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Mostra em NY critica assédio a brasileiras: 'Soma de machismo e xenofobia'

Obra de Santarosa Barreto, exposta no MASP em 2018, agora dá nome a exposição em Nova York - Divulgação
Obra de Santarosa Barreto, exposta no MASP em 2018, agora dá nome a exposição em Nova York Imagem: Divulgação

Mariana Gonzalez

De Universa

12/12/2021 04h00

"Você é brasileira? Nossa, eu adoro mulheres brasileiras".

Mesmo quem nunca saiu do Brasil já deve ter ouvido essa frase, dita por um gringo a uma mulher brasileira, em claro tom de insinuação sexual. Essa mesma frase aparece em inglês na obra da paulistana Santarosa Barreto, exposta há três anos no MASP (Museu de Arte de São Paulo), e agora dá nome a uma exposição que será inaugurada em janeiro na apexart, em Nova York.

Composta por obras de 12 artistas, todas brasileiras, a mostra "Oh, I Love Brazilian Women" foi pensada e organizada pela tradutora e curadora paulista Luiza Testa. Em entrevista a Universa, ela conta que ouviu comentários do tipo quando morou por 18 meses em Nova York, mas só se deu conta da sexualização de brasileiras quando começou a compartilhar a experiência com outras mulheres.

"A gente cresce ouvindo isso, mesmo sem sair do Brasil. 'Adoro mulheres brasileiras' é o nome da exposição porque soa muito familiar mesmo, eu ouvi diversas vezes enquanto morava fora. A gente demora para entender o que de fato significa, qual é a insinuação por trás disso, mas sabe que tem algo nessa frase que não soa bem", explica a curadora.

A tradutora e curadora brasileira Luiza Testa organiza a mostra, que terá obras de 12 artistas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A tradutora e curadora brasileira Luiza Testa organiza a mostra, que terá obras de 12 artistas
Imagem: Arquivo pessoal

Fora do Brasil, mulheres sofrem com machismo e xenofobia

Com base em suas experiências e em suas pesquisas, Luiza percebe que, embora o assédio seja constante na vida das mulheres dentro do Brasil, em outros países somam-se duas camadas de violência: o machismo e a xenofobia.

"Lá fora, o fato de ser brasileira ou latina vem acompanhado de estigmas muito específicos — nos Estados Unidos, existe o biquíni brasileiro, a depilação brasileira, que são formatos que fortalecem esse estereótipo sexualizado. Tem até uma expressão, 'Brazilian butt', usada para falar das bundas maiores", fala.

Outro fator que fez Luiza refletir sobre o assédio e a sexualização de brasileiras foi uma fala do presidente Jair Bolsonaro (PL):

"Ao falar contra o turismo LGBTQIA+, o presidente disse que os homens que quisessem vir ao Brasil fazer sexo com mulheres poderiam 'ficar à vontade'. Isso me fez pensar no turismo sexual e na gravidade de um chefe de estado incentivar isso", lembra. "Para muitas pessoas, o Brasil segue sendo aquele território a ser explorado, onde mulheres também estão à disposição para serem exploradas, como na colonização."

Performance The Water Fountain, de June Canedo - Divulgação - Divulgação
Performance The Water Fountain, de June Canedo, uma das obras que integra a exposição
Imagem: Divulgação

"Não são todos os europeus e nem todos os norte-americanos que assediam mulheres brasileiras, claro, mas é algo que acontece reiteradamente: as mulheres se sentem ofendidas com esse estereótipo. Algumas amigas já ouviram portuguesas dizendo que as brasileiras vão para Portugal para roubar os maridos delas. Quando uma mulher fala isso, está reproduzindo uma ideia muito machista".

"Claro que mulheres de outras etnias também sofrem com outros estereótipos, às vezes até bem mais graves, mas a sexualização de mulheres brasileiras lá fora é um assunto que precisa ser discutido".

Mostra aborda HIV, pandemia e violência doméstica

"Oh, I Love Brazilian Women" tem obras de Arissana Pataxó (BA), Benedita Arcoverde (PE), Brenda Nicole (SP), Camilla D'Anunziata (RJ), Fernanda Sternieri (SP), Juliana Manara (Londres), June Canedo (Nova York), Lenora de Barros (SP), Micaela Cyrino (SP), Milena Paulina (SP), Santarosa Barreto (SP) e Vitória Cribb (RJ).

Além do assédio contra brasileiras, as 12 artistas que compõem a mostra abordam temas como HIV, violência doméstica e pandemia de coronavírus, sempre de uma perspectiva de gênero.

A curadora explica que, assim, as obras discutem a violência de gênero contra brasileiras para além do assédio: "Muitas vezes essas mulheres estão fora do Brasil ilegalmente, e dependem financeira e emocionalmente dos companheiros. São diversas barreiras - financeira, de ilegalidade, da língua - que aumentam a condição de vulnerabilidade", explica.

"Our Bodies Our Selves", de Juliana Manara - Divulgação - Divulgação
"Our Bodies Our Selves", de Juliana Manara
Imagem: Divulgação
"There's no place like home", de Camilla D'Anunziata - Divulgação - Divulgação
"There's no place like home", de Camilla D'Anunziata
Imagem: Divulgação

Uma das artistas, Juliana Manara, por exemplo, vive em Londres e se inspirou no dado de que três em cada quatro brasileiras vivendo na cidade são ou já foram vítimas de violência doméstica para criar a obra "Our bodies, Ourselves".

A artista Camilla D'Anunziata, do Rio de Janeiro, apresenta a obra "There's no place like home", uma crítica ao aumento das agressões contra mulheres na pandemia esculpindo um par de sapatos vermelhos acorrentados, com a frase "Fica em casa".

Luiza Testa diz que imaginou a exposição especialmente para o público brasileiro, que é muito presente em Nova York, e que em breve pretende trazer a mostra para o Brasil.