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Profissionais do sexo denunciam militar na BA: 'Agrediu com barra de ferro'

Mulheres dizem que militar da Aeronáutica se aproximava como cliente e, depois, as agredia - Getty Images/iStockphoto
Mulheres dizem que militar da Aeronáutica se aproximava como cliente e, depois, as agredia Imagem: Getty Images/iStockphoto

Pedro Vilas Boas

Colaboração para Universa, de Salvador

19/02/2022 04h00

Arielly Michelle Santos da Silva, 30, não teve tempo de entender o que estava acontecendo com sua amiga enquanto trabalhavam no bairro de Itapuã, em Salvador (BA). O suposto cliente da colega de trabalho — ambas são mulheres trans e profissionais do sexo — foi em direção a ela e a agrediu com uma barra de ferro. O autor da transfobia é um militar da Aeronáutica, segundo relatos de vítimas e testemunhas.

"Primeiro, ele se passou por cliente. Depois deu uma 'bofetada' na cara dela. Ainda tentou tomar a bolsa da minha amiga. Aí ele me viu na esquina e começou a me filmar. Voltou para o carro, pegou uma barra de ferro e bateu em mim também, na minha coxa. Chegamos a entrar em luta corporal antes de ele fugir em seu carro", conta Arielly a Universa.

As agressões teriam acontecido no início de fevereiro próximo a uma vila militar da Aeronáutica, em um trecho da orla de Salvador. E esse não foi o primeiro episódio de violência praticada pelo mesmo homem contra Arielly. "Ele me agrediu com um pedaço de pau no final de 2021. Quando tentei denunciar, um policial militar chegou a me dizer que não teria o que fazer porque pedaço de pau não deixa digital", afirma.

Segundo a Polícia Civil da Bahia, desde novembro do ano passado oito mulheres trans que trabalham na região denunciaram o mesmo militar. Tanto elas quanto o suspeito já foram ouvidos, e um procedimento foi concluído e encaminhado ao Ministério Público da Bahia. "Detalhes não podem ser divulgados porque o inquérito é um documento sigiloso", informou a polícia à reportagem.

O MP, por sua vez, disse que está acompanhando os casos por meio da 4ª Promotoria de Justiça de Direitos Humanos com Atribuição em Defesa da População LGBTQIA+. "O MP acompanha o inquérito policial instaurado para apurar o primeiro episódio relatado e está analisando informações coletadas sobre os fatos mais recentes, para adoção das medidas cabíveis. As informações serão atualizadas assim que houver desdobramentos", afirmou o órgão em nota.

Após denúncias, vítimas estão sendo ameaçadas

Arielly afirma que as agressões, físicas e verbais, como ameaças, continuam mesmo após as denúncias à polícia. "O problema dele é comigo, não sei o que é que ele sente. Ainda me trata no masculino. Ele diz que ali não é lugar para a gente trabalhar, mas a vila militar não é dele, é da Aeronáutica, e a orla da cidade é pública."

A profissional do sexo diz que tenta trabalhar em outros pontos da cidade, o que, explica, não é adequado nesse tipo de ofício. "Não posso perder os clientes que tenho onde trabalho, e também não vou invadir os pontos dos outros."

"Uma mulher trans que não tem estudo, não tem nada, não vai encontrar lugar nessa sociedade. Foi a dificuldade que me levou a ser uma profissional do sexo, não terminei meus estudos. Se a pessoa não tem estudos, não tem direitos", desabafa Arielly.

Universa entrou em contato com a assessoria de imprensa da Aeronáutica, que não respondeu ao pedido de entrevista até a publicação deste texto. Caso haja resposta, a matéria será atualizada. Por meio de nota, a Polícia Militar da Bahia orientou que denúncias sobre supostas irregularidades cometidas por policiais devem ser registradas na ouvidoria ou na Corregedoria Geral.

Após a publicação do texto, a FAB (Força Aérea Brasileira) entrou em contato com a reportagem afirmando que já havia enviado uma resposta, que, porém, não havia sido recebida. Em nota, a instituição diz o seguinte: "A FAB informa que desconhece qualquer envolvimento de militar do seu efetivo no caso em tela. A instituição ressalta que está à disposição para colaborar com as autoridades policiais".

Brasil registra média de 124 mortes de trans por ano

Relatório divulgado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) no mês passado mostra que, em 2021, pelo menos 140 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, sendo 135 travestis e mulheres transexuais e 5 homens trans e pessoas transmasculinas.

O número está acima da média anual apontada pelo levantamento — que analisa os dados de 2008 a 2021 — de 124 assassinatos por ano. O ano passado revelou um aumento de 141% em relação a 2008, quando a ONG TGEU (Transgender Europe) iniciou o monitoramento global.

Em números absolutos, São Paulo foi o estado que mais matou a população trans em 2021, com 25 assassinatos, se mantendo no topo do ranking pelo terceiro ano consecutivo. A Bahia, estado de Arielly, saiu da terceira posição para a segunda, com 13 casos; Rio de Janeiro aparece em terceiro, registrando um aumento de 10 casos em 2020 para 12 em 2021.

A Antra ainda analisa o perfil das vítimas. No ano passado, a maioria (53%) tinha entre 18 e 29 anos; 28% morreram com idade entre 30 e 39 anos; 10% entre 40 e 49 anos; 5% das vítimas fatais tinham entre 13 e 17 anos; 3% morreram com idade entre 50 e 59 anos; e 1% entre 60 e 69 anos.