Topo

Autora vendeu direitos à Globo: 'Leitoras dizem que vida sexual melhorou'

Nana Pauvolih: "Leitoras dizem ter começado a se libertar e a falar com o parceiro sobre suas fantasias" - Divulgação
Nana Pauvolih: 'Leitoras dizem ter começado a se libertar e a falar com o parceiro sobre suas fantasias' Imagem: Divulgação

Rafaela Polo

De Universa

12/03/2022 04h00

Antes do fenômeno "Cinquenta Tons de Cinza" ganhar as livrarias do Brasil em julho de 2012, já existiam mulheres que escreviam e publicavam romances eróticos. Entre as pioneiras está a brasileira Nana Pauvolih, 47 anos. Sem resposta de nenhuma editora sobre a possibilidade de publicação das histórias que escreve desde os 12, a carioca decidiu disponibilizar trechos de graça na internet. As cenas de sexo picantes e detalhadas atraíram o interesse do público, e a expectativa das leitoras pela chegada de cada novo capítulo era o empurrão que a professora de história e filosofia precisava para levar a carreira de escritora erótica a sério.

Em alguns de seus livros, uma transa pode durar vários capítulos. E foi essa habilidade de "deixar a porta do quarto aberta", como ela mesmo diz, que despertou o interesse da Rede Globo em comprar de forma exclusiva os direitos de "Ferida" e "Duplamente Ferida". Além disso, a distribuidora de filmes Galeria deve começar a gravar um longa inspirado em outro título seu ainda neste ano.

Livro Ferida - Divulgaçao - Divulgaçao
Livro Ferida
Imagem: Divulgaçao

E tem mais: Nana está produzindo histórias exclusivas para serem publicadas como audiobook pela Storytel. São os famosos spin offs da série "Redenção", que fez tanto sucesso entre as leitoras. No final de março, a trilogia inédita de audiolivros "Paixões Expressas", que conta a história dos antigos protagonistas da série, chega à plataforma.

Na entrevista a seguir, a autora conta a Universa mais detalhes sobre a parceria com a Globo, diz que as leitoras relataram uma melhora na vida sexual após lerem os seus livros e revela que preferiu se separar do marido que criticava o seu trabalho.

UNIVERSA - Como a Rede Globo chegou até você?
NANA PAUVOLIH - Nunca achei que minhas histórias se tornariam filmes. A editora Planeta entrou em contato comigo falando que a Globo estava querendo investir em romances eróticos e que elas enviariam a eles alguns títulos da casa, meus e de outras autoras. Após lerem os dois que foram enviados, eles pediram mais. A resposta demorou muito para chegar, mas veio depois de alguns meses. Eles tinham gostado dos meus livros e queriam lançá-los em uma coletânea com outros autores, como se fosse uma série erótica.

O meu título seria "Redenção de um Cafajeste". Eles compraram os direitos da série "Redenção", sem exclusividade, pois ainda não tinha previsão de lançamento. Fui até em uma reunião na Rede Globo para dar um parecer de como era um romance erótico. Depois de alguns meses, me chamaram para mais uma, desta vez em São Paulo, mostraram bastante interesse e acabaram comprando, desta vez com exclusividade, os direitos de "Ferida" e "Duplamente Ferida", da série "Segredos". Mas, com a chegada da pandemia, as coisas pararam. Ainda em tempos pandêmicos, a Galeria Distribuidora viu uma matéria dizendo que a Globo adaptaria meus livros em filmes, e vieram conversar comigo. Eles têm interesse em outros dois títulos e no meio do ano já devem começar a produção.

De que maneira você começou na carreira literária?
Eu escrevo há muito tempo. Comecei quando eu tinha 11 anos, me arriscando com a primeira história. Minha irmã tinha um quarto repleto de prateleiras com livros e eu adorava pegá-los emprestados para ler. Até quando eu fazia desenhos acrescentava algumas histórias. Mas sempre enxerguei como hobby. Em casa eu tinha um baú cheio de manuscritos, até que resolvi arriscar e mostrar meu trabalho. Comecei da forma tradicional: imprimindo e enviando um dos meus livros para algumas editoras. Escolhi "A Coleira'', mas nunca obtive resposta.

