Topo

EUA iniciam hoje sabatina de juíza que pode ser 1ª negra na Suprema Corte

Danila de Jesus

Colaboração para Universa, de Nova York

21/03/2022 04h00

A juíza Ketanji Brown Jackson, 51, começa a ser sabatinada pelo Comitê Judiciário do Senado dos Estados Unidos nesta segunda-feira (21), e poderá se tornar a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Suprema Corte. Indicada pelo presidente norte-americano Joe Biden, responderá a uma série de perguntas de senadores americanos sobre diferentes assuntos, incluindo sua experiência como magistrada, até quinta-feira (24), para, então, ser aprovada ou não para a vaga.

Dos 103 juízes que já passaram pela corte, apenas cinco eram mulheres: a conservadora Sandra Day O'Connor foi a primeira delas, nomeada em 1981. Entre o total de juízes, apenas dois deles são negros: Thurgood Marshall, nomeado em 1967, e Clarence Thomas, em 1991.

Se nomeada, Jackson será a terceira pessoa negra a compor a galeria dos juízes e a sexta mulher. Terá um colega negro considerado conservador em sua filosofia jurídica, o juiz Clarence Thomas e outras três juízas, Elena Kagan e Amy Coney Barrett (brancas) e Sonia Sotomayor (hispânica). Uma vez integrada à corte, ela pode elevar o percentual de afrodescendentes na instituição de 12% para 28%.

"Sou apaixonada por garantir que as pessoas que são impotentes em nossa sociedade e estão sendo maltratadas sejam ouvidas pelo sistema e sejam capazes de fazer com que suas queixas sejam ouvidas e tratadas de forma justa"
Juíza Ketanji Brown Jackson, em entrevista ao portal de notícias da Universidade de Harvard

Trajetória

Se o nome de Jackson for aprovado, a juíza vai substituir Stephen G. Breyer, 83, que comunicou sua aposentadoria em janeiro. Desde o anúncio, Biden recebeu forte pressão dos liberais afro-americanos para que sua promessa de indicar uma mulher negra à Suprema Corte fosse cumprida.

Jackson nasceu em Washington, capital do país. É filha de Ellery Brown, ex-professora e diretora escolar, e de Johnny Brown, também ex-professor e advogado. Após cursar o ensino médio em uma escola pública em Miami, ela se formou em Direito na Universidade de Harvard. Em 1996 se casou com Patrick G. Jackson, médico cirurgião e professor, com quem tem duas filhas.

Com experiência em tribunais, Jackson atuou por quatro anos na Comissão de Sentenças, uma agência independente. Esse trabalho coletivo impactou cerca de 12 mil pessoas presas, com a redução da pena de condenados por crimes relacionados a drogas. Em 2020, segundo relatório divulgado pela comissão, cerca de 77,1% dos infratores do tráfico de crack eram negros, 15,9% eram hispânicos, 6,3% brancos e 0,7% eram de outras raças.

Jackson também foi associada em dois escritórios de advocacia: um especializado em defesa de acusados de crimes financeiros e outro com foco em negociação de delitos em massa. Em 2010, trabalhou como defensora pública federal. Dois anos depois, o ex-presidente Barack Obama a nomeou como juíza distrital federal em Washington.

Atualmente, faz parte do Comitê da Conferência Judicial sobre Serviços de Defesa, do Conselho de Supervisores da Universidade de Harvard e do Conselho do Instituto de Direito Americano. Desde o ano passado, também após indicação de Binden, ela é juíza no Tribunal Federal de Apelações em Columbia, em Washington, um dos mais poderosos do país.

Expectativas e divergências

Durante discurso no dia 1º de março, no qual anunciou o nome de Jackson como sua indicação à Corte, Biden reforçou que a juíza é "uma das principais mentes jurídicas do nosso país, que continuará o legado de excelência do juiz Breyer".

Na corte desde 1994, após indicação do ex-presidente Bill Clinton, Breyer aprovou o nome de Jackson como sua substituta. "Ela é muito inteligente e tem a combinação de habilidades e experiência que precisamos", disse, em ocasião anterior. Os dois juízes são conhecidos de longa data: Jackson foi sua colaboradora de 1999 a 2000, no início da carreira jurídica.

A juíza também tem recebido apoio de inúmeros grupos religiosos, embora não tenha declarado publicamente sua religião. O reverendo e ativista dos direitos civis, Al Sharpton, influente liderança do país, escreveu que tem o prazer de se "juntar a um grande coletivo de mulheres" que está trabalhando para garantir seu nome na Suprema Corte. O Conselho Nacional de Mulheres Judias dos EUA também celebrou sua indicação: "Isso é história".

Por outro lado, a definição religiosa da juíza também elevou o ponto de estresse entre ativistas sobre a indicação de seu nome, principalmente no que diz respeito a temas sensíveis na sociedade, como o aborto, que deve entrar na pauta do tribunal ainda neste ano.

De 2010 a 2011, Jackson foi conselheira da Montrose Christian School, escola secundária cristã particular operada pela Igreja Batista Montrose, em Maryland. As declarações de fé da instituição seguem os princípios contrários ao casamento gay e ao aborto. Ao mesmo tempo, associações ligadas à luta pelo direito reprodutivo, como a Planned Parenthood —principal serviço de cuidados de saúde sexual e reprodutiva das mulheres, que realiza interrupção de gravidez—, tem apoiado sua nomeação.

A morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, que se tornou símbolo da luta dos direitos das mulheres e da população LGBTQIA+ no judiciário, também tem gerado expectativas se Jackson seguirá ou não o legado liberal de Ginsburg no tocante aos direitos das mulheres.

Enquanto grande parte dos liberais apoiam seu nome, os conservadores sabem bem da firmeza em suas decisões. Em veredito recente em 2019, ela ordenou que um ex-conselheiro e advogado do ex-presidente Donald Trump, Donald McGahn, comparecesse ao Congresso para prestar depoimento em uma investigação sobre provável obstrução de Justiça.

O caso envolvia o procurador especial Robert Mueller, sobre possível colaboração da Rússia para favorecer a eleição de Trump. Toda a assessoria jurídica do ex-presidente lutou contra o testemunho, sendo rejeitado por Jackson sob o argumento de que os assessores do presidente não estavam imunes à intimação no Congresso. "Declarado de forma simples, a principal conclusão dos últimos 250 anos de história americana registrada é que os presidentes não são reis", afirmou a juíza na ocasião.

Embora suas decisões anteriores se aproximem de uma postura liberal, Jackson não é uma unanimidade. Para Uriah W. Clemon, juiz aposentado e liderança do Movimento dos Direitos Civis dos negros nos EUA, em carta enviada ao presidente Biden, em fevereiro, desaprovou a indicação da juíza explicitamente e pediu que outras nomes de mulheres negras fossem levados em consideração.

"Se a juíza Jackson for nomeada para a Suprema Corte, a justiça simples e a igualdade no local de trabalho, serão sacrificadas", declarou. Sua aversão parte de uma decisão da juíza em relação à uma causa trabalhista que teria favorecido uma corporação, e não um grupo de funcionários afro-americanos.

Ketanji Brown Jackson se casou em 1996, e não em 1966, como constava na matéria.