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'Menos burocracia': elas dizem por que usam app gay para buscar sexo casual

A fotógrafa Jessica Michels, de 31 anos - Arquivo pessoal
A fotógrafa Jessica Michels, de 31 anos Imagem: Arquivo pessoal

De Universa, em São Paulo

03/01/2022 04h00

Tinder, Bumble, Happn, OkCupid, Inner Circle - não faltam aplicativos de relacionamento à disposição de uma pessoa que quer encontrar um parceiro ou parceira, seja para sexo casual ou para um relacionamento mais sério. Mas, apesar de tantas opções, algumas mulheres hétero e bissexuais estão migrando para o Grindr, um dos mais conhecidos aplicativos usados por homens gays.

O motivo? Melhor geolocalização - o Grindr mostra com muita precisão quem está on-line à distância de 100 ou 200 metros de você - e, principalmente, menos burocracia na hora de marcar um encontro casual, com o único objetivo de fazer sexo.

"Tive encontros bem bacanas. Se estou com tesão, abro o Grindr, vejo quem está por perto, combino tudo e vou encontrar", fala a fotógrafa Jessica Michels, de 31 anos, que está no app há alguns meses. "Não estou ali procurando um namorado e nem mesmo uma foda fixa - pode até acontecer de repetir um encontro, mas realmente só quero transar".

A Universa, ela conta que sempre teve curiosidade com os aplicativos gays e que, no Grindr, viveu experiências sexuais inusitadas se comparadas com experiências que teve a partir de outros aplicativos de relacionamento.

A estratégia virou assunto no Twitter:

Há 17 anos, quando Tinder e Grindr ainda nem existiam, a jornalista Júlia*, que prefere não se identificar, usou a mesma estratégia e criou uma conta no site Manhunt, que no início dos anos 2000 também funcionava como plataforma de encontros para homens gays.

"Um amigo tinha um perfil no Manhunt, me apresentou e eu pensei: 'Uau, quanto homem pelado. Me excita ver o corpo masculino e meu primeiro objetivo essa esse: ver homens nus, para além da sexualidade deles", lembra.

Ela criou um perfil fake, como se também fosse um homem gay. "Logo que eu começava a conversar, eu dizia que sou uma mulher e alguns caras me bloqueavam, claro, mas com outros, que são bissexuais, deu muito certo! Era prático e sem a burocracia que os outros aplicativos têm".

"Agora, sabendo que outras mulheres estão usando a Grindr da mesma forma, cogito baixar para fazer a mesma coisa", fala Júlia*. "E já vou colocar na bio: 'Sexo casual com homens vacinados e totalmente imunizados'".

mulher deitada na cama com celular na mão - Istock - Istock
Imagem: Istock

Para a sexóloga Claudia Renzi, o que explica essa diferença de comportamento é o entendimento de que, numa dinâmica heterossexual, é o homem quem está no comando da relação.

"Entre homens gays, o sexo casual é super comum. Nesses aplicativos, eles usam fotos explícitas, como da genitália ereta. Tive um cliente que tinha de três a quatro encontros por semana pelo Grindr, todos para praticar sexo casual", fala. "Mas as mulheres que buscam sexo sem compromisso ainda carregam estigmas machistas, como a fama de 'ser fácil'.

"Em aplicativos mais tradicionais, se a mulher é ativa na aproximação ou até mesmo em propor sexo, o homem desvia, porque entende que o correto é ele estar no controle da situação", explica.

"Além disso, continua existindo aquela 'dança do acasalamento', isto é, o tempo de aproximação, as longas conversas para descobrir interesses em comum. Muitas vezes, está subentendida a ideia do encontro perfeito, do amor romântico, de encontrar a 'pessoa certa', o que torna tudo muito burocrático Já nesses aplicativos o acordo costuma ser mais direto e sem rodeios".

"Clube do bolinha"

Desde 2017, mulheres e pessoas trans podem se cadastrar no Grindr - além de informarem o gênero, também podem indicar se estão em busca de homens, mulheres ou ambos.

Jessica fez uma conta no aplicativo pela primeira vez pouco depois dessa atualização, em 2018. Naquela época, mesmo sendo bissexual, ela conta que não foi muito bem recebida pelos usuários, que chegavam a perguntar o que ela estava fazendo lá.

"Recebi uns 'vaza daqui' e uns xingamentos toscos. Ouvi coisas como: 'Já tem pouco macho para nós [homens gays] e agora tem mulher aqui para competir?'. Outros chegam em mim falando da novidade de ser a primeira mulher que eles encontram ali. Muitos nem sabiam que o app permite o cadastro de mulheres."

Ela acredita que, além dessa ideia de "concorrência" entre homens gays e mulheres héteros pelos homens bissexuais, há também uma certa dose de machismo dentro do Grindr: "Existe uma coisa de 'clube do bolinha' e, quando uma mulher entra nesse espaço, mexe com o ego deles". "Ainda há muita misoginia entre homens gays. Gordofobia também. Por isso, diria que o Grindr ainda não é um lugar seguro para todas as mulheres", completa Jessica.

Júlia* tem uma percepção parecida e acrescenta que, enquanto o sexo casual parece ser algo totalmente natural para homens, ainda é mal visto quando praticado por mulheres: "O sexo casual envolvendo a mulher no comando era um tabu naquela época [quando se cadastrou no Manhunt, há 14 anos], ainda é e vai continuar sendo. Houve uma evolução, claro, mas o machismo continua aí."