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Ativista antigordofobia posta 'antes e depois' e é criticada: 'Gatilho'

Post da influenciadora digital Alexandra Gurgel - Reprodução Instagram
Post da influenciadora digital Alexandra Gurgel Imagem: Reprodução Instagram

Júlia Flores

De Universa

30/12/2021 04h00Atualizada em 30/12/2021 09h55

A ativista body positive Alexandra Gurgel, fundadora do movimento "Corpo Livre" publicou na última terça-feira (28) em seu perfil do Instagram uma montagem com duas fotos suas: em uma estaria com "seu maior peso" na outra, em sua forma física atual, mais magra. "Não é pra ser magra. Não é pra ser sarada. É pra ter um estilo de vida pra sempre. Emagrecimento? Consequência dos meus hábitos", escreveu na legenda da publicação.

O post, que já teve cerca de 130 mil curtidas e mais de 2 mil comentários dividiu opiniões. Alexandra foi elogiada por famosas como Sabrina Sato e Cleo mas criticada por seguidores e colegas ativistas. A influencer explicou que decidiu fazer a montagem para mostrar como chegou ao novo visual sem dietas ou restrições alimentares, com acompanhamento que faz há seis anos com uma nutricionista comportamental e uma personal trainer. Por causa do post, o nome de Alexandra foi parar nos trending topics do Twitter.

"Depois de 26 anos fazendo dietas super restritivas, detestando meu corpo e quem eu era, decidi parar de me odiar. Parei com dietas, remédios, tudo? E engordei. E foi nesse meu maior peso (foto do cabelo roxo) que eu me aceitei, comecei a me amar, mesmo hoje eu olhando e nem me reconhecendo mais. Não me acho feia, mas não sou mais aquela pessoa", escreveu Alexandra.

Universa conversou com a nutricionista comportamental Caroline Bartholo e outras influencers do movimento body positive para entender melhor as polêmicas ao redor de imagens com "antes e depois", como a publicada por Gurgel; entenda:

Gatilho para pessoas com transtornos alimentares

Bárbara Forte é jornalista com mais de dez anos de experiência e passagens por Band, BOL e Ecoa - Ana Carolina Andrade/Divulgação - Ana Carolina Andrade/Divulgação
Bárbara Forte é jornalista com mais de dez anos de experiência e passagens por Band, BOL e Ecoa
Imagem: Ana Carolina Andrade/Divulgação

Para Bárbara Forte, criadora de conteúdo e jornalista, publicações como esta são comuns nas redes sociais. "São fotos que têm o intuito de mostrar uma ideia muitas vezes equivocada de sucesso e fracasso. O antes tem sempre a conotação negativa, e, na maioria das vezes, esse antes está associado diretamente a um corpo gordo", diz.

Na opinião de Bárbara, com ou sem legenda, a imagem por si só é problemática, pois reforça estigmas. "É gatilho para quem tem transtornos alimentares, por exemplo, para pessoas que ainda relacionam o bem-estar à forma física, e não à mudança de hábitos ou ao fim do sedentarismo", afirma.

A nutricionista Caroline Bartholo explica que a imagem pode reforçar os sintomas de pacientes com transtornos alimentares (tais como bulimia e anorexia) pela comparação e insatisfação que essas pessoas têm: "A imagem pode reforçar os sintomas de pacientes que já sofrem muito, que já fazem várias restrições, que já tem comportamentos transtornados com a alimentação e com exercícios, ou seja, a foto é problemática pois estamos reforçando sintomas e piorando a doença de outra pessoa".

A criadora de conteúdo digital Ellen Valias, dona do perfil "Atleta de peso" usou suas redes sociais para fazer críticas à postagem de Alexandra.

Júlia Del Bianco, influenciadora body positive e professora de balé, concorda com o posicionamento de Bárbara e Ellen e critica a imagem publicada por Alexandra Gurgel: "Por melhor intenção que a pessoa tenha, esse tipo de imagem sempre vem com esses significados juntos".

"Colocar o corpo do antes como errado é problemático pois envolve questões relacionadas até as condições financeiras das pessoas, o quanto elas podem gastar com acompanhamento médico, o acesso que ela tem a profissionais, se ela pode comer decentemente ou não. Existem muitas pessoas que só têm acesso a alimentos industrializados", afirma Júlia.

