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'Entrei em trabalho de parto enquanto casas eram soterradas em Petrópolis'

Adriana da Silva Ferreira em depoimento a Luiza Souto e Zô Guimarães

De Universa, em Petrópolis (RJ)

22/02/2022 04h00

"Moro no Morro da Oficina, no bairro Alto da Serra, em Petrópolis, e já estava chovendo muito naquela terça-feira (15) quando senti as primeiras contrações indicando que o parto da minha filha estava por vir. Preferi esperar a bolsa romper para ir ao hospital. Mas, quando isso aconteceu, por volta das 13h, começaram a chegar mensagens avisando sobre deslizamentos e enchente. Já não tinha mais o que fazer.

Ao verem minha situação, os vizinhos queriam juntar pano para eu parir ali mesmo, mas não aceitei ter meu bebê naquela situação.

Escutei um barulho e, quando abri a porta de casa, vi o telhado dos nossos vizinhos cair. Meu marido desceu para ajudar uma mãe com um neném e, quando voltou, um barranco deslizou sobre a casa dessa família.

Decidimos, então, sair de casa com meus outros filhos, de 7 anos e de 10 meses, sem nenhum documento. Uma estamparia que ficava ao lado desabou nessa hora.

Quando a chuva diminuiu, as casas começaram a cair. Fui pulando a lama com ajuda das pessoas. Elas me colocaram em um carro, mas ele quebrou. Entrei ainda em mais cinco veículos até chegar ao pronto-socorro. Lá, fiquei deitada ao lado de uma criança e uma idosa cheias de lama, e de um homem sem braço.

Estava com contrações fortes e 6 centímetros de dilatação. Sentia muita dor, mas a médica disse que não tinha nada para aliviar. Aguentei assim até o final. Quando ela falou: 'Vira de lado', a bebê nasceu. No seu primeiro choro, o lugar todo ficou quieto. As pessoas vinham olhar minha filha e, nesse momento, vi muita gente ensanguentada. Até então, eu não estava sabendo a dimensão do que tinha acontecido.

Como meu nome é Adriana e amo gatos, escolhi chamar nossa primeira filha de Agatha. E, devido a tudo o que aconteceu, agora acrescentei o Victoria. Tenho ainda o Arthur, de 10 meses, e o Thales, de 7 anos.

Adriana e a fralda da filha recém-nascida - Arte/UOL - Arte/UOL
Adriana e a fralda da filha recém-nascida
Imagem: Arte/UOL

Por volta da meia-noite, me transferiram para a maternidade da cidade. Fiz exames e me informaram que encontraram uma bactéria na minha filha, mas não sei explicar o que é. Ficamos internadas até a manhã desta segunda-feira (21).

Só no dia seguinte ao nascimento da Agatha minha mãe contou que toda a família do meu marido morreu: minha sogra, meus cunhados e meu sobrinho de 10 meses. Acharam os corpos ontem, menos o do bebê. Ela disse que os médicos pediram para que eles não me falassem nada antes, pelo risco de eu passar mal. Foi ali que entendi por que meu marido ainda não tinha aparecido para ver a filha. E queríamos tanto uma menina!

Meu marido me liga direto, mas não vem nos ver. Ele está mal, tomando remédio para dormir, não quer sair da casa onde morávamos. Acharam a mala com as roupinhas do sobrinho dele, e ele levou para casa achando que vão encontrá-lo. Eu falei: 'Pelo amor de Deus, não faça isso! Olha quantos dias já têm'. Ele está desnorteado. Ainda estão roubando as coisas da casa da mãe dele, saqueando tudo.

Como saí de casa sem nada, estamos recebendo doações. Outras mães e o próprio hospital deram roupas para a gente, mas já estamos ficando sem. Tem um grupo, o Reage Mãe, que também vem me auxiliando desde o primeiro mês de gravidez.

Saímos ontem do hospital, mas não sei para onde ir. A casa em que morávamos era alugada e, durante a enchente de 2011, a Defesa Civil condenou o local. Na época, somente minha mãe, que mora perto, conseguiu um aluguel social de R$ 250. Com esse valor não dava para sair dali. Agora, não sei se receberemos algo. Nem documentos temos.

Adriana com os filhos: a recém-nascida Agatha, Arthur, de 10 meses, e Thales, de 7 anos - Zo Guimarães/UOL - Zo Guimarães/UOL
Adriana com os filhos: a recém-nascida Agatha, Arthur, de 10 meses, e Thales, de 7 anos
Imagem: Zo Guimarães/UOL

A casa da minha mãe já tem 12 pessoas abrigadas. E não posso ficar para lá e para cá, porque ainda estou de resguardo.

Com tudo isso acontecendo, não comemorei o nascimento da minha filha. Sinto desespero por ainda ter que ficar uns dias aqui em casa. E também quando vejo as fotos da minha sogra, do meu cunhado, do meu sobrinho... Ele tinha o mesmo tempo de vida do meu filho do meio. Toda vez que chove, eu não durmo pensando neles.

A minha Agatha é uma vitoriosa mesmo. Me mantenho firme por ela e pela minha família."

Adriana da Silva Ferreira, 30 anos, de Petrópolis (RJ)