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Pensadoras negras exaltam relevância de bell hooks: 'Ativismo olho no olho'

A escritora e teórica feminista bell hooks, nos anos 1980 - Anthony Barboza/Getty Images
A escritora e teórica feminista bell hooks, nos anos 1980 Imagem: Anthony Barboza/Getty Images

Nathália Geraldo

De Universa

16/12/2021 04h00

Para a escritora e teórica feminista estadunidense bell hooks, que morreu aos 69 anos nesta quarta-feira (15), temas comuns à vida das pessoas em sociedade, sobretudo, das mulheres negras, como raça, espiritualidade, relações afetivas e amor, eram fundamentais para a possibilidade de se falar de uma "ética amorosa" no mundo.

Professora e ativista, bell hooks escreveu mais de 30 livros de modo a organizar pensamentos a partir de sua perspectiva, uma mulher negra intelectual nascida no estado de Kentucky, em 1952, sem deixar de abraçar a luta contra as opressões atuais. A causa da morte foi uma "longa doença" que a acometeu —os familiares não revelaram detalhes.

A escritora tinha um viés de pensamento coletivo muito claro: tanto que seu pseudônimo é escrito em letras minúsculas por uma decisão dela, para que a assinatura não se sobrepusesse ao conteúdo que ela produziu.

O legado da escritora

Pensadoras brasileiras defendem que bell hooks era um exemplo de ativismo "olho no olho", apesar da atuação preponderante no ambiente acadêmico. "Ela não vira uma intelectual organizada para o sistema, mas constrói pontes inclusive para questionar o que produzimos enquanto negros e negras na sociedade", comenta a coordenadora da ONG Criola, Lúcia Xavier.

"O ativismo dela impacta em nossas formações porque ela repensou modelos para a mulher negra, para as relações afetivas, para as de trabalho. Sem contar que não admitia um feminismo que não fosse contra o racismo."

Lúcia e as ativistas Jurema Werneck, da Anistia Internacional e também da Criola, e Joice Berth, arquiteta e escritora, falam a seguir sobre o que bell hooks as ensinou (e ainda pode nos ensinar).

Para mim, bell hooks deixou, entre tantas, uma forte mensagem sobre afeto, em seu livro "Tudo sobre o amor —novas perspectivas" (editora Elefante):

Começar por sempre pensar no amor como uma ação, em vez de um sentimento, é uma forma de fazer com que qualquer um que usa a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e comprometimento.

'Ela tem uma dimensão na luta política'

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Lúcia Xavier, assistente social e coordenadora da ONG Criola
Imagem: Theo Marques/UOL

"Para jovens negras, acho que o maior impacto da escritora é quando ela fala do amor como parte do processo de cura da violência do racismo. Não só para elas, mas para outras pessoas negras, lideranças. Vejo homens recuperando essa ideia.

A dimensão de bell hooks está também na luta política. Ela era alguém que estava na Academia e atuava politicamente. O fato de usar o pseudônimo em letra minúscula traduz essa experiência política, que também se estende contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia.

Ela é uma ativista completa, por ter deixado uma perspectiva ao feminismo, ao feminismo negro, de olhar a arte, a ciência e a própria política a partir disso. Sem contar que tem a relação, como professora, com os estudos do educador Paulo Freire, em que faz uma discussão sobre a consciência e sobre o aprendizado."

Lúcia Xavier, coordenadora da ONG Criola

'Havia um encontro marcado entre bell hooks e nós'

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Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional, teve contato com os livros de bell hooks em inglês, em um primeiro momento
Imagem: Reprodução

"Ela tem duas marcas. A primeira é sua inteireza radical, com a qual escolheu um lado e buscou todos os meios para atendê-lo. E, por ser profundamente influenciada por Paulo Freire, entendeu que o ativismo deveria ser feito 'olho no olho' com as pessoas.

A outra é a de se abrir na direção das pessoas com o que ela falava de amor (o que foi criticado na época e elogiado depois). Ela dizia sobre temas importantes sempre confrontando as questões com o racismo patriarcal. Também tem a importância de ter compartilhado ferramentas para isso e acho que seu impacto sobre nós, as leitoras, mulheres negras, vem agora, quando as editoras passam a publicá-la no Brasil.

Tive que ler bell hooks em inglês, ela tem mais de 40 livros e algumas obras chegam finalmente a nós porque as editoras despertaram para a importância dela. De qualquer forma, parece que havia um 'encontro marcado' entre ela e nós. Era preciso que ela chegasse."

Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional e cofundadora da ONG Criola

'bell hooks conseguiu ser abrangente ao falar de questões raciais e de gênero'

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Joice Berth, escritora, arquiteta e urbanista
Imagem: Mariana Pekin / UOL

"bell hooks conseguiu ser abrangente ao falar de questões raciais e de gênero sem se desconectar do momento. Também tinha coragem de confrontar o racismo e o machismo dentro dos grupos em que estamos e que sofrem essas opressões, porque falava sobre como reproduzíamos isso.

Há uma tradição das feministas negras dos EUA de não deixar a questão do machismo, principalmente ligado a homens negros, sem a devida crítica. No Brasil, Lélia Gonzalez fazia isso.

E como dizia o geógrafo Milton Santos, o intelectual tem de provocar o desconforto e ter compromisso com a consciência social. Então, ao ler bell hooks entendemos que não há avanço em nenhuma luta se não houver um comprometimento e um exercício no dia a dia."

Joice Berth, arquiteta e escritora