca é dizer que estou me tratando."

Ela fala também do apoio do parceiro nesses momentos. "Meu marido foi muito parceiro. Quando conversamos sobre tirar a mama, ele falou: 'Vamos nessa, isso é o de menos'. Se o cara não tiver maturidade para lidar com isso, quem está com um grande problema na vida é ele."

UNIVERSA: Como tem sido o tratamento até aqui?
Susana Naspolini:
Estou concluindo o segundo ciclo da quimioterapia. Já foram duas aplicações. A primeira semana é muito ruim, mais pesada. Fiquei sem energia. Coloquei cateter em uma segunda-feira, fiz a primeira sessão na terça e voltei de São Paulo para o Rio de carro, porque me recuso a pagar R$ 2 mil de passagem aérea. Farei três ciclos e depois o PET scan (exame de imagem feito para diagnosticar o câncer) para saber se estamos no caminho certo.

Estou vivendo um dia de cada vez. Não fico pensando em quanto tempo vai terminar, senão é mais sofrido. O que tenho aprendido nessas porradas de diagnóstico ao longo da vida é que a gente não controla nada.

Claro que não queria estar passando por isso, mas eu tenho certeza de que vou tirar coisas muito boas disso, e uma delas é estar aprendendo a viver

Por que tememos e fugimos tanto da dor e da morte?
A gente vive na cultura falsa de que a vida só vale a pena se a gente for feliz, quando ela é um pacote completo, com alegrias e tristezas, perdas e ganhos. A gente tem que parar com essa coisa de só querer o bônus da vida e fugir dos problemas. E também parar de questionar o que fizemos para merecer isso ou aquilo. Uma vez, uma senhora me falou que eu pareço ser uma pessoa boa para merecer isso. Sei que foi na melhor das intenções, mas parece que precisamos ser ruins para estarmos doentes, e estar com câncer faz parte da vida. Ter a noção da morte faz a gente ser mais feliz. Tu começas a valorizar as coisas. Não devemos fugir dessa verdade.

Compartilhar as nossas dores, como você faz, ajuda a suportá-las?
A minha ideia de falar é justamente essa. Acho que a vida ganha mais sentido quando a gente compartilha das histórias felizes às mais difíceis. Quando descobri o diagnóstico e fui para o Instagram contar, recebi tanto carinho que me deu uma injeção de ânimo. Isso faz muita diferença no meu estado de espírito. As histórias vão te estimulando a melhorar. Claro que cada um tem um jeito, e precisamos respeitar. Se não quiser falar por opção, ok, mas não falar por vergonha ou porque tenho que estar sempre posando de pessoa feliz aí é uma forma de se censurar, se boicotar. Sei que é difícil. A cada diagnóstico que recebo só vejo tudo preto e branco, e penso: "Meu Deus, de novo?", mas estou entendendo que os problemas que a vida traz podem ser vistos como uma chance que ela está te dando de ser uma pessoa melhor. Não quer dizer que você não vai ficar triste, mas isso é estar vivo.

E qual a melhor forma de acolher uma pessoa que está passando por momentos difíceis?
O que me ajuda é aquela coisa do: "Eu estou aqui", "conta comigo", e que não seja da boca para fora. Pessoas que não conheço falando que estão rezando por mim, para mim vale mais que ouro. E tenho uma filha de 15 anos. Somos só nós duas aqui no Rio, então conto com amigas maravilhosas que me ajudam nas coisas básicas do dia a dia como dar carona, ir em casa para dar um abraço. Isso vai te dando uma segurança, por saber que, se minha filha tiver qualquer problema de madrugada tem pessoas que vão sair da cama às três horas da manhã.

De que forma uma empresa pode ajudar os funcionários que passam por essas e outras dificuldades?
Dando tranquilidade a eles. As empresas tinham que repensar muita coisa, porque a gente morre de medo de perder o emprego. Eu tenho gratidão imensa pela empresa onde trabalho, porque tenho plena convicção de que consegui levar o tratamento em paz por causa dela. Seja na perda do Maurício, quando o acompanhei no hospital por um tempo, a perda do meu pai e os casos de câncer em que acabei me afastando. O Ali Kamel [diretor geral de jornalismo da Rede Globo] mandou mensagem falando para ficar tranquila e focar no tratamento. Os chefes mandam mensagem quase todo dia.