Eu acho fotos de 'antes e depois' problemáticas independente de que seja. Coloca o primeiro corpo como errado e o segundo como almejado, ideal. Nosso corpo é fluído. Engordamos, emagrecemos, sofremos mudanças ao longo da vida - Júlia Del Bianco

Nem todo corpo magro é saudável

Outra crítica feita ao post de Alexandra é a de que nem todo corpo magro é saudável, como pontua Bárbara Forte. "Há milhares de pessoas gordas que são saudáveis, e muitas delas engordaram depois de mudar a alimentação e a jornada de exercícios. Eu mesma sou um caso. Tive um problema de pedra no rim que me fez perder cinco quilos. Ao tratar da minha saúde, me exercitar e buscar uma profissional que me ajudasse a ter uma alimentação intuitiva e de mais respeito ao que meu corpo pede, eu ganhei esses cinco quilos de volta. E posso dizer: estou mais saudável".

Júlia Del Bianco é professora de balé - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Júlia Del Bianco é professora de balé
Imagem: Reprodução Instagram

Júlia, que é bailarina profissional e faz exercícios físicos regularmente, compartilha do posicionamento de Bárbara. "O corpo precisa se movimentar, e é isso que importa. Às vezes as pessoas tratam o exercício físico como uma punição, uma indulgência, principalmente quando associam movimentos ao emagrecimento".

"Não é errado uma pessoa gorda emagrecer, nem querer fazer bariátrica, nem nada disso. Cada um tem que ter liberdade pra ter e ser o corpo que quiser; a questão é que nós do movimento body positive lutamos por acesso ao sistema de saúde, à dignidade, ao fim do preconceito. O problema é que nos cobram saúde mas sempre associam a saúde ao tamanho do corpo, a estética ", diz Júlia.

Alexandra: "Eu errei e quero aprender com isso"

Alexandra Gurgel tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, é autora de dois livros de empoderamento feminino e criadora do canal "Movimento Corpo Livre". Para Universa, a influenciadora já deu várias declarações sobre a importância do amor próprio e de aceitação.

Nos stories de seu perfil no Instagram, a influenciadora respondeu às críticas dizendo que não tem medo de ser "cancelada". "Se estou maior, romantizo a obesidade; se estou menor, sou uma farsa. Eu não fico mais calada. Não quer entender? Não entende. Existe um caminho no meio. Se eu não comento nada, me julgam, se eu falo, me julgam. Quer me odiar? Me odeiem".

Procurada por Universa, Alexandra enviou uma nota de esclarecimento. Veja na íntegra:

"Todo ano, no fim do ano, faço um post mostrando uma foto minha no começo do meu processo pessoal de autoaceitação e amor-próprio e uma foto atual, mostrando essa minha jornada. Este ano não foi diferente. O meu foco é sempre falar sobre o sem dieta, sobre como é possível você ter uma vida feliz e sem agredir seu corpo, sem se privar do que é bom para você, do que você gosta. É algo documental mesmo.

Neste ano, acabei postando também uma foto minha em dezembro do ano passado e neste ano. Foi um erro compartilhar essa imagem também porque acabei endossando, mesmo que sem querer, essa ideia de antes e depois, que eu acho extremamente nociva e sobre a qual já falei aqui no Instagram e também no meu canal. A imagem acabou se sobressaindo à legenda, que foi o espaço em que expliquei tudo isso, em que falei sobre o processo todo que venho vivendo.

Entendo as críticas e muitas delas foram construtivas. Estamos todos aqui errando e acertando. Eu errei e quero aprender com isso. Por isso até sou uma pessoa que não acredita no cancelamento. Afinal, se não há espaço para o erro e para o diálogo, só há espaço para verdades absolutas. E eu não acredito nisso. De seis anos para cá, minha vida mudou radicalmente, não só meu corpo: me assumi gay, casei, mudei de cidade... Quanto ao meu corpo, continuo tratando e cuidando das minhas questões e sempre as divido nas minhas redes.

O processo de aceitação não é linear. Ele tem altos e baixos para todos, para mim também. Sempre defendi e continuarei defendendo que somos livres para sermos felizes com o corpo que tivermos. Não há um corpo certo. O corpo certo é o que você tem, o que te deixa bem e confortável. Assim como me amava com o corpo que estava há seis anos, eu me amo hoje, com esse corpo aqui. Não é por ele ser maior ou menor, é por ele ser meu, ser cuidado por mim. E todos somos livres para viver com o corpo que tivermos.

Quero muito agradecer a todo mundo que questionou, que ponderou e que quis conversar e discutir o assunto. Eu acredito que é assim que a gente muda, cresce e aprende".