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OPINIÃO

Cena de Euphoria zoa influencers e positividade tóxica: calem a boca!

Barbie Ferreira é Kat, em Euphoria - Divulgação HBO
Barbie Ferreira é Kat, em Euphoria Imagem: Divulgação HBO

Tatiana Schibuola

De Universa, em São Paulo

15/04/2022 07h00

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"Você é um dos seres humanos mais corajosos e lindos que eu já vi", diz uma loira gostosa, de biquíni, lá do banheiro;

"Levantar da cama todos os dias é um ato de coragem", fala a morena bonitona de pernas compridas.

"Você precisa superar os padrões de beleza! Precisa se amar", grita uma moça loira, magra e estilosa.

No centro desse falatório está Kat Hernandez, adolescente tímida e insegura, personagem da atriz Barbie Ferreira em Euphoria - série hit da HBO que retrata, com tintas exageradas, a vida das garotas adolescentes norte-americanas.

Não há exagero, no entanto, nesta que para mim é a melhor cena de toda a série. Deprimida, Kat assiste a um tutorial de maquiagem na internet enquanto come um balde de salgadinhos. Então, o quarto da garota é invadido por influenciadoras (da vida real!), a lhe dar lições de moral: uma alegoria do que é ser adolescente (e mulher) no tempo do scroll infinito das redes e da positividade tóxica.

Nada pode ser mais irritante que ouvir de uma mulher (que cuidadosamente editou sua imagem e sua mensagem) que precisamos nos aceitar e nos libertar.

Ana Paula Xongani, criadora de conteúdo e empresária, já falou sobre isso na coluna dela, em Universa: "Claro que a internet é um grande universo para te fazer achar que as pessoas têm uma autoestima muito mais bem resolvida que você. Se ao invés de me acompanhar pela internet, você ficasse comigo por 24 horas - ou até menos que isso, 12 horas - compreenderia que existem muito mais coisas para resolver do que resolvidas."

É isso: não estou livre da influência do meu feed de Instagram. Mas, adulta que sou, não preciso adivinhar que mesmo os discursos de autoaceitação vêm preenchidos por doses cavalares de realidade, dor, sofrimento e ansiedade.

Minha preocupação, então, está em Kat. E em minha filha. Aos 15 anos, ela acompanhou toda a evolução do iPhone (seu objeto de desejo). Troca as tardes com as amigas no chão da sala por horas seguidas nas redes. Se a adolescência, por si só, já é um tempo difícil de construção da personalidade, fazer isso em meio à obsessão por imagem corporal e popularidade é um drama sem precedentes.

Maratonei as duas temporadas de Euphoria encantada pela originalidade, pela direção de arte, pela novidade dos looks e makes. Ao mesmo tempo, fiquei aflita com a realidade das personagens - uma série teen em que meninas ganham dinheiro de homens pervertidos na internet, normalizam os nudes vazados no WhatsApp, aprendem a transar vendo filme pornô e convivem com crises de ansiedade e de pânico como se fossem cólicas menstruais. (Saudades dos dilemas pueris de Barrados no Baile.)

Carol, minha filha, jura que a vida real das meninas da sua idade não é bem assim. Mas é verdade que, de tempos pra cá, os adolescentes estão mesmo sofrendo mais. Um relatório divulgado em outubro do ano passado mostrou que 22% dos adolescentes e jovens brasileiros entre 15 e 24 anos se sentem muitas vezes deprimidos ou com pouco interesse em fazer as coisas.

É uma crise de saúde pública, que não será resolvida com dancinhas no TikTok e mensagens motivacionais vazias.

Kat, ao final da cena descrita no início desse texto (episódio dois da segunda temporada), tem um momento de fúria e manda todas as influenciadoras cheias de positividade tóxica calarem a boca. E continua se sentindo uma merda. O que é ótimo: não há felicidade sem tristeza. E é preciso aprender a lidar com ela.

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