Se eu estiver estressada, com medo de perder o emprego, claro que isso pode prejudicar o tratamento, porque tudo é gasto de energia, inclusive você não pode fazer quimioterapia se estiver com imunidade baixa

Como você prepara o psicológico da sua filha?
Nunca escondendo nada dela. Tive o câncer de mama quando ela tinha 4 anos. Fiz a mastectomia, cheguei em casa com quatro drenos pendurados e foi uma recuperação muito difícil. Pois ela fazia os curativos, me ajudava com o remédio. E eu explicava: "Mamãe está doente, vou ter que operar, mas vai ficar tudo bem". Somos católicas e desde os 8 meses de idade ela vai à missa comigo todo domingo, e a gente reza por tudo. Choramos e rimos juntas. Ela teve que amadurecer muito cedo por causa de um monte de coisa que aconteceu, e isso deu a ela uma visão de vida que fico muito impressionada.

Chegou a fazer exames por medo de ela ter maior possibilidade de adoecer também?
Fiz exame de DNA na semana passada, mas ainda não saiu o resultado. De qualquer forma, mesmo que não seja genético, o médico já avisou que ela tem que ter uma atenção maior, e fazer mamografia aos 30 anos.

Quando você gravou o vídeo falando do câncer, mencionou que não sabe se o cabelo cairá, e isso é algo que realmente impacta a autoestima da mulher. Fora que você também precisou retirar um seio. Enquanto mulher, como trabalha esse lado feminino, da beleza à sexualidade?
Como tento levar a vida em tudo. Aos 18 anos perdi todos os pelos. Já em 2016, quando fiz quimio de novo, usei touca gelada durante as sessões, porque ela congela o couro cabeludo, mas para mim era uma tortura. Usava três cobertas, duas meias, luvas, cachecol e batia o queixo. Dessa vez falei para o médico que não quero saber da touca. Se tiver que ficar careca, eu fico. Cresce de novo. O estar careca é dizer que estou me tratando, faz parte do meu processo de cura. Eu quero viver, criar minha filha, vê-la se casando e tendo filha. Se preciso for fico careca, faço 50 quimioterapias, tiro a outra mama, fico um mês internada. E farei com muita gratidão porque meu objetivo é ver a Júlia crescer.

Muitas mulheres são abandonadas pelos companheiros diante de um diagnóstico grave. O que dizer para quem passa por isso?
Primeiro que se esses homens foram embora, foi um livramento. Eles são covardes e não merecem estar ao lado de vocês. Agradeçam. E se foi por causa da estética, lembre de se olhar e dizer: "Estou careca porque toda semana entra na minha veia um remédio que vai acabar com essa doença desgraçada, e estou tendo essa chance". Quantas pessoas não têm acesso ao tratamento? Tirei a mama aos 37 anos porque arranquei um câncer de mim. Tenho prótese mas nunca fiz a tatuagem do mamilo. Não me incomodo de olhar a mama sem mamilo. O meu marido foi muito parceiro, nunca cobrou nada. Quando conversamos sobre tirar a mama, ele falou: "Isso é o de menos". Se o cara não tiver maturidade para lidar com isso, quem está com um grande problema na vida é ele.

Além da sua fé, o que te ajudou a chegar nessa maturidade e encarar tudo com leveza?
Fiz terapia há quase 20 anos e depois que um profissional não me ajudou decidi não fazer mais. O que tem me ajudado muito é criar mais intimidade com Deus. Ali busco toda força do mundo, e com essa relação consigo encarar a vida mais leve. Não faz um ano que perdi meu pai, que era o homem da minha vida, meu primo e meu tio. Ainda teve o diagnóstico. A ideia do "por que isso aconteceu comigo?" é soberba da gente, porque quando questiono por que estou com câncer, tem a resposta: "Por que não? O que você tem de especial que a dona Maria pode ter a doença e você não?". Choro, tenho momentos em que penso que vou morrer, mas essa é a Susana mãe desesperada. Já tive momento de pânico e muito choro. Mas Deus levanta.