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Sobe para 37 o número de denúncias de assédio contra professor de Unirio

O professor Leonardo Ávilla, da Unirio, acusado de assédio sexual e moral por estudantes e pesquisadoras. Ele nega as acusações - Reprodução/TV Globo
O professor Leonardo Ávilla, da Unirio, acusado de assédio sexual e moral por estudantes e pesquisadoras. Ele nega as acusações Imagem: Reprodução/TV Globo

Daniele Dutra

Colaboração para Universa, no Rio de Janeiro

15/12/2021 12h21

Com a repercussão das denúncias de casos de assédio sexual envolvendo o professor de paleontologia Leonardo Ávilla, diretor de um laboratório da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), durante o programa Fantástico, da TV Globo, no último domingo (12), o número de denúncias passou de 23 para 37. Professoras, alunas e ex-alunas denunciam o profissional por assédio sexual, moral e importunação sexual. Dois homens também relatam casos de assédio moral. Todas as denúncias foram reunidas e divulgadas pelo professor Mário Dantas, da UFBA (Universidade Federal da Bahia). A advogada Tathiana Costa, que representa nove vítimas até o momento, disse a Universa que a defesa encaminhará as provas ao Ministério Público do Rio de Janeiro e o professor pode ser denunciado por assédio sexual, importunação sexual e assédio moral.

Na tarde de segunda-feira (13) a universidade comunicou o afastamento de Ávilla "até que o procedimento apuratório aberto e eventuais procedimentos derivados sejam totalmente finalizados", diz o comunicado da instituição.

Universa teve acesso aos depoimentos das pessoas que se dizem assediadas por Ávilla ao longo dos anos - os primeiros registros são de 2006. Em um deles, a professora Cristina Bertoni, identificada como "vítima 9", foi convidada a dar uma palestra em 2013 na faculdade onde ele lecionava. "Quando paramos o carro ele pulou em mim, segurou meu pescoço e tentou me beijar à força, enquanto com a outra mão me puxou em direção ao pênis dele. Dei um tapa, empurrei, disse que queria sair de lá, o que foi 'solucionado' com um pedido de desculpas do tipo 'entendi errado, achei que você também queria'."

A mesma vítima relatou outro episódio de assédio, anos depois, em um evento social onde o professor estava com a esposa. "Ele conseguiu acariciar minha perna e propor um ménage, dizendo que começaríamos eu e ele e depois ela se juntaria. Eu falei que não estava interessada em nada dele, nem com eles. Ele questionou então se eu queria seguir com o artigo, já que não queria 'nada' dele, e eu disse que não. O artigo nunca foi publicado, eu bloqueei os emails e não falei nunca mais com a pessoa."

'Desmoronava na frente do computador e chorava por horas'

A "vítima 2", a primeira a falar abertamente do assunto e que impulsionou a onda de denúncias, é uma ex-aluna que teve Leonardo Ávilla como orientador e relata ter sofrido assédio em três momentos diferentes. "Ele comentou sobre minhas partes íntimas, como tinha reparado nelas na primeira visita que fiz. Falava de jogar o jogo da verdade, para nos aproximarmos mais, já que morávamos em estados diferentes e que a nossa relação precisava ser muito íntima para conseguirmos escrever bem e nos comunicarmos bem", descreve.

Ela continua: "Lembro de desmoronar na frente do computador e chorar por horas perguntando por que eu havia nascido com aquele corpo, por que meus seios eram daquele tamanho, por que eu era tão inocente. Eu sempre tentava cortar ou tentava fazer com que ele percebesse meu incômodo e parasse sozinho. Tinha medo da represália, medo de ele tomar o material que eu havia trazido do laboratório dele para estudar em casa. Medo de não ter um futuro na área que tanto sonhei", afirma.

Por ser conhecido na área de paleontologia, Ávilla era procurado por alunos de outros estados interessados em projetos e pesquisas. Segundo os relatos, com jeito simpático e solícito, ele oferecia sua casa para as alunas de outras cidades se hospedarem. Como ele era casado, muitas alunas, inclusive a "vítima 2", topavam a proposta de ficar na casa do professor. "Ele tentou fazer com que eu passasse a mão nele e tentou passar a mão em mim. Lembro que estava de vestido e ele começou a subi-lo e me desesperei... Por um milagre a porta se abriu e era a esposa dele chegando", diz o relato.

Em um terceiro episódio, Ávilla é acusado de ter tentado mais um ataque enquanto sua aluna dormia: "Cheguei sozinha, às duas da manhã, um pouco bêbada, ao apartamento e fui me deitar diretamente. Às 5h40, acordei. Ele estava sentado na beirada da cama, com as mãos dentro da minha blusa, pegando nas minhas partes íntimas e vindo para cima de mim. Fiquei pensando há quanto tempo ele estaria passando a mão em mim, pois tenho o sono muito profundo".

Ela relata que teve falta de ar e entrou em desespero. "A vontade de gritar também surgiu, mas então, percebendo tudo aquilo, ele falava: 'fique quieta senão minha esposa vai acordar e eu sei que você não quer isso'. Com todas as forças do meu corpo eu consegui sentar e o mandei para fora do quarto, ameacei gritar e acordar a esposa dele no quarto ao lado, apertei seus braços e olhei com a pior cara que eu pude fazer para ele acreditar que eu ia, sim, fazer algo, até que ele saiu. Tranquei e coloquei a cadeira atrás da porta e no outro dia comprei a primeira passagem pro meu estado e fui embora sem dar explicações."

