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'Gostaria de ver uma mulher piloto na Fórmula 1', diz Mariana Becker

A jornalista Mariana Becker que cobre o esporte de velocidade há 15 anos Imagem: Acervo pessoal

Rafaela Polo

De Universa, de São Paulo

23/04/2022 04h00

Ela troca brigadeiros com o corredor da McLaren Daniel Ricciardo e é lembrada por Lewis Hamilton, da Mercedes-AMG, se se ausenta em alguma coletiva. Com uma carreira consolidada e mais de 15 anos trabalhando nas transmissões da Fórmula 1, a jornalista da Band Mariana Becker, 50 anos, foi parar nas coberturas do esporte de velocidade por uma eventualidade. "Sempre gostei de aventura e isso me estimulou a ir para a F1. Mas não foi voluntário, foi um acaso. Eu já era uma repórter experiente e tinha corrido o Rally dos Sertões três vezes", relembra, em entrevista para Universa, direto de Porto Alegre, onde nasceu e passa uma temporada após a morte do pai, em março. Mariana mora com a família em Mônaco.

Na época em passou a cobrir o esporte, a TV Globo queria experimentar uma repórter na cobertura e, graças a sua habilidade de falar muitos idiomas (na casa da Mari, segundo ela, todos falam inglês, espanhol e francês desde novinhos e, segundo ela, seu vocabulário é "o mais capenga"), aceitou o desafio. Sua experiência pessoal também contou pontos. "Quem não está pilotando, não tem noção das emoções e habilidades que envolvem o automobilismo", diz.

Em uma entrevista de quase uma hora para Universa - na qual precisou dar uma paradinha para atender a um telefonema da mãe -, Mariana não escondeu nada e fez uma viagem por suas memórias para nos contar momentos marcantes e desafiadores em tantos anos de carreira.

UNIVERSA O esporte costuma ser um ambiente bem machista, e apesar de estar crescendo o número de mulheres, você é uma das pioneiras. Era difícil e melhorou? Como está o respeito pelas mulheres na F1?

MARIANA BECKER Quando eu cheguei tinha algumas mulheres. Eram poucas na cobertura do esporte, dava para contar nos dedos de uma mão. Mas tinham algumas trabalhando nos motorhomes, na logística, na parte administrativa e na assessoria de imprensa.

Eu acho que melhorou muito a relação com as mulheres, estamos em maior quantidade hoje em dia, principalmente em televisão, mas ainda temos um longo caminho pela frente.

E digo que é o caminho é longo porque temos que ter mais mulheres na cobertura e no próprio esporte. Está faltando uma mulher piloto na F1. O fato de não termos é um belo exemplo de como ainda precisamos galgar um caminho bom pela frente.

Você e seu marido, o produtor executivo Jayme Brito, trabalham juntos. Em meio a tantas viagens quase o ano todo, dá para ter tempo de casal? Como fica a vida doméstica de hotel em hotel?
O problema não é a vida em hotéis, mas trabalhar juntos. É o fato que, como casal, não termos momentos individuais, como acontece com a maioria, onde cada um sai para o seu trabalho e se encontra no final do dia.

Se por um lado a gente entende a intensidade da profissão, sofrendo, brigando e comemorando juntos, por outro não temos esse momento em que somos uma pessoa só. É um exercício diário, uma esgrima, conseguir conciliar o que é de casa e o que é trabalho. Porque mesmo em ambientes diferentes as pessoas não mudam, seguem as mesmas.

O que temos que aprender é resolver o que é importante primeiro e discutir depois. Uma questão de organizar prioridades. Por exemplo: se temos um arranca-rabo no trabalho, quando chegamos no hotel precisamos dar uma conversada para conseguir ter momentos de prazer.

Temos uma vida muito atribulada, com muito trabalho e coisas para fazer. O momento de descanso tem que ser respeitado, senão a gente não consegue a oxigenação para trabalhar bem no dia seguinte. Acabou o trabalho e deu briga no dia? O negócio é conversar e tentar curtir o jantar para que no dia seguinte as coisas não comecem tortas.

