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Olhos da guerra: conheça fotógrafa que registra a violência na Ucrânia

A fotógrafa americana Lynsey Addario está na Ucrânia desde o início da guerra; suas fotos têm sido publicadas em todo mundo - Simone Padovani/Awakening/Getty Images
A fotógrafa americana Lynsey Addario está na Ucrânia desde o início da guerra; suas fotos têm sido publicadas em todo mundo
Imagem: Simone Padovani/Awakening/Getty Images

Gabriela Forte

De Universa, em São Paulo

13/03/2022 04h00

Enquanto o mundo acompanha horrorizado o avanço da guerra na Ucrânia desde o dia 24 de fevereiro, as lentes da fotojornalista americana Lynsey Addario registram as imagens de como a população presa na zona de conflito tenta sobreviver um dia após outro. Ao longo deste texto estão fotos feitas por ela durante o atual conflito.

Na segunda-feira (8), Addario publicou em seu Instagram o que classificou como o seu registro mais chocante em 20 anos cobrindo conflitos armados pelo mundo: a foto mostra uma mulher, um adolescente, uma criança e um homem adulto, mortos após um bombardeio russo contra áreas da cidade de Irpin, há 40 minutos da capital ucraniana, Kiev, durante a tentativa de evacuação da região. A mãe e as duas crianças morreram na hora. O homem, identificado como um amigo da família, morreu pouco depois. A imagem rodou o mundo e estampou a capa de diversos jornais. (Atenção: a imagem abaixo tem conteúdo de violência e pode ser sensível para algumas pessoas).

O trabalho de duas décadas em cobertura de guerras a colocou na lista dos cinco fotógrafos mais influentes dos últimos 25 anos pela American Photo Magazine. Addario esteve na maioria dos grande conflitos que atraíram a atenção do mundo, como o do Afeganistão, que lhe rendeu o prêmio Pulitzer de 2009 por sua atuação na cobertura das operações americanas. Mas se arriscar em zonas de conflito não era seu primeiro objetivo. No início, Addario queria registrar a vida das mulheres oprimidas por regimes fundamentalistas do Oriente Médio.

Nascida e criada na cidade de Westport, no estado americano de Connecticut, Addario ganhou sua primeira câmera, uma Nikon FG usada, aos 12 anos. Mas sua timidez a impedia de fotografar pessoas, então preferia fotografar a natureza no entorno da casa da família. Isso só mudou depois que ela foi morar na Itália, onde, pela primeira vez, conseguiu direcionar suas lentes para os moradores de Bolonha, onde estudava italiano.

Segundo Addario, foi ali que a fotografia a conquistou. Sem qualquer estudo formal ou experiência em fotojornalismo, se mudou para a Argentina em 1996 determinada a trabalhar na área. Sua entrada no jornal centenário "Buenos Aires Herald", de língua inglesa, veio depois de um desafio do editor: se ela conseguisse entrar no set de filmagens do filme "Evita", gravado na cidade e estrelado pela cantora Madonna, o emprego era dela. As fotos, ela diz, ficaram ruins, mas serviram como porta de entrada para algo maior.

Seu interesse em defender e retratar as questões femininas a levou para o Afeganistão nos anos 2000, para registrar as histórias de mulheres que sofriam sob o domínio do regime fundamentalista Talibã.

Seu conhecimento sobre o país e sobre o Oriente Médio foi determinante para a sua expertise de cobertura em zonas de guerra: depois dos ataques do Talibã contra o World Trade Center, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, Addario se mudou para o Paquistão e, aproveitando seus contatos dentro do país, registrou os avanços das tropas americanas contra os extremistas até a derrubada do regime. Acompanhando as movimentações dos militares americanos no Oriente Médio, também registrou a vida das tropas e da população do Iraque antes e depois da deposição de Saddam Husseim, em 2003.

Sequestrada por radicais islâmicos, ela ficou "mais perto da morte"

Na autobiografia "É Isso Que Eu Faço: Uma Vida de Amor e Guerra" (ed. Intrínseca), a fotógrafa conta que, no Iraque, passou pela situação que até hoje classifica como "a mais perto da morte". Ela foi sequestrada duas vezes: a primeira por insurgentes sunitas (grupo que é maioria entre os muçulmanos) durante as disputas militares pela cidade de Fallujah, a oeste da capital, Bagdá, em 2004; e depois na Líbia, sob ameaça de tropas do governo de Muammar Gaddafi, em 2011.

As experiências contadas em seu livro de memórias chamaram a atenção do diretor Steven Spielberg, que, em 2015, divulgou seu projeto para fazer um filme baseado na vida da fotógrafa. Para dar vida a Lynsey Addario foi cogitado o nome da atriz Jennifer Lawrence.

Na Ucrânica desde o início da guerra, Addario tem suas fotos publicadas por alguns dos maiores veículos jornalísticos do mundo, como "The New York Times", "National Geographic" e "Time". Ela afirma que a ameaça da morte depois do clique não a intimida. Em entrevista a revista "Claudia", em 2016, a fotógrafa admitiu, porém, que o medo da violência pelo fato de ser mulher ainda é maior.

"Trabalho com frequência em lugares em que o estupro é uma arma de guerra muito comum. Essa é sempre uma ameaça. Na Líbia, esse foi meu grande temor nos seis dias de cativeiro. A todo momento pensava: 'Eles vão me estuprar, esse é o próximo passo'."

Aos 49 anos, Lynsey é casada com o jornalista Paul de Bendern desde 2009 e tem um filho, Lukas, hoje com 11 anos. Ela conta que trabalhou até o sétimo mês de gravidez e foi muito criticada por "arriscar" a vida do filho fotografando. "Não estava cobrindo a linha de frente, mas histórias relacionadas às mulheres. E todas ao meu redor estavam grávidas. Por que elas podiam estar ali e eu não? O curioso é que ninguém critica os homens", diz.

Com coberturas como a crise de refugiados de Darfur, na África, a guerra civil na Líbia , e outros conflitos na Síria, Sudão, Congo, Líbano em seu currículo , Addario disse entrevista à "Folha de S.Paulo" em 2015 que sua missão sempre será mostrar as repercussões da violência vazia da guerra.

"Não queremos entorpecer os leitores com a violência a ponto de não se importarem. Imagens tem de contar uma história."