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Ariadna, 1ª trans do BBB: 'Espero que Linn não sofra metade do que sofri'

Ariadna Arantes, do BBB 11 - Reprodução/Instagram
Ariadna Arantes, do BBB 11 Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Gonzalez

De Universa

22/01/2022 04h00

Quando viu o nome da cantora Linn da Quebrada entre os confirmados da nova edição do Big Brother Brasil, Ariadna Arantes, a primeira pessoa trans a entrar no reality, se emocionou. Desde 2011, quando ela participou do programa, nenhuma outra pessoa transgênero havia entrado na casa mais vigiada do Brasil.

"O BBB é um reality muito grande e nós precisamos dessa visibilidade. Espero que a passagem da Linn seja longa, duradoura e vencedora. E que ela não sofra metade do que eu sofri", fala, em entrevista a Universa. "Estou pedindo a Deus que a Linn abra portas. Eu abri uma brechinha e espero que, depois dela, as portas fiquem escancaradas."

Em conversa por telefone um dia após a estreia do BBB22, a influenciadora diz que foi eliminada logo na primeira semana por ser trans e que, ao deixar o reality, sofreu não só com a transfobia, mas também com o preconceito por ser ex-BBB — o que, ela lembra, era muito forte naquela época.

Mesmo tendo participado de dois realities na Globo — além do BBB 11, esteve no "No Limite" no ano passado — e apesar dos quase 1 milhão de seguidores, Ariadna diz que não consegue viver como influenciadora por que não é procurada pelas empresas para fazer publicidade, o que também coloca na conta da transfobia.

"Nós também temos cabelo para fazer propaganda de xampu, temos pele, unha. Tenho um público que me segue e engajamento, mas não há empresas que me contratam. É impossível ser trans e viver como influenciadora."

Leia os melhores trechos:

"Indiquei o cirurgião para Linn colocar prótese de silicone"

"A gente sempre se sente representada por pessoas que são da nossa tribo. E temos muitas coisas em comum para além do fato de sermos trans: nós duas fomos testemunha de Jeová; ela é candomblecista e eu sou iniciada, apesar de estar um pouco afastada da religião. Não a conheço pessoalmente, mas a gente já conversou muito pelo Instagram. Eu até indiquei um cirurgião para ela colocar prótese de silicone nos seios.

A cantora Linn da Quebrada foi confirmada entre os famosos do Big Brother Brasil 2022 - Divulgação - Divulgação
A cantora Linn da Quebrada foi confirmada entre os famosos do Big Brother Brasil 2022
Imagem: Divulgação

Espero que seja a passagem dela seja longa, duradoura e vencedora. E que ela tenha oportunidades. Também espero que não sofra metade do que eu sofri, e acho que não vai, o que me deixa muito aliviada.

Estou pedindo a Deus que a Linn seja mais uma que abra portas. Eu abri uma brechinha, e espero que depois dela as portas sejam escancaradas."

Em seu primeiro dia dentro do reality, Linn citou Ariadna em conversa com outros participantes. Ao responder sobre como decidiu aceitar o convite para o BBB, ela respondeu: "Desde a eliminação da Ariadna, eu sabia que precisava. Primeira mulher trans no BBB e nunca mais teve outra. E ela saiu na primeira semana. Em dez nos o mundo muda muito e eu senti que era possível participar."

"Famosos me olhavam com nojo, saíam de perto"

"O julgamento e o preconceito amenizaram um pouco desde 2011, mas não totalmente.

Fui eliminada só pelo fato de ser trans, mas sei que a Linn não vai ser eliminada por isso. Ela pode ser verdadeira, falar o que pensa, seguir o coração, que vai fazer um ótimo jogo.

Ariadna 2011 - TV Globo/Fred Rozário - TV Globo/Fred Rozário
Ariadna foi a primeira a deixar o BBB em 2011: "Fui eliminada pelo fato de ser trans", diz, a Universa
Imagem: TV Globo/Fred Rozário

Entrei no programa em um período em que as pessoas tinham muito preconceito não só contra pessoas trans, mas também contra ex-BBBs. Eu era alvo de tudo. Chegava em festas com pessoas famosas, e elas me olhavam com cara de nojo, saíam de perto, comentavam: 'Nossa, essa festa está mal frequentada'.