Você já passou por situações de pilotos mal-educados, como foi o caso do piloto Nikita Mazepin, mas também tem suas amizades no esporte, como com o Daniel Ricciardo. Nesses 15 anos, algum momento te marcou mais, para o bem ou para o mal?
Foram vários os momentos. O mais recente, que inclusive me surpreendeu, foi o Hamilton notar minha falta ao chegar na coletiva, perguntar por mim e mandar uma mensagem de melhoras durante meu afastamento no começo da temporada. Não é algo marcante para o resto da vida, mas que faz a gente notar que apesar da relação profissional, que tem um distanciamento, tem também algo pessoal de preocupação de amigo.

Me lembro de uma história, de um colega inglês que eu não tinha muita intimidade. Eu o cumprimentava de passagem e elogiava suas camisas, que eram sempre bonitas. Um dia notei que ele estava mais quieto e me falaram que era porque seu pai tinha falecido. Quando cheguei no hotel, mandei um e-mail para ele dizendo que a perda de um pai era algo importante em qualquer cultura, que mesmo sem sermos amigos, eu sentia muito pelo o que ele estava passando e se quisesse tomar um café ou uma cerveja, eu estava disponível. Isso mudou nossa relação por completo e de uma maneira profunda. Hoje ele é meu amigão.

Os europeus são muito diferentes dos brasileiros. E, ao mesmo tempo que tem isso, uma pessoa que você pode achar que é muito sua amiga pode te dar um não inesperado, que em nosso país nunca aconteceria.

Qual o momento mais difícil em dia de corrida: cobrir o paddock, o grid ou acompanhar os carros?
Fazer ao vivo é a parte mais prazerosa para mim. Tenho vontade de levar quem está do outro lado da tela, desde quem ama a F1 até minha mãe que não entende, junto comigo, de uma maneira descomplicada, como se fosse um convidado na minha casa.

O mais difícil é acompanhar a corrida pelos monitores, Nem sempre dá pra ver direito, reflete luz, às vezes não estão todos os números que precisamos. Uma corrida tem, em média, 60 voltas com 20 competidores. Muita coisa acontece nesse período. Ter tudo na cabeça quando acaba é difícil.

Por exemplo, um piloto pode fazer uma corrida ruim, trocou o pneu na hora errada, está frustrado, enquanto outro deve um grande momento e viveu o que há de mais emocionante. Eu tenho que ter tudo isso em mente, falando línguas diferentes na hora da entrevista. E eles não chegam na ordem dos meus pensamentos, chegam de forma aleatória para falar. Tem que ser uma memória muito rápida. A Ju, que trabalha comigo, me ajuda muito.

Uma vez, o Esteban Ocon veio para a entrevista e me deu um branco completo. Eu não conseguia lembrar de nada no ao vivo. Fiz uma pergunta aleatória para ele e depois fiquei me perguntando como falei algo tão imbecil.

Em outro GP, o chamei para me desculpar e ele nem lembrava mais. Disse que várias vezes nem sabe o que responder. Rimos juntos.

Você não é a única mulher nas coberturas. Se não me engano tem uma repórter italiana e mexicana também entre os carros. Rola uma sororidade? Vocês se ajudam? Ou é disputa para quem tem a melhor pauta?

Não rola sororidade. O que rola, às vezes, é se alguma de nós esqueceu o absorvente e a outra ajudar, por exemplo. Coisas bem típicas de mulher que elas entenderiam a urgência e importância do pedido.

Mas parceria por sermos mulheres enfrentando as mesmas coisas, conversar, dividir, e desabafar, ou alertar para tomar cuidado com algo, não. É uma pena.

Qual foi o maior perrengue que você já passou em coberturas?
Sou a rainha dos perrengues e dos foras. Só nunca perdi voo porque sou muito pontual. No começo da temporada podemos fazer entrevistas mais longas e individuais. Uma vez, eu tive uma com [ex-pilto] Nico Rosberg em Barcelona. Apesar de conhecer o pai dele [Keke Rosberg, também ex-piloto de Fórmula 1] e já ter ido a sua casa, nós dois temos zero intimidade.