Quando comecei a usar mais a internet, entendi que havia plataformas em que eu poderia disponibilizar meu livro. Coloquei apenas um capítulo para ver como o público se comportaria. Na época, eu trabalhava como professora em escolas públicas e privadas. Quanto mais pediam, mais eu publicava. Quando terminei o livro, tinha mais de 2 mil pessoas me seguindo. Então, em 2011, comecei a publicar no Wattpad e consegui publicar de forma física com uma pequena editora do Rio de Janeiro. Só em 2012 fui em busca de uma agente literária. Até então, tudo era de graça.

A Coleira, livro Nanah Pauvolih - Divulação  - Divulação
A Coleira, livro da Nanah Pauvolih
Imagem: Divulação

O que a fez escolher publicar romances eróticos?
Sempre escrevi romances. Nunca fui de ler livros infantis, eu lia o que tinha em casa. Inclusive, meu contato com romances eróticos foi muito cedo: eu devia ter uns 12 anos.

Peguei um livro da Cassandra Rios, que escrevia no gênero desde a década de 1970 e chegou a vender mais de um milhão de exemplares em plena ditadura militar, e li escondido. Pensei, na época, que iria escrever sobre isso um dia, mas não tinha maturidade ainda.

Foi bem mais tarde que me arrisquei nos romances eróticos. Fui bem autodidata no processo: aprendi com meus próprios erros, corrigi e, quando apresentei ao público, já estava mais acostumada.

Pensando em protagonistas, você tem preferência por algum ator ou atriz para interpretar seus personagens?
Já fiz brincadeiras com as leitoras e alguns atores até vieram falar comigo. Quem me acompanha pede para que o Rafael Viana seja o Enrico, de "Pecadora", e o Herbert Bressan, o Antonio, de "Redenção". Mas não temos nada fechado.

Qual a sua inspiração para cenas eróticas tão detalhadas e diferenciadas em cada história?
Alguns dos meus livros são bem eróticos. Outros, nem tanto. Por exemplo: lancei com a editora Planeta a série "Pecadora" e eles estão lançando a série "Segredos". O quarto livro dessa série, "Rendida", conta a história de Lara, que é uma mulher que sofreu abuso --algo que vi na vida de uma amiga. A parte do romance vem totalmente da minha cabeça. Quando penso em uma cena, seja ela dramática, amorosa ou erótica, eu me abro para aquilo.

Já ouvi uma vez que escrevo romances, mas abro a porta do quarto, porque me dou liberdade de escrever e não me prendo ao que é politicamente correto.

As cenas vêm para mim de uma maneira bem natural. Lara, por exemplo, era um ser altamente sexual, assim como os irmãos Heitor e Pedro com os quais ela participa de um ménage. No livro "Além do Olhar", narro a história de um rapaz paraplégico, então precisei estudar a vida de uma pessoa que tem limitação para se movimentar, conversei com cadeirantes e fiz uma grande pesquisa. Mas além disso, deixo minha imaginação correr, respeitando os limites dos personagens.

Livro Além do Olhar - Divulgação - Divulgação
Livro Além do Olhar
Imagem: Divulgação

Você enfrentou preconceito em sua trajetória?
Muito e começou em casa. Todo mundo me via escrevendo, mas não sabia qual era o assunto. Eu não falava para ninguém. Eles não tinham noção de que havia erotismo nas histórias. Quando lancei meu primeiro livro em 2011, meus amigos, colegas de trabalho e familiares foram ao lançamento. Quando eles começaram a ler veio aquele choque. Meu ex-marido chegou a me pedir para tirar algumas cenas da história. E eu sempre questionava o motivo. As pessoas transam, sabe? Após um ano, acabei me separando por causa dessa questão. A perturbação e o ciúme eram muito grandes. Ele não entendia meu trabalho.