Um dos depoimentos diz que, nas mesas de bar, ele dizia "que todos no laboratório deveriam fazer o mesmo com ele, beijá-lo e satisfazê-lo sexualmente".

'Cheguei ao ponto de pensar em desistir da carreira'

A "vítima 1" conheceu Ávilla em um evento do laboratório e relatou que o professor chegou a pedir fotos íntimas em uma troca de mensagens. "Ele começou a fazer uma 'brincadeira' de perguntas de cunho sexual e eu, com medo de ser cortada do trabalho, fui dando corda, respondendo às perguntas desagradáveis e chegando ao ponto de ele me enviar fotos íntimas dele com outras alunas, pedindo que eu respondesse com fotos minhas. Bastava que ele me visse online no Facebook para que me enviasse mensagens nojentas", diz.

"Quando eu tomei coragem, pedi para que ele parasse com essas perguntas e focasse um pouco mais em me orientar. A partir daí todas as correções dele eram extremamente agressivas e diziam que meu trabalho era péssimo."

"Cheguei ao ponto de pensar em desistir da minha carreira e não enviei materiais para vários eventos que aconteceram na época. Foi quando eu soube dos diversos relatos de assédio que aconteceram durante um evento e contei para uma amiga sobre o que eu estava passando", diz.

Segundo o relato das mulheres, as mensagens de importunação sexual eram comuns entre a maioria das possíveis vítimas, que se incomodavam e se sentiam constrangidas. Uma delas relata ter sido agarrada à força: "Em um dos dias, ele me beijou à força na hora em que fui me despedir. Consegui me desvencilhar e senti uma culpa enorme, tentando descobrir o que eu tinha feito ou falado para que ele achasse que essa era minha intenção. No momento do assédio, a gente fica sem reação, e sem saber que comportamento nosso possa ter dado a entender que esse tipo de liberdade poderia ser tomada."

"É um misto de vergonha e culpa, o que me impediu por muito tempo de falar sobre isso com outros colegas."

'Muitos profissionais sabiam dos casos'

Em 2017, o professor de paleontologia Mário Dantas, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), tomou conhecimento dos casos por meio da "vítima 2" e descobriu que ela não havia sido a única. Foi então que passou a tentar ajudar essas mulheres, mas o movimento não ganhou força. Ávilla estava afastado dos eventos nacionais e passou a frequentar só os internacionais para não ficar em evidência.

Até que em outubro, ele avisou em um evento virtual no YouTube que retornaria às programações nacionais. Dantas decidiu expor o colega. "Muitos profissionais sabiam de vários casos e ainda assim confraternizavam com ele, faziam projetos juntos. Ele agia como se nada tivesse acontecido e isso me deu um sentimento de revolta muito grande. Foi então que decidi divulgar o caso no meu Instagram e no Twitter."

Ele conta que procurou as vítimas e passou a divulgar os relatos de forma anônima. O jornalista americano Michael Balter, que expõe casos de assédio no meio científico, leu os depoimentos e publicou o nome de Leonardo, pedindo que as vítimas se apresentassem.

Advogada encaminhará provas ao MP do Rio

A advogada Tathiana Costa, que representa nove possíveis vítimas até o momento, disse a Universa que Ávilla pode ser denunciado por assédio sexual, importunação sexual e assédio moral. "Fomos contatados na última quinta-feira e estamos reunindo todas as provas e relatos para encaminhar esse material todo ao ao Ministério Público do Rio de Janeiro". Segundo a advogada, o MP deve enviar essas informações com pedidos de diligências às autoridades policiais para cumprimento de complemento às investigações.

"Todas esperam que esse movimento de exposição faça com que não existam novas vítimas. Mas, obviamente, passar por esse tipo de situação que interfere tanto no psicológico quanto no profissional é sempre muito delicado", Tathiana Costa, advogada de defesa das vítimas.

Afastamento

A reportagem de Universa ligou três vezes e mandou mensagem para Leonardo Ávilla, que não respondeu aos questionamentos. Somente após a repercussão do caso a UniRio optou pelo afastamento do professor e divulgou um comunicado a respeito do ocorrido:

"Com relação às denúncias de assédio sexual e moral envolvendo um professor do Instituto de Biociências, a UniRio informa que o Colegiado do Departamento de Zoologia decidiu pelo afastamento do docente até que o procedimento apuratório aberto e eventuais procedimentos derivados sejam totalmente finalizados.

O Processo Administrativo para apuração dos fatos foi aberto no último dia 7 de dezembro, a partir da formalização de denúncia por parte do Diretório Acadêmico Chico Mendes, que representa os alunos dos cursos da área de Ciências Biológicas da Universidade. Reforçamos que nossa comunidade universitária repudia fortemente atos e ações que configurem assédio ou violência de qualquer natureza."

Em nota divulgada no dia 2 de dezembro, a reitoria da universidade destaca que as denúncias devem sempre ser formalizadas, "para que a universidade tenha condições de instaurar os procedimentos necessários para a apuração dos fatos".