Eu tinha começado a tomar um remédio há pouco tempo, então engoli o comprimido e fui para o autódromo. Foi muito difícil fazer a entrevista, eu estava com muito sono, não conseguia prestar atenção. Achei que era o fuso. Minha cabeça caia. Eu só consegui fazer as perguntas anotadas e ainda assim estava me perdendo toda. Quando cheguei no hotel, me dei conta que tinha tomado o remédio errado: em vez do que eu precisa, tomei um era para dormir. Eu não entendia nada do que ele estava falando. E era por isso.

Mariana Becker na pista após a cobertura de uma das corridas de Fórmula 1. Para ela, o mais legal é fazer o ao vivo e o mais difícil a cobertura ao final do circuito Imagem: Acervo pessoal

É só ter corrida que você vira TT no Twitter. O público te adora. Como você recebe esse amor?
Para mim é surpreendente. Eu tinha muito receio em relação a mostrar minha vida nas redes. Por muito tempo mantive o Instagram e o Facebook fechados. Ficava receosa porque não sabia qual a verdadeira relação virtual com as pessoas, e como isso poderia ser negativo ou invasivo.

Mas acho que, no fim das contas, eu consegui estabelecer uma relação muito boa de troca, porque gosto de dividir o que estou vendo com quem está à minha volta. É muito legal e interessante.

Perdi meu pai há pouco tempo e quem me acompanha sabe o quanto nós éramos ligados. Foi bem difícil. Eu acabo falando da minha vida para as pessoas e recebi tantas demonstrações de carinho, foi tão bacana e me fez tão bem.

Foi um dos momentos em que pude ver como essa comunicação é legal. Tem gente que acaba virando quase amigo, tem quem goste de Fórmula 1, tem quem não gosta... O relacionamento é virtual, mas é real.

Atualmente você mora em Mônaco. Do que mais sente saudade do Brasil?
Das pessoas. Não só das que eu conheço, mas do jeitão brasileiro de se misturar. O que não me impede de curtir o que tenho por lá. Consigo ficar sem feijão, por exemplo, mas quando chego em Porto Alegre, minha cidade natal, como feijão todos os dias.

Sinto falta da minha casa, do meu passado em comum com as pessoas, das referências que a gente tem do lugar onde viveu. Até dos jacarandás de Porto Alegre, que tem umas flores roxas lindas. Eu valorizo muito o Brasil.

Nos últimos anos o Brasil se tornou o centro de grandes polêmicas políticas globais, isso acaba respingando em você?
Sim, principalmente porque você está falando com uma jornalista que vive cercada de outros jornalistas. Essa pergunta sempre acontece.

Me perguntam sobre como está a polarização, comentam 'que loucura isso'. E eu respondo de acordo com as informações que tenho que leio e acompanho das empresas jornalísticas que eu confio.

Hoje não se pergunta sobre política com o microfone aberto, porque acabou virando uma grande questão é você é julgado pelo simples fato de fazer uma pergunta, mas sem microfone até os pilotos questionam.

A questão política, como em qualquer país, abrange tudo. Me perguntam da economia, da sociedade, como as pessoas estão...

Você tem alguma expectativa sobre as eleições deste ano?
Não, só estou esperando que tudo melhore. Tenho que me informar mais sobre esse assunto, infelizmente. Como jornalista, eu exijo de mim um nível maior de informação. Me sinto desinformada.

O que me surpreendeu muito é saber a quantidade baixa de jovens que estão tirando o título de eleitor. Lembro que foi quando eu tinha 16 anos que liberaram o voto para essa idade. Primeira coisa que eu fiz foi fazer meu título. Fiquei triste de ver que os jovens têm tanta opinião sobre as coisas, como deixa que outros decidam os seus futuros? O jovem é muito apaixonado, muito forte, tem que votar, mesmo que esteja decepcionado.

Porque a única forma de mudar ou reafirmar o que ele pensa é votando. Recentemente acompanhando os jornais vi que o número está subindo de novo por causa de um movimento nas redes sociais. Vou até colocar algo nos meus perfis.

Eu acho que tenho que votar. É a mesma coisa de reclamar que está passando fome, surge a chance de comer e você não vai. Porque é assim que você tem a chance de fazer a coisa mudar ou ficar como você quer.

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