Escolhi me separar e seguir minha profissão. Não me arrependo. Meus familiares até hoje não leem o que eu escrevo, e eu respeito isso.

Mas não foi só nesse cenário que passei por preconceito. Quando a editora Rocco publicou meus livros, houve autores da casa que entraram em contato com a editora dizendo que eles estavam errados em ir por aquele caminho. Tiveram até comentários feitos de forma aberta nas redes sociais e o marketing me perguntou se eu preferia que fosse apagado. Eu disse que não. Recebi mensagem de grupos de mulheres me dizendo que eu não deveria escrever daquela forma, homens entravam em contato achando que eu fazia tudo o que estava nos livros. Ouvi de tudo! Gente falando que minhas histórias eram machistas, outras reclamado que eram feministas. Mas essas reações nunca me afetaram. Hoje em dia o volume diminuiu, porque as pessoas estão mais acostumadas, mas ainda acontece.

nana - Divulgação  - Divulgação
Audiobook Nanah Pauvolih
Imagem: Divulgação

Chegou a sentir vergonha de seus livros?
Nunca. Pelo contrário: tenho muito orgulho de falar sobre eles. Eu vejo o erotismo como algo natural. Sexo faz parte da vida. Tem leitora que me fala que nunca poderia ficar com um cara como o Theo, do livro "Ferida", por exemplo, mas que seu comportamento a excita e mexe com as fantasias. Não dá para nos proibirem de fantasiar. Seria um absurdo. Trabalho muito o lado da fantasia feminina, libertação do desejo da mulher e acho legal abrir discussões. Não me envergonho disso. Só me questionava quando era muito novinha, que ficava preocupada com o que as pessoas iam pensar. Mas hoje em dia não mais.

Quantos livros você já tem publicados e quantas pessoas já os leram? Dá para ter essa ideia?
Tenho mais de 40 livros lançados. Fiz um levantamento ano passado, em julho, e os números da época eram que já tinha vendido 200 mil ebooks e que tinha 213 milhões de páginas lidas na Amazon. Mas como desde então já lancei três novos títulos, esse número deve ser bem maior. Estou com um projeto especial na Amazon que se chama Leituras Rápidas com diversos outros autores de ficção e não ficção, com histórias mais curtas. Acredito que neste mês chegarei no meu sétimo livro com eles nesse formato.

Nana Pauvolih - Divulgação  - Divulgação
Nana Pauvolih
Imagem: Divulgação

Você já ouviu histórias de outras leitoras dizendo que a vida sexual melhorou após a leitura de um livro seu?
Já ouvi isso diversas vezes. Tenho uma conexão muito grande com as minhas leitoras e recebo feedbacks o tempo todo. Essa questão da vida sexual é muito comum. Tem leitora que vai com o marido no lançamento do livro, teve caso delas compraram meu livro para eles, leitora que disse que começou a se libertar e falar com o parceiro sobre as fantasias, ou até mesmo marcar uma página, pedir para ele ler e perguntar se rolava fazer. Relatos não faltam.

Seus livros também estão sendo gravados para audiobooks. Você acha que hoje em dia todo autor tem de pensar nisso?
Quando me chamaram para esse projeto, eu não conhecia os audiobooks. A editora que publicou "A Coleira", meu primeiro livro, sugeriu colocar pequenos áudios para que quem o comprasse pela Amazon pudesse ouvir. Mas eram pequenas frases. Foi minha única experiência até então. Por isso achei o máximo. Essa opção é ótima para quem tem problema de leitura, usa transporte público, está arrumando a casa... Nós escolhemos a dedo quem seriam os narradores dos personagens. O resultado ficou muito legal e dinâmico. Recebi a proposta de fazer oito livros exclusivos para o Storytel só para isso. Alguns já estão prontos. Estou muito feliz. Meu público não está muito acostumado com audiobooks, será novidade para 95% das mulheres.