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'Gosto tanto de namorar que me relaciono com várias pessoas ao mesmo tempo'

"Quando terminei meu primeiro casamento, decidi nunca mais entrar em uma relacionamento onde a pessoa teria controle sobre meu corpo" - Acervo pessoal
"Quando terminei meu primeiro casamento, decidi nunca mais entrar em uma relacionamento onde a pessoa teria controle sobre meu corpo" Imagem: Acervo pessoal

Marília Moschkovich em depoimento a Rafaela Polo

De Universa, em São Paulo

21/04/2022 12h28

"Desde 2014, eu vivo um conceito de amor muito diferente do tradicional. Sou adepta de um modelo, dentro da não monogamia, conhecido como relação livre. Para quem não sabe, essa é a ideia de que nenhuma relação romântica, afetiva ou amorosa tem um 'contrato' prévio. Por exemplo: até mesmo nos trisais os companheiros têm algum tipo de combinado. Na relação livre, não é assim.

Sempre gostei de namorar —gosto tanto que namoro várias pessoas [risos]. Gosto da intimidade e de ter companheiros na vida, que estão juntos, planejam, experimentam. Isso sempre foi gostoso para mim.

Mas também sempre curti ter relações casuais e explorar a sexualidade. No modelo tradicional e único que me foi apresentado, isso era incompatível. Ou você está solteiro ou está com alguém e tem que ficar só com essa pessoa.

O que acontecia comigo é que eu ficava com uma pessoa por um ou dois anos e, a partir disso, começava a querer coisas que não cabiam naquela relação. O que não tem problema algum, tá? Nenhum relacionamento dá conta de tudo. Mas no meu caso, eu terminava, ficava solteira e fazendo o que eu queria, passava uns dois anos eu voltava a sentir falta de namorar e ter essa intimidade. Era sempre assim, alternando.

Marilia e seus dois namorados da época em que estava grávida. David (esquerda) e o Raphael, pai de sua filha e companheiro que mora com ela até hoje. - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Marilia e seus dois namorados da época em que estava grávida. David (esquerda) e Raphael, pai de sua filha e companheiro que mora com ela até hoje.
Imagem: Acervo pessoal

Quando eu era jovem, com cerca de 18 e 20 anos, eu já tinha ouvido falar sobre poliamor e relações abertas. Mas a impressão que tinha, e que muitas pessoas também têm, era de que, apesar de eu ter vontade de viver algo assim, não conhecia ninguém que toparia esses combinados. Sempre que eu me apaixonava, a pessoa preferia viver um relacionamento fechado. No meu caso até acontecia de eu conversar e dizer que se rolasse vontade de ficar com outro alguém, não tinha problema. Eu não me importava.

Quando tinha 23 anos, conheci meu primeiro marido e ficamos quatro anos juntos. Nos casamos e até fizemos uma festa. Era uma relação monogâmica que ficou muito ruim e terminamos no começo de 2014. Demorei para entender que tinha vivido algo abusivo e com violência psicológica. Foram muitos anos para processar o que eu tinha passado.

Por isso, quando essa relação chegou ao fim, tomei uma decisão para a vida: nunca mais entraria em uma relacionamento onde, por princípio, a pessoa tenha controle sobre meu corpo. Onde eu tenha que fazer coisas só para agradar o outro e deixar de ficar com quem eu gostaria. Foi muita terapia.

Nessa época, me lembrei das relações livres. Por coincidência também foi nesse período que eu conheci meu segundo companheiro, que morou comigo por alguns anos. Ele era militante de um movimento de relações livres em São Paulo. E aqui ainda vale mais uma explicação: nessa época não era normal pessoas jovens conhecerem outras pela internet. Demorou um pouco para o Tinder e o Ok Cupid, que acolhe muito bem a comunidade não monogâmica, pegar.

Foi essa tecnologia que facilitou viver não monogamia. Se você não tem ferramentas para conhecer pessoas fora do seu círculo, acaba ficando muito limitado. E se você conhece alguém com as mesmas crenças, pode nem saber que a pessoa pensa assim, porque não é comum conversar sobre o assunto.

Para mim, essa mudança na maneira de conhecer pessoas foi muito importante. Aumenta as possibilidades e até seu repertório. Foi assim que conheci o Leo, o segundo companheiro que morou comigo. Ele morava com uma outra companheira quando o conheci, há sete anos, mas eles já estavam falando de ir cada um para um canto porque a relação estava desgastada.

Depois de alguns meses de namoro, ele veio morar comigo. Ficamos juntos por pouco mais de dois anos e foi tudo bem bacana. Até para ele e Aline as coisas melhoraram com a distância —no nosso estilo de vida, ele não precisava terminar com ela para morar e ficar comigo. Eu mesma namorava outra menina que morava com o companheiro dela na época.

Após esse término, em um período de cinco anos, me mudei de casa umas 15 vezes e morei em três países. Foi meio doido: Argentina, França e Alemanha.

Quando eu estava na França, tive três namorados durante uma época. Acabamos terminando e comecei a namorar uma menina e um outro homem —inclusive, eles se conheceram por intermédio meu e estão juntos até hoje.

Se você me perguntar se dá para contar quantos parceiros temos nesse tipo de relação, eu diria depende. Você consegue identificar quais são as relações mais importantes em sua vida. Hoje, por conta de afeto e pandemia, tenho uma: o companheiro que mora comigo e que é pai da minha filha. A gente se conheceu em 2018, uma época em que eu tinha várias relações. Quase que imediatamente passamos a morar juntos e deu muito certo para nós essa convivência na mesma casa. Eu consegui uma bolsa de estudos na Alemanha e fomos juntos para lá. Logo que chegamos, descobri que estava grávida.

Marilia grávida quando morava na Alemanha. Hoje sua filha tem 3 anos. - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Marilia grávida quando morava na Alemanha. Hoje sua filha tem três anos
Imagem: Acervo pessoal

Na Alemanha, passamos por um grande período de isolamento. A sociabilidade lá é muito diferente da nossa. Além disso, estávamos vivendo uma gravidez, depois o nascimento da nossa filha e o puerpério. Quando voltamos ao Brasil, moramos com a minha mãe, o que não facilitava conhecer pessoas e ter outras relações. Eu quase morri [risos]. Ter uma relação livre é uma questão tão importante na minha que senti que deixei de ser eu mesma por não ter a possibilidade de outras relações. Agora finalmente estou voltando a mim, com alguns crushes e conhecendo novos parceiros e parceiras.

Quando mudamos para nossa casa, em fevereiro de 2020, começou a pandemia. E continuamos nesse isolamento. Só no ano passado meu companheiro começou a namorar uma pessoa. Mas como a nossa filha não tem vacina, foi todo um processo de esperar um momento em que poderíamos nos arriscar e ver pessoas de fora da nossa bolha. Só estou voltando a sair com outras pessoas agora", Marília Moschkovich, socióloga, 35 anos.