"Faltou consideração da Globo comigo"

"Não sei dizer porque demorou 11 anos para que outra pessoa trans entrasse no BBB. Nós existimos, estamos aí. E todo ano aparecem meninas trans nas minhas redes sociais pedindo dicas de como se inscrever.

Não diria que é transfobia da Globo, porque é a emissora que mais dá oportunidade para mulheres trans. A gente se vê em várias produções — na novela das 19h tem três [A Maia, Carol Marra e Nany People]. Agora tem a Linn no BBB, ano passado tinha eu no "No Limite". Tem emissoras aí que fazem reality atrás de reality e não colocam uma sequer.

Fiquei chateada por não ter sido convidada para a Maratona Big Day [programação do Globoplay dias antes da estreia do reality que reuniu artistas, influenciadores e ex-participantes para comentar a edição deste ano].

Convidaram várias pessoas, inclusive a cantora Pepita, mas não me chamaram para falar da confirmação da Linn da Quebrada. Nem citaram meu nome. Poxa, fui a primeira e única pessoa T lá dentro.

Por mais que as pessoas digam: 'Bola para frente, seu tempo passou', tem muitas que me mandam mensagens dizendo que eu fui importante na trajetória delas, que de alguma forma minha visibilidade lá atrás ajudou a sair do armário, contar para a família, para os amigos.

Acho, sim, que faço parte da história do BBB. Faltou consideração."

"Cancelamento é ruim, mas faz pessoas terem medo de ser transfóbicas"

"Esse elenco não me agradou muito. Até gostei da energia da Pipoca, mas o Camarote achei muito fraco. Tenho ranço do Pedro Scooby por conta de um comentário transfóbico que ele fez comigo em 2019, em Milão [durante a entrevista, Ariadna preferiu não dar detalhes; dias depois, no Twitter, disse que o surfista teria se referido a ela como "traveco", termo que é pejorativo].

O medo do cancelamento, que acho que existe muito entre os participantes, é ruim, mas isso é uma via de mão dupla, porque consequentemente deixa as pessoas com medo de serem racistas ou transfóbicos, por exemplo. O cancelamento nunca é bom, mas a possibilidade de acontecer assusta, faz as pessoas se frearem para não falar podridão."

"É impossível ser trans e viver como influenciadora"

"Aquela opinião da Íris é a mesma da maioria das pessoas [Íris Stefanelli disse no programa 'No Limite' que Ariana 'tinha sim outra opção' quando se prostituiu].

Acham que é fácil, que a transfobia está na nossa cabeça. Mas para quem acha que é fácil eu pergunto: quantos funcionários trans têm na sua empresa? E, se você é chefe, contrata pessoas trans? Em quantos supermercados você foi e viu uma caixa trans? Em quantos bancos você já viu um segurança trans? Ou um gerente trans? Não é coisa da nossa cabeça.

O mais desgastante pra mim é ouvir que, quando falo sobre isso, estou 'choramingando na internet'. Escuto muito esses comentários, inclusive de outras pessoas trans.

Já passamos da metade do Mês da Visibilidade Trans e até agora não vi muitas empresas se movimentando, fazendo publicidade com influenciadoras ou artistas.

Nós também temos cabelo para fazer publi de produtos capilares, nós também temos pele, também temos unha. Mulheres trans operadas também têm vagina e usam aqueles absorventes diários, usam sabonete íntimo. Nós somos minoria, mas também somos consumidoras.

Tenho um público que me segue, tenho engajamento, mas não tenho empresas que me contratam. É impossível ser trans e viver como influenciadora.

Quando eu falo sobre isso, as pessoas me mandam procurar emprego, fazer faxina. Mas será que vão me dar um emprego de faxineira? De babá? E aí a gente tem que recorrer a quê? À prostituição. É uma realidade muito triste, estou falando com você com lágrimas nos olhos."