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Técnica de 'correção de clitóris' para prazer é criticada por especialistas

"Descolamento" do clitóris promete aumentar sensibilidade, mas ginecologistas discordam - Getty Images/iStockphoto
'Descolamento' do clitóris promete aumentar sensibilidade, mas ginecologistas discordam Imagem: Getty Images/iStockphoto

Camila Brandalise

De Universa

20/12/2021 04h00

É comum ver novos procedimentos para as partes íntimas da mulher surgindo no país. Uma das novidades é uma técnica polêmica focada no clitóris, que supostamente proporcionaria mais prazer no sexo. Por meio dela, é feito um descolamento da pele que recobre o órgão, chamada de capuz, e, com isso, o clitóris ficaria mais exposto e mais sensível aos estímulos sexuais.

Essa condição em que o capuz fica grudado no órgão é popularmente conhecida como fimose feminina. Especialistas que apostam no procedimento para o descolamento afirmam que qualquer mulher que deseja ter mais sensibilidade no sexo pode se submeter a isso. No entanto, ginecologistas frisam que a técnica deve ser usada apenas em casos específicos e nunca com a promessa de aumentar o prazer no sexo. Esse é o ponto principal da discussão que surgiu após o método chegar ao Brasil — por aqui, já é oferecido na cidade de São Paulo.

Ginecologistas consultadas por Universa afirmam que o procedimento é indicado apenas para casos raros e aplicado, normalmente, após uma infecção grave na região íntima. De outro modo, não faz sentido se submeter à técnica, pois a proximidade entre capuz e clitóris é natural e não configuraria caso de fimose. A crítica é que se estaria criando um problema onde não existe.

"Assumir que toda mulher que tenha um capuz no clitóris, recobrindo a glande com aderência, precisa se submeter a uma operação é um exagero sem nenhum respaldo científico", afirma a médica Juliana Giordano, mestre e doutora em Saúde da Mulher pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e cofundadora da Rede Feminista de Ginecologistas.

O que é a fimose feminina?

O termo fimose — usado para se referir ao excesso de pele que recobre o pênis, dificultando que a cabeça do órgão fique exposta — também é aplicado para uma situação similar no clitóris, na idade adulta da mulher.

O problema pode surgir após uma infecção, como o chamado líquen escleroso, que tem diversas causas possíveis. "O líquen escleroso é um processo inflamatório-infeccioso que provoca coceira, prurido e pode acabar gerando uma cicatriz na área da genitália. É uma dermatite", explica a ginecologista Rosana Maria dos Reis, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).

Segundo Reis, durante a cicatrização pode se criar essa aderência da pele no clitóris. "Se for um quadro muito severo ou se não houver tratamento adequado, pode ser necessário desfazer a aderência, que é uma sequela da doença, de modo cirúrgico. Mas, no geral, o tratamento é feito com corticoide em pomada nos estágios iniciais. Acontece de precisar de cirurgia, mas é muito raro. Diria que é uma situação muito pontual."

Reis não relaciona a operação ao aumento do prazer sexual. Na infância, explica a médica, o problema também pode aparecer, mas com outro nome: sinéquia vulval.

"Nesse caso, há uma aglutinação dos lábios internos. Acomete meninas com idades entre três meses e seis anos. A causa pode ser desde um trauma, como cair de bicicleta, ou até usar muito papel higiênico com movimento brusco, o que acaba machucando. Quando o organismo vai fazer a cicatrização, pode acontecer uma fusão, uma aderência, aí fecha essa região da vulva", explica.

É comum que, com o início da produção de estrogênio pelo corpo feminino, por volta dos 8 anos, o organismo resolva a condição. Em outros casos, também é indicado tratamento com pomada com estrogênio ou corticoide.


Cirurgia de correção é indicada para 0,25% das mulheres, diz estudo

A ginecologista Juliana Giordano cita um estudo publicado em 2019 pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, mostrando que, de 3.650 mulheres observadas por dois anos, 46 foram diagnosticadas com líquen escleroso (1,3%) e nove precisaram de cirurgia (0,25%).

"Quando o problema é grave, pode haver, de fato, impacto na sexualidade da mulher. Há diminuição da sensibilidade na região por causa da atrofia, da coceira e do tratamento da doença com corticoide", explica. "Fora isso, não existe nenhuma evidência na literatura médica dizendo que há melhora do prazer sexual para mulheres com a exposição da glande do clitóris."

De acordo com Giordano, em um primeiro momento a região pode ficar mais sensível após o procedimento, mas, a médio e longo prazo, uma nova camada de pele vai sendo formada por causa do atrito e da exposição, o que reduziria a sensibilidade.

"Há muitas mulheres sendo conduzidas à problematização da sua vulva, com opções de clareamento, preenchimento e, agora, descolamento do capuz. A promessa de melhora do prazer sexual, para mim, é a mais perigosa e até perversa, pois mexe em uma área muito íntima."


Médico que aplica procedimento defende eficácia

O dermatologista de São Paulo Luiz Perez, especialista em tratamentos íntimos femininos, aplica o procedimento em sua clínica e afirma que em nenhum caso é "necessário" fazer a correção. Mas ele sugere a técnica como uma forma de "potencialmente aumentar a sensibilidade da paciente, sem qualquer promessa de melhora, visto que a sexualidade é multifatorial. De maneira alguma ela está relacionada única e exclusivamente ao clitóris, muito pelo contrário".

"O ganho é mais significativo nas pacientes que têm melhor autoconhecimento, ou seja, as que já se tocam, já se conhecem e não sentem dificuldade em falar de sua sexualidade. Nesses casos, observo relatos mais precisos em relação a mudanças de sensibilidade devido a um tipo de estímulo específico ou uma posição sexual que antes não era tão prazerosa", aponta ele, ressaltando que não se trata de procedimento estético.

"É importante frisar que mulheres com fimose de clitóris não necessariamente apresentam dificuldade de atingir o orgasmo. O que se observa entre as pacientes é uma maior sensibilidade, um ganho de qualidade de vida sexual devido a essa facilidade de acesso à glande do clitóris após a correção", explica o médico, que cita um artigo de 2000 da revista "Scientific American" mostrando a relação entre a dificuldade de orgasmo e a presença de fimose de clitóris.

Perez afirma ser seguro dizer que mais de 20% das mulheres apresentam algum grau de aderência, baseado em seus atendimentos e em estudos sobre o tema, entre eles um publicado em 2018 pelo periódico científico "Sexual Medicine", da Sociedade Internacional de Medicina Sexual, mostrando que 23% de 614 mulheres observadas tinham fimose em algum grau.

O médico sugere, ainda, que deveria ser feita uma "manobra de exposição" do clitóris em todo exame ginecológico, para avaliá-lo. "Nunca uma paciente minha referiu ter tido seu clitóris examinado durante uma consulta médica. É através dessa manobra que podemos fazer o diagnóstico da fimose."

Para a ginecologista Juliana Giordano, porém, esse seria um "convite ao abuso". "Sem estudos sérios, feitos dentro de universidades, com consentimento das mulheres, esse exame de clitóris é algo não deveria ser feito